Em momentos-chaves da guerra no Afeganistão, o governo George Walker Bush desviou os recursos escassos para a inútil guerra no Iraque, afirma reportagem de David Rhode e David Sanger publicada no domingo, 12 de agosto, no jornal The New York Times.
A guerra para derrubar a ditadura da milícia dos Talebã, no Afeganistão, foi a primeira resposta aos atentados de 11 de setembro de 2001 e o primeiro teste da doutrina militar do então secretário da Defesa, Donald Rumsfeld, de uma força pequena e de alta mobilidade. Pode servir para ganhar a guerra mas não para ocupar o território conquistado por longo prazo, como ficou evidente no Iraque e no Afeganistão, que assiste hoje ao ressurgimento dos Talebã.
Diante da vitória fácil, Rumsfeld rejeitou os pedidos do então secretário de Estado, Colin Powell, e o presidente afegão, Hamid Karzai, de que uma grande força internacional garantisse a paz no Afeganistão.
Quando a situação se agravou, com a incapacidade do governo Karzai de controlar até mesmo a região da capital, Cabul, os Estados Unidos apelaram aos aliados europeus da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN).
Em 12 de setembro de 2001, os aliados invocaram o princípio da Carta do Atlântico que considera uma agressão contra qualquer país-membro um ataque contra todos, e se ofereceram para lutar ao lado dos EUA contra os autores dos atentados terroristas, no caso a rede terrorista Al Caeda e o regime da milícia dos Talebã, que a acolhia.
A situação mudou com a invasão do Iraque, em março de 2003. Hoje vários aliados europeus temem ser alvo de terrorismo caso se associem a uma guerra americana.
Como Ossama ben Laden e a rede terrorista Al Caeda, seus aliados talebã se reagruparam nas regiões tribais do Paquistão. Além da milícia que governou o Afeganistão, a rede de Ben Laden também se recuperou da derrota sofrida em 2001 enquanto desvia recursos para atacar o Iraque, embora Saddam Hussein não tivesse qualquer relação com os terroristas que atacaram os EUA.
Na semana passada, o presidente Karzai declarou em Washington que a segurança do Afeganistão está "definitivamente deteriorada".
Com sua arrogância imperial, o presidente Bush prometeu um novo Plano Marshall para o Afeganistão, que acabou recebendo menos ajuda internacional por habitante do que a Bósnia-Herzegovina, o Kossovo e o Haiti.
A partir do final do ano passado, os EUA voltaram a reforçar seu contingente no Afeganistão, que tem hoje 23,5 mil soldados, muito menos do que os 160 mil no Iraque.
Os US$ 300 milhões aprovados pelo Congresso para o desenvolvimento de pequenas empresas no Afeganistão nunca saiu do papel. Apesar de 80% da economia afegã serem agrícola, não há engenheiros agrônomos americanos dando assistência técnica.
A realidade é que os EUA fracassaram na reconstrução de países e nações. O sucesso no pós-guerra na Bósnia e no Kossovo se deve muito mais à União Européia, que fracassara ao intervir nas guerras. No Haiti, a força internacional de paz liderada pelo Brasil conseguiu controlar uma situação de segurança dificílima. Mas a pacificação do país a longo prazo depende de um projeto de consolidação institucional e desenvolvimento econômico, ou seja, da construção de um Estado e de uma nação, o que os americanos não conseguiram fazer no Afeganistão e no Iraque.
"Não temos nem dinheiro nem soldados suficientes", admite Robert Finn, ex-embaixador em Cabul em 2002 e 2003. "Tenho repetido a mesma coisa há seis anos". Um verdadeiro Plano Marshall custaria muito caro e não bastariam soldados.
Zalmay Khalilzad, foi embaixador americano no Afeganistão e no Iraque, e que agora está nas Nações Unidas, reconhece que "fomos relutantes na construção do Estado e da nação. Deveríamos ter feito mais no início". Bastava reconstruir o país.
Para Ronald Neuman, que substituiu Khalilzad em Cabul, "a idéia de que deveríamos apenas caçar terroristas, sem nos preocuparmos com a reconstrução nacional, foi um grande erro".
A proposta de Powell para uma força de paz de 40 mil soldados, 20 mil americanos e 20 mil europeus, foi abandonada. Em 2002, os EUA deixaram no Afeganistão uma força de 8 mil homens para caçar Al Caeda e os Talebã, e não para manter a paz ou reconstruir o país. A força de paz internacional de 4 mil soldados ia pouco além da capital, Cabul. O resto do país ficou entregue aos senhores da guerra aliados na luta contra os Talebã.
Nos planos, os EUA treinariam o Exército afegão, de 70 mil homens. A Alemanha prepararia 62 mil policiais. O Japão desarmaria 100 mil milicianos. E a Grã-Bretanha faria um programa antidrogas.
Menos de um ano e meio depois do discurso de Bush de 2002 prometendo um novo Plano Marshall, a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional tinha apenas sete funcionários no Afeganistão e outros 35 contratados temporariamente trabalhando em tempo integral.
Em outubro de 2002, um ex-diretor da CIA (Agência Central de Inteligência), o serviço de contra-espionagem dos EUA, visitou o quartel-general das tropas americanas no Kuwait. Os recursos da guerra contra o terrorismo começavam a ser desviados para o Iraque.
Os comandos de elite, como a Força Delta e as Focas da Marinha, foram para o Iraque, assim como os melhores recursos. Mais uma vez, o Afeganistão foi deixado de lado. Tinha sido abandonado no final da Guerra Fria, após o fim de intervenção soviética, o que levou à ascensão dos Talebã e à instalação das bases da Al Caeda.
Em 1º de maio de 2003, horas antes do discurso do presidente Bush falando em "missão cumprida" no Iraque, o secretário Rumsfeld dava entrevista em Cabul ao lado do presidente Karzai, declarando que "claramente saímos de uma fase de grande combates para um período de estabilidade e reconstrução. A grande maioria do país é segura".
A declaração de Rumsfeld não teve o destaque do discurso de Bush a bordo de um porta-aviões cantando uma vitória que cada vez mais parece uma derrota. Mas ambos são exemplos da visão distorcida da realidade e dos erros de avaliação que arruinaram os governos de George W. Bush.
Só em 2006 Bush pressionou o ditador do Paquistão, general Pervez Musharraf, e admitiu que os laços entre os Talebã e o serviço secreto paquistanês não tinham sido rompidos.
Antes disso, em setembro de 2005, numa reunião da OTAN, os EUA anunciaram a retirada de 3 mil soldados, 20% das tropas americanas. Três meses depois, cortaram a ajuda ao país em um terço.
De 2005 para 2006, a ajuda americana caiu 38%, de US$ 4,3 bilhões para US$ 3,1 bilhões.
Em fevereiro de 2006, o embaixador Neumann mandou um alerta a Washington avisando que os Talebã preparavam uma grande ofensiva para a primavera no Hemisfério Norte. Ao todo, 191 soldados da OTAN foram mortos no Afeganistão em 2006, 20% a mais do que em 2005.
Neumann diz que os terroristas suicidas são paquistaneses mas os talebã são afegãos.
"Destruir as bases da Al Caeda no Afeganistão foi um feito extraordinário", declarou ao NY Times Robert Blackwill, encarregado de Afeganistão e Iraque no Conselho de Segurança Nacional, "mas onde nos encontramos hoje talvez tivesse sido quase inevitável, se os EUA tivessem invadido o Iraque ou não. Teremos de enfrentar uma guerra longa no Afeganistão até que o governo afegão consiga reconstruir o interior do país e os refúgios para os Talebã no Paquistão forem eliminados".
O resultado é essa guerra sem fim. Para os EUA, o fracasso, tanto no Iraque quanto no Afeganistão, dará o recado que os fundamentalistas como Ossama ben Laden querem: a hiperpotência pode ser derrotada, no caso afegão apesar do apoio de 37 países.
Confira a reportagem completa no New York Times.
Este é o blog do jornalista Nelson Franco Jobim, Mestre em Relações Internacionais pela London School of Economics, ex-correspondente do Jornal do Brasil em Londres, ex-editor internacional do Jornal da Globo e da TV Brasil, ex-professor de jornalismo e de relações internacionais na UniverCidade, no Rio de Janeiro. Todos os comentários, críticas e sugestões são bem-vindos, mas não serão publicadas mensagens discriminatórias, racistas, sexistas ou com ofensas pessoais.
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