Enquanto o hiperativo presidente conservador da França, Nicolas Sarkozy, surfa numa onda de popularidade depois de 100 dias de governo, o Partido Socialista ainda amarga sua terceira derrota consecutiva. "A liderança socialista está dividida, deprimida e privada de qualquer visão ou perspectiva", adverte o professor Zaki Laïdi, do Sciences Po, o instituto de ciências políticas de Paris, em artigo publicado quinta-feira no Financial Times.
Ségolène Royal tentou transformar sua derrota eleitoral numa campanha pela liderança do partido, raciocina Laïdi, mas continua enfrentando dura resistência dos caciques do partido. Pretende assim usar a mesma fórmula que a levou à candidatura à Presidência: vender-se diretamente ao eleitorado, por cima e apesar dos caciques socialistas.
Ela esqueceu que "para ganhar eleições é preciso ter um partido forte".
Para Laïdi, "a crise de liderança é agravada por dois fatores. Ao contrário do que geralmente se acredita, as divisões no Partido Socialista são borradas. Não é o caso de conservadores de um lado e modernistas do outro. Todos os socialistas se apresentam como 'reformistas'. Mas a agenda da reforma é vazia, ambígüa ou limitada a slogans. É chocante ouvir os modernistas falarem de um projeto social-democrata num partido que não tem credenciais históricas na social democracia, num momento em que a própria democracia social está em crise por causa da globalização."
Outra crítica feroz do professor do Sciences Po ao Partido Socialista francês é que as alianças internas raramente tem base ideológica, o que tem duas conseqüências. Por um lado, como é amorfo ideologicamente, o PS não implode. Do outro, não consegue formular uma ideologia clara sobre o socialismo do mundo globalizado do século 21.
Um problema adicional, comenta Laïdi, é que os socialistas esperavam um presidente Sarkozy thatcherista e brutal: "Ele tem seguido um programa reformista que não pode ser chamado de neoliberal."
Na opinião do professor, o governo Sarkozy tem quatro características principais:
• um programa forte de segurança pública para evitar o ressurgimento da Frente Nacional;
• uma desregulamentação cautelosa do mercado de trabalho;
• uma transferência de recursos para os ricos com o corte de importos; e
• um apelo aos valores tradicionais.
A questão da segurança pública e da violência urbana é uma preocupação do eleitorado de esquerda como da direita. Com a desregulamentação do mercado de trabalho, a esquerda terá um tema para atacar o governo. Mas já há um consenso de que a situação atual é insustentável.
"Sarkozy", define o professor Laïdi, "é um negociador em busca de resultados. A reforma das universidades ilustra bem seus métodos: forte nos princípios mas pragmáticos na implementação. Sua capacidade de chegar a um acordo é ilimitada, desde que ele aparece como vencedor", o que sugere um oportunismo político.
Como a França tem um grande eleitorado de esquerda, ele acredita que o problema seja "mais ideológico do que sociológico". O partido tem um forte apoio local e muitas prefeituras. "Desde sua fundação, em 1905, cultivou esse 'socialismo municipal'."
Ninguém deve esperar um 'big bang' ideológico na esquerda francesa, prevê: "O Partido Socialista não é suficientemente fraco para revisar suas posições em relação ao mercado, à globalização e ao individualismo. Mas não suficientemente forte para ser uma alternativa real a Sarkozy. E não deve revogar suas reformas quando voltar ao poder".
A esperança do cientista político é que, se Sarkozy modernizar a França como promete, terá também um efeito modernizador sobre o Partido Socialista.
Leia aqui a íntegra do artigo, publicado hoje no Financial Times.
Este é o blog do jornalista Nelson Franco Jobim, Mestre em Relações Internacionais pela London School of Economics, ex-correspondente do Jornal do Brasil em Londres, ex-editor internacional do Jornal da Globo e da TV Brasil, ex-professor de jornalismo e de relações internacionais na UniverCidade, no Rio de Janeiro. Todos os comentários, críticas e sugestões são bem-vindos, mas não serão publicadas mensagens discriminatórias, racistas, sexistas ou com ofensas pessoais.
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