Quando estava no poder, ironizando a desunião europeia, o secretário de Estado americano Henry Kissinger costumava dizer: "Quando eu quiser falar com a Europa, para que número ligo?" O problema não foi resolvido até hoje.
"Cada vez que a UE resolve criar indicar um representante cria um novo cargo. Hoje, são quatro", comentou a professora Vivian Schmidt, diretora do Centro de Estudos de Europa da Universidade de Boston: o presidente do Conselho Europeu (de líderes), no momento o primeiro-ministro da Grécia, Antonis Samaras; o presidente da Comissão Europeia, o português José Manuel Durão Barroso; o presidente executivo, o belga Herman van Rompuy; e a supercomissária de Comércio Exterior, a baronesa britânica Catherine Ashton.
Além desses quatro, há os 28 líderes dos governos nacionais, dificultando o processo de tomada de decisão e a expressão de uma voz comum, o que se explica porque a UE não é um Estado nacional. "Quando apresentou sua solução para a crise, [a primeira-ministra] Angela Merkel disse que era uma "solução alemã".
Há boas notícias, como a sobrevivência do euro e da UE à crise, a reforma da comissão, o aumento de poderes do Parlamento Europeu. Por outro lado, não foi aprovada uma nova regulamentação capaz de evitar futuras crises financeiras, os mercados podem entrar em pânico de novo, o crescimento é fraco e o desemprego está em 11,9%; "na Espanha, chega a 67% para mulheres jovens", acrescentou Vivian Schmidt.
"O Sul da Europa continua em crise. O Norte da Europa acredita que a crise acabou. Além da crise da Ucrânia, o processo de tomada de decisões está em crise. Há um crescente intergovernamentalismo. Os líderes nacionais tomam a maioria das decisões", criticou a professora da Universidade de Boston ao participar da 3ª Conferência do Dia da Europa, realizada hoje no Palácio do Itamaraty, no Rio de Janeiro, pelas fundações Getúlio Vargas (FGV) e Konrad Adenauer (KAS).
Na sua opinião, a crise das dívidas públicas de países da periferia da Zona do Euro (Grécia, Irlanda, Portugal, Espanha e Itália) "não precisava ter acontecido". A crise das hipotecas de segunda linha começou em 2007 nos EUA.
"Até 2010, nada foi feito pela Grécia. Em julho de 2012, quando os mercados entraram em pânico, o presidente do Banco Central Europeu (BCE), Mario Draghi, interveio" prometendo comprar os títulos que o mercado rejeitava. "A Alemanha, potência hegemônica relutante, deveria ter assumido a liderança", lamentou Schmidt.
Além disso, a União virou uma espécie de bode expiatório dos governos nacionais: "A UE tem um problema terrível para se vender", constatou o professor Kai Enno Lehman, da Universidade de São Paulo. Sob pressão, torna-se reativa.
Ele também vê uma clara divisão Norte-Sul, problemas econômicos causadas pela receita de austeridade usada contra a crise, preconceitos contra imigrantes e avanço dos partidos de extrema direita.
"O Reino Unido tem uma economia diabolicamente desequilibrada. Oito de cada dez empregos gerados desde o ínicio da crise são em Londres e arredores, o que está agravando a crise habitacional. A Itália precisa reformar o sistema de impostos. A França precisa discutir a reforma da Previdência Social", notou Lehman.
Ele concluiu que é preciso ir além da crise e democratizar a UE, evitando "a tomada de decisões de cima para baixo todo o tempo".
Este é o blog do jornalista Nelson Franco Jobim, Mestre em Relações Internacionais pela London School of Economics, ex-correspondente do Jornal do Brasil em Londres, ex-editor internacional do Jornal da Globo e da TV Brasil, ex-professor de jornalismo e de relações internacionais na UniverCidade, no Rio de Janeiro. Todos os comentários, críticas e sugestões são bem-vindos, mas não serão publicadas mensagens discriminatórias, racistas, sexistas ou com ofensas pessoais.
quinta-feira, 8 de maio de 2014
Quem fala pela Europa?
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