Mais de 700 mil argentinos participaram ontem à noite de um panelaço no centro de Buenos Aires e nas principais cidades do país contra o governo Cristina Kirchner, cada vez mais impopular. A Casa Rosada ignorou o protesto e o guru do kirchnerismo, o filósofo Ernesto Laclau, o descreveu como "o último grito de uma Argentina que está morrendo".
Num país onde a política ainda transforma adversários e inimigos, numa guerra felizmente travada hoje sem sangue, a classe média argentina bateu panelas contra a inflação, a corrupção, o aumento da criminalidade e da violência, o protecionismo que isola cada vez mais o país internacionalmente e contra a campanha para mudar a Constituição e dar um terceiro mandato a Cristina.
A presidente ironizou, comentando que o grande acontecimento político do dia era o Congresso do Partido Comunista da China. Cristina Kirchner criticou o "formidável aparato cultural para que os argentinos tenham uma visão distorcida do seu própria país" e acusou a oposição de não ter um "projeto alternativo".
O governo mantém o discurso de palanque de proteção aos excluídos que elegeu Néstor Kirchner em 2003, depois da pior crise de uma economia moderna, comparada ao que está acontecendo agora com a Grécia. Quando a dolarização da era Carlos Menem (1989-99) entrou em colapso, em 2001, 58% dos argentinos caíram abaixo da linha de pobreza.
As poupanças em dólares foram confiscadas e transformadas em pesos, com perda de 70% do valor. O dinheiro sumiu. A economia ficou paralisada. Depois do governo de transição do peronista Eduardo Duhalde, vice do primeiro governo Menem e candidato derrotado pelo radical Fernando de la Rúa em 1999, Kirchner venceu Menem em 2003 com um discurso antiliberal e antimercado.
No poder, o kirchnerismo congelou tarifas e adotou uma política de desvalorização do peso para aumentar a competitividade dos produtos argentinos. Isso gera uma inflação que o instituto oficial de estatísticas manipula a tal ponto que o Fundo Monetário Internacional (FMI) já advertiu que não vai mais usar os dados do governo. Este, por sua vez, processa os institutos independentes que chegam a números diferentes.
De uma base muito baixa, muito inferior ao potencial de geração de riqueza de um país como a Argentina, a economia cresceu a uma média de 8% ao ano até a crise de 2008, que na Argentina começou com uma greve de produtores rurais contrariados com os aumentos de impostos sobre as exportações de grãos.
No conflito com o campo, o jornal Clarín, o mais vendido no país, apoiou os ruralistas. Em uma verdadeira guerra contra o maior grupo de mídia argentino, o governo aprovou uma Lei de Meios de Comunicação Social que obriga o Clarín a se desfazer, em 7 de dezembro, de mais de 200 licenças de telerradiodifusão. Se o monopólio da mídia deve ser combatido, nenhuma nova licença foi dada até hoje com a nova lei, preparada para punir e negar legitimidade aos críticos do governo.
Ao renegociar sua dívida caloteada de US$ 100 bilhões, a Argentina rejeitou as propostas dos credores que exigiam pagamento de 100% do valor dos títulos. Fez acordo com mais de 80%. Os outros entraram na Justiça. Até hoje, o país não voltou totalmente ao mercado financeiro internacional, sempre demonizado no discurso kirchnerista.
Sem dólares nem acesso ao mercado, o governo Cristina Kirchner privatizou a previdência social, alegando que a poupança para aposentadoria não poderia correr os riscos do sistema financeiro, estatizou a antiga estatal do petróleo YPF, passou a controlar e burocratizar a importação, aumentou as barreiras protecionistas e, por fim, proibiu a compra e venda de dólares, que circulavam como moeda corrente na Argentina.
Para a classe média argentina, o dólar era o refúgio natural contra a inflação. Agora, é preciso dar explicações até para viajar ao exterior. Nas ruas do centro de Buenos Aires, os doleiros estão ativos. Com a cotação oficial em 4,70 pesos, no mercado negro consegue-se até 6,50 pesos por dólares. As lojas de importados e algumas grifes de luxo começam a sair do país por causa das dificuldades para importar mercadorias e remeter lucros ao exterior.
Há pouco mais de um ano, num momento de crescimento da economia, a presidente se reelegeu no primeiro turno com 54% dos votos. Hoje sua popularidade caiu para 32%.
A economia argentina se deteriora rapidamente e só Cristina Kirchner não vê. Está mais preocupada em destruir o Clarín. Até quando?
Este é o blog do jornalista Nelson Franco Jobim, Mestre em Relações Internacionais pela London School of Economics, ex-correspondente do Jornal do Brasil em Londres, ex-editor internacional do Jornal da Globo e da TV Brasil, ex-professor de jornalismo e de relações internacionais na UniverCidade, no Rio de Janeiro. Todos os comentários, críticas e sugestões são bem-vindos, mas não serão publicadas mensagens discriminatórias, racistas, sexistas ou com ofensas pessoais.
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