Pelo menos 500 mil iraquianos fugiram de Mossul, segunda maior cidade do Iraque, tomada por terroristas muçulmanos do Estado Islâmico do Iraque e do Levante, que lutam para criar um emirado extremista unindo Iraque, Síria e Líbano, depois de quatro dias de combate. As forças de segurança iraquianas abandonaram a cidade.
Com armas leves montadas em picapes que dão alta mobilidade, os jihadistas avançam. Tomaram Tikrit, terra natal do ditador Saddam Hussein, derrubado e executado depois de uma intervenção militar dos Estados Unidos, há dez anos, e já controlam cerca de metade do território iraquiano, afirmou há pouco em entrevista à televisão pública britânica BBC o professor Fawaz Gerges, especialista em Oriente Médio da London School of Economics.
O caos e a guerra sem fim no Iraque são consequências da invasão americana de 2003 para depor o ditador Saddam Hussein. Ao assumir o controle do país, os Estados Unidos destruíram a máquina do Estado. Dissolveram o Exército e a polícia, jogando milhares de pessoas com treinamento militar, na maioria sunitas, que compunham o núcleo central do regime, na clandestinidade e na luta armada.
A discriminação às pessoas ligadas ao antigo regime e a ascensão ao poder da maioria xiita (60% da população) marginalizaram os sunitas, estimulando a dissidência armada. O colapso da ordem estabelecida gerou anarquia, facilitando a infiltração de extremistas muçulmanos inspirados pela rede terrorista Al Caeda.
Depois de um ataque contra uma mesquita e santuário xiita na cidade de Samarra, em 22 de fevereiro de 2006, o conflito sectário entre sunitas e xiitas quase virou uma guerra civil total. Isso levou o então presidente americano George W. Bush a reforçar as tropas dos EUA, que conseguiram controlar a situação com o apoio de líderes tribais sunitas que não queriam ser governados pelo islamismo fundamentalista pregado pela Caeda.
Em 2008, Barack Obama, que foi contra a invasão do Iraque desde o início, elegeu-se presidente dos EUA prometendo acabar com as guerras no Iraque e no Afeganistão. Sem um acordo com o governo Maliki para garantir a imunidade dos soldados americanos, Obama retirou no fim de 2011 todos os militares americanos do Iraque, com a exceção de um contingente de 160 encarregados que garantir a segurança da embaixada em Bagdá.
Assim, se alguém é culpado pela situação no Iraque, não é mais culpado do que os EUA, que destruíram um Estado nacional e não o reconstruíram, deixando para trás um país arrasado, caótico e anárquico, à beira da guerra civil e da autodestruição.
A guerra civil na vizinha Síria, onde mais de 160 mil pessoas foram mortas nos últimos três anos, fomentou ainda mais a atuação de jihadistas em busca de uma "guerra santa", atraindo muçulmanos radicais do mundo inteiro, inclusive da Europa e dos EUA, que ao voltar para casa vão criar problemas. Com a relutância das potências ocidentais de apoiar os rebeldes moderados, os terroristas ganharam preeminência e passaram a ser as forças mais efetivas na guerra contra a ditadura de Bachar Assad.
Uma das desculpas furadas de Bush para invadir o Iraque, além das armas de destruição em massa nunca encontradas, foi uma suposta ligação entre Saddam e a rede terrorista Al Caeda, que havia atacado Nova York e o Pentágono em 11 de setembro de 2001. Saddam pode ter ajudado grupos terroristas palestinos, mas sempre perseguiu o fundamentalismo muçulmano.
Al Caeda e os outros grupos jihadistas nascidos em seu rastro não tinham nenhuma atuação no Iraque. Hoje, controlam a metade do território nacional e se aproximam de Bagdá. No momento, os jihadistas são os defensores dos sunitas no Iraque. Uma guerra civil entre sunitas e xiitas se alastra do Líbano, no Mar Mediterrâneo, até as cercanias da capital iraquiana. A invasão de Bush acabou tendo o resultado oposto ao pretendido.
Este é o blog do jornalista Nelson Franco Jobim, Mestre em Relações Internacionais pela London School of Economics, ex-correspondente do Jornal do Brasil em Londres, ex-editor internacional do Jornal da Globo e da TV Brasil, ex-professor de jornalismo e de relações internacionais na UniverCidade, no Rio de Janeiro. Todos os comentários, críticas e sugestões são bem-vindos, mas não serão publicadas mensagens discriminatórias, racistas, sexistas ou com ofensas pessoais.
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