sexta-feira, 3 de agosto de 2007

Missão no Haiti cria doutrina para intervenção

O Brasil não está no Haiti para treinar as Forças Armadas para atuar na segurança interna. Mas será um ponto positivo se desenvolver a doutrina para uma possível intervenção interna, observou o professor Pablo Dreyfus, coordenador de pesquisas da organização não-governamental Viva Rio, ao participar da mesa redonda Lições da Segurança Internacional para a Segurança Pública: Missões de Paz, Garantia da Lei e da Ordem e o Emprego das Forças Armadas, realizada na segunda-feira, 30 de julho, no Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), no Rio.

Rubem César Fernandes, coordenador do Viva Rio, esteve várias vezes no Haiti acompanhando a missão da força de paz da ONU liderada pelo Brasil. Na primeira vez, em 2004, um oficial brasileiro desabafou: “Todos mentem. Não consigo trabalhar neste ambiente”.

O general Augusto Heleno Ribeiro Pereira manteve um estilo muito criticado, muito carioca, ao rejeitar a ação militar clássica, entende Rubem César: "Em Porto Príncipe, a situação é muito delicada. As favelas estão à beira-mar; a ONU, a classe média e as elites estão lá em cima.

"Não há praias na capital. Cite Soleuil fica à beira-mar. O Exército entrou primeiro no centro, em Bel Air, perto do Palácio Nacional. Até 2004, era cercada por barricadas de lixo. O Brasil levou um ano para tomar Bel Air, o que conseguiu em agosto de 2005.

"Os jordanianos fracassaram em Cité Soleuil, mas o Brasil conseguiu abrir um corredor de segurança Bel Air-Cité Soleuil. O trabalho do Exército Brasileiro levou três anos. No final de 2006, houve uma onda de seqüestros. O último batalhão que entrou resolveu o problema de Cite Soleuil", conta o coordenador do Viva Rio.

O Haiti é um país de 8 milhões de habitantes, com 2,5 milhões a 3 milhões na capital. É um favelão com as classes média e alta refugiadas nas montanhas.

"Houve uma progressividade. As conquistas são graduais, baseadas em uma estratégia de redução de risco evitando tiroteios prolongados em lugares labirínticos. Não houve nenhuma baixa brasileira na missão de paz no Haiti", lembrou Rubem César Fernandes. "O Exército identifica os bolsões de resistência, cerca e anuncia que vai entrar. Provoca uma correria e ocupa pacificamente."

A idéia é realizar ações civis e militares para a pacificação, sob comando militar. Ao lado dos militares, há organizações não-governamentais do mundo inteiro: Cruz Vermelha, Médicos sem Fronteiras, serviços de saúde, hospitais de campanha, grupos de defesa dos direitos humanos.

O lado civil da missão de paz é lento. Ser guerreiro todo dia é desgastante. O contingente é trocado há cada seis meses.

"Bel Air é uma cidade totalmente informal. São 11 localidades e quatro comandos. Demos apoio aos grupos de carnaval e aí percebemos a relação entre cultura e criminalidade", prossegue o coordenador do Viva Rio.

Em 16 de maio, foi firmado o acordo de paz entre as gangues. Se houvesse 30 dias sem violência, seriam dadas bolsas de estudos para todas as criança. Se a trégua fosse de 60 dias, seriam distribuídas bolsas para milicianos.

"Os bandidos de Bel Air querem estudar inglês, francês e atividades criativas: música, poesia e artesanato. O líder é um poeta, um samba", revela Rubem César.

“É preciso refletir, pensar criativamente. Vivemos situações muito diferentes: informal, terrorismo, criminalidade... O maior problema do Haiti é consolidação institucional.”

Do ponto de vista militar, não há mais nada a conquistar, só a consolidar. A missão militar passou. Começa o trabalho de polícia.

Pelo artigo 144 da Constituição, quando o Exército entra em ação todos se submetem à hierarquia militar. "Na crise da febre aftosa no Paraguai, rapidamente o Exército fechou todas as fronteiras. Foi uma reação rápida. Não passava uma vaca."

É preciso repensar as relações civis-militares, diz Rubem Cesar. Há o argumento do governador Sérgio Cabral: é um absurdo que um quartel numa comunidade só cuide dos muros para dentro.

O almirante Mário César Flores citou exemplos em que a Marinha foi chamada para aprender navios e precisou levar junto policiais federais porque não poderia fazer a apreensão.

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