sexta-feira, 29 de junho de 2007

Política externa brasileira: do Barão a Lula

O objetivo de qualquer política externa é manter a soberania nacional e a integridade territorial de qualquer país. Isso levou o Brasil a adotar uma política de alinhamento automático com as grandes potências desde a independência, o Império Britânico e os EUA, a grande potência regional. Como não dava para enfrentá-las, era mais prudente ser realista e tentar barganhar o apoio em troca de ajuda nas questões de interesse nacional.

Um dos problemas centrais da política externa do Brasil e dos outros países latino-americanos é a assimetria de poder em relação à potência regional, que no século 20 torna-se uma grande potência no fim da Primeira Guerra Mundial, uma superpotência depois da Segunda Guerra Mundial e a única superpotência, a hiperpotência, com o final da Guerra Fria.

Então, como explica o embaixador Rubens Ricupero em Visões do Brasil, as relações exteriores no continente se orientam através de dois eixos: o da simetria com os países sem grande diferencial de poder e o da assimetria em relação aos EUA. Assim a relação Brasil-América Latina-EUA é na visão de Ricupero uma relação triangular.

Essa presença hegemônica contribuiu para ser o continente com a menor incidência de guerras entre países no século passado.

A política externa do Brasil republicano foi definida por nosso mais ilustre ministro das Relações Exteriores, o Barão do Rio Branco (1902-12), um personagem carioca e popular, apesar da origem nobre e da complexidade do cargo que desempenhava. Quando o Barão morreu, até o carnaval carioca foi adiado.

O Barão percebeu a emergência dos Estados Unidos como potêncial mundial. Em 1905, criou em Washington a primeira embaixada do Brasil (era a sétima na capital americana e a segunda latino-americana, depois do México).

Uma frase atribuída ao Barão é: “Só temos dois amigos no continente: os Estados Unidos e o Chile”. Resume bem a herança da tradição diplomática do Império, um animal político diferente das repúblicas caudilhescas do subcontinente, para quem a unidade latino-americana poderia ser uma unidade da América espanhola contra o Brasil, uma idéia do ditador argentino Juan Rosas que nunca teve a simpatia de Simón Bolivar.

O Barão criou assim o que Bradford Burns chamou de aliança não-escrita, dando apoio ao pan-americanismo nascente com a vinda ao Brasil do secretário de Estado Elihu Root para a 3ª Conferência Pan-Americana, realizada aqui no Rio em 1906.

Essa aliança tácita visa a aumentar o poder de barganha do Brasil apresentando-o como parceiro dos Estados Unidos. Rio Branco não se opôs às intervenções americanas na América Central: “Se esses países não sabem como governar-se a si mesmos, se não possuem os elementos necessários para evitar revoluções e guerras civis contínuas que se seguem interminantemente umas às outras, não têm o direito de existir e deveriam ceder o lugar a uma nação mais forte, melhor organizada e mais viril”.

Em sua genuína adesão ao pan-americanismo, Rio Branco gostava de fazer a ponte entre os Estados Unidos e a América Espanhola, que naturalmente não concordava com a frase acima. A opção preferencial pelos EUA afasta o Brasil dos países hispano-americanos.

EUA TORNAM-SE PRINCIPAL PARCEIRO
Não era uma prioridade arbitrária ou caprichosa. Derivava de fatores objetivos bem claros, não só de realpolitik como por razões econômicas. Na virada do século, os EUA tinham se tornado o principal parceiro comercial do Brasil. O posição de maior investidor viria mais tarde, com o declínio do Império Britânico, após a Primeira Guerra Mundial.

Os elementos básicos do paradigma de Rio Branco para a política externa brasileira, que a dominaria por mais de meio século, são três:
- uma convergência ideológica: a convicção dos dirigentes brasileiros de que compartilhavam os mesmos valores e aspirações que os americanos, como se vê nas opiniões de Rio Branco sobre pagamento de dívidas e intervenções militares;
- o segundo elemento é um vínculo pragmático ou utilitário: a partir do reconhecimento da total superioridade americana, tentar colocar o poder dos EUA a serviço dos objetivos brasileiros ou ao menos neutralizá-lo, apoiando os EUA nos cenários continental e global em troca do apoio ou da benevolência americana em questões de interesse do Brasil;
- em terceiro, a inevitável subordinação da América Latina diante da opção preferencial pelos EUA.

Além do sucesso nas diferentes questões de limites, o Barão deixou as bases da política externa brasileira.

Cerca de 40 anos depois de sua morte, o chanceler Osvaldo Aranha declarava na Escola Superior de Guerra não poder conceber outra política externa para o país que a consistente em apoiar as posições dos Estados Unidos nos foros mundiais em troca do apoio americano à preeminência política e militar do Brasil no continente sul americano.

A política externa do Barão permanece quase inalterada até os anos 30, quando já havia ocorrido a transição hegemônica do Império Britânico para os EUA e Getúlio Vargas flertou com a Alemanha nazista. Com a chamada barganha nacionalista, Vargas tentou obter vantagens em negociações com a grande potência dominante no continente americano, os EUA, e a grande potência emergente, a Alemanha de Hitler. Ao mesmo tempo em que renova um acordo comercial com os EUA, tenta fechar outro com a Alemanha.

De certa forma, agora, quando negociava paralelamente com os EUA para criar a ALCA e com a União Européia, o Itamaraty procurou tirar lições da barganha nacionalista de Vargas. (Há uma tese feita na Universidade de Oxford pelo diplomata Eugênio Vargas,)

GUERRA CRIA ALIANÇA FORMAL
Quando os japoneses bombardearam Pearl Harbor, no Havaí, em 7 de dezembro de 1941, e os EUA entraram na Segunda Guerra Mundial, imediatamente Roosevelt enquadrou o Brasil. No início de 1942, foi realizada mais uma reunião de consulta pan-americana no Rio. Coube ao Brasil ajudar a articular o apoio latino-americano ao rompimento com o Eixo e à guerra. A aliança não-escrita vira uma aliança formal.

A aliança político-militar durante a guerra vai gerar o mito da relação especial. Em 1947, é aprovado no Rio o Tratado Interamericano de Assistência Recíproca (TIAR), um acordo militar assinado no quadro do início da Guerra Fria. No ano seguinte, nasce a Organização dos Estados Americanos (OEA).

Durante a Guerra Fria, a luta ideológica recebe considerável impulso dos problemas da política doméstica, devido ao conservadorismo extremado de parte da elite. Seu desejo de controlar autoritariamente a agitação sindical e o crescimento do Partido Comunista levam à decretação de ilegalidade do PC, em 1947, e ao rompimento com a União Soviética. As visitas de Truman ao Brasil e Dutra aos EUA revelam a aspiração brasileira de manter a relação especial no pós-guerra.

Se o componente ideológico da política externa é reforçado, o vínculo pragmático perde, na medida em que os EUA subordinam todos os seus interesses à lógica da confrontação estratégica na Guerra Fria. A concentração não só do poder estratégico e nuclear mas também financeiro nos EUA reduzia a margem de manobra do Brasil.

Com a Europa em reconstrução, durante muitos anos as únicas fontes de financiamento eram o Banco Mundial e o Tesouro dos EUA.

Preocupados com a ameaça comunista, os americanos davam ênfase ao tema da segurança e da subversão, enquanto os latino-americanos, vendo no subdesenvolvimento a fonte da instabilidade política, estavam mais interessados em crescimento econômico.

A expressão ideológica dessa divergência se expressa na Teoria da Dependência surgida na Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), que defendia a industrialização através da substituição das importações com papel hegemônico do Estado.

Washington se contrapõe com uma abordagem privatizante. O desenvolvimento seria fruto de investimentos privados nacionais e estrangeiros atraídos pela abertura comercial e uma intervenção estatal mínima.

A incapacidade do vínculo pragmático de oferecer resultados práticos enfraquece o componente ideológico. Vargas não manda tropas para a Coréia. Da América do Sul, só a Colômbia manda.

O consenso ideológico anticomunista se fragmenta com o aparecimento de uma coalizão da esquerda com setores conservadores, mesmo das Forças Armadas, defensores do nacionalismo econômico. Isto complica o relacionamento com os EUA e os organismos multilaterais de crédito, levando à crise que provocou o suicídio de Vargas.

Tudo isso levou ao afastamento do paradigma de Rio Branco. Na segunda metade dos anos 50, um relativo degelo na Guerra Fria com a denúncia do stalinismo por Kruschev reintroduz um certo pluralismo e flexibilidade. O elemento pragmático ajuda o desenvolvimentismo de Juscelino Kubitschek.

Na Operação Pan-Americana, JK tenta resgatar o papel do Brasil de mediador das relações entre os EUA e a América Espanhola. Um resultado disto foi a criação do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), em 1958.

A POLÍTICA EXTERNA INDEPENDENTE
No início dos anos 60, depois do desenvolvimento juscelinista, nasce a política externa independente do embaixador Afonso Arinos de Mello Franco, chanceler de Jânio Quadros. A expressão foi empregada primeiro pelo chanceler San Tiago Dantas.

A convergência ideológica é substituída pelo desejo de afirmação de um ator médio num espaço onde o interesse brasileiro é estabelecer o máximo de multipolarização.

Essa busca de afirmação e independência não abdica dos valores ideológicos do Ocidente, o que torna o Brasil diferente da maioria dos integrantes do Movimento dos Países Não-Alinhados.

Aquela época, observa Ricupero, “não é das páginas mais gloriosas da diplomacia brasileira, que tentava defender o indefensável com as armas da soberania, da tentativa de contrastar violações de direitos humanos com injustiças da ordem econômica internacional”.

Depois de uma breve tentativa de volta ao paradigma do alinhamento automático com os EUA (1964-73), no governo Geisel, volta a política externa independente, com o reconhecimento da independência das repúblicas socialistas de Angola e Moçambique, o acordo nuclear com a Alemanha, a denúncia do tratado militar com os EUA, questões de direitos humanos.

A latino-americanização da política externa brasileira começa com a normalização das relações com Cuba e a formação do Grupo de Apoio ao Grupo de Contadora, que já negociava a paz na América Central numa iniciativa latino-americana. Eles viriam a se fundir e se ampliar para formar o Grupo do Rio.

INTEGRAÇÃO REGIONAL
Com a democratização da Argentina em 1983 e do Brasil em 1985, começa com Sarney e Alfonsín o processo de integração econômica do Cone Sul. No início do governo Figueiredo, os dois países tinham resolvido o conflito em torno do aproveitamento dos recursos hidrelétricos da Bacia do Prata.

Um acordo sobre bens de capital logo foi seguido por uma série de medidas na área nuclear, acabando com o risco de uma corrida armamentista na região com o acordo tripartite Brasil-Argentina-AIEA (Agência Internacional de Energia Atômica), que abre as instalações nucleares dos dois países a inspeções mútuas e da agência. Os dois países também assinaram o Tratado de Tlatelolco, que torna a América Latina uma zona livre de armas nucleares.

Em questões como a América Central, o embargo a Cuba e as violações dos direitos humanos pelo regime de Fidel Castro, acabou a subordinação às posições americanas.

O vínculo pragmático é abalado pela crise da dívida. A marginalização ante o sistema financeiro internacional levou à dependência dos programas de ajuste do FMI e do Banco Mundial, dando ao Tesouro dos EUA poderes para impor suas condições. A vulnerabilidade econômica leva a pressões comerciais americanas em duas frentes: na Rodada Uruguai (serviços, propriedade intelectual, investimentos) e bilateralmente (Lei de Informática, regime de controle de exportações da Cacex, siderurgia).

Os problemas comerciais se sobrepõem na agenda às antigas questões dos direitos humanos e da não-proliferação nuclear. Aumenta a dependência para obter apoio do governo americano nas negociações com o FMI, o Clube de Paris e os bancos privados, para levantar resistências a empréstimos.

A desintegração da URSS e o fim do comunismo provocam a chamada globalização econômica, a expansão do capitalismo a praticamente todos os países da Terra. A vitória não é só americana, é mais do capitalismo, cujo poder está distribuído em três pólos: EUA, Europa e Ásia. O grande diferencial do poder americano está no seu poderio militar.

Como essa situação não coloca os EUA no que os antigos chamavam de monarquia universal, Ricupero a define como uma “modalidade inovadora de multipolarismo com dois traços característicos”.

O primeiro é a existência de um líder: “o monopólio estratégico nuclear faz com que um atores seja mais igual do que os outros”. Assim, “o líder assume o papel insubstituível de catalisar as coligações e as iniciativas”.

A outra característica é a utilização do processo multilateral para dar às ações legitimidade e recursos adicionais. Ricupero entende que a noção de unipolarismo esconde “as limitações reais do poder dos EUA e as que são auto-impostas por razões de busca de legitimidade.

A essa configuração política, corresponde no plano econômico a tendência de integração regional e global, no processo de globalização, o que leva à uniformização das normas na chamada “convergência sistêmica”.

Da mesma forma que o Movimento dos Não-Alinhados, o Grupo dos 77 sofreu considerável enfraquecimento em função da desagregação do socialismo e do desaparecimento de modelos econômicos alternativos.

Na América Latina, a reestruturação econômica foi precipitada pela dívida e balizada pelos programas de ajuste do FMI e do Banco Mundial. Através dos planos Baker e Brady, o Tesouro dos EUA comandou o processo, coordenando os credores, ditando a política dos EUA para a região. As tentativas esporádicas de dar uma resposta conjunta coerente e as moratórias unilaterais não tiveram força para contrabalançar a unidade dos credores.

Com a onda neoconservadora da era Reagan e Thatcher, os EUA conseguiram o que tentavam há décadas: substituir na prática as teses da Cepal e da UNCTAD pelo Consenso de Washington: redução do tamanho e das funções do Estado, privatização, abertura comercial, liberalização da economia, eliminação do déficit público, saneamento antiinflacionário. Tudo isso geraria o clima favorável aos investimentos privados nacionais e estrangeiros.

A chamada revolução silenciosa na América Latina ultrapassou uma barreira quando o presidente Carlos Salinas decide completar a reforma do México pela associação do seu país aos EUA e Canadá no Acordo de Livre Comércio da América do Norte (Nafta, da sigla em inglês).

O governo George H. W. Bush dá mais um passo à frente lançando, em 1990, a Iniciativa para as Américas, com objetivo de criar uma zona de livre comércio integrando todo o continente, a única região econômica importante com a qual os EUA tinham saldo comercial na época.

Esse novo desafio de se acomodar diante da iniciativa da potência hegemônica no continente soma-se à “crise sistêmica e permanente do próprio Brasil”, visto na época por si mesmo, pelos vizinhos e pelo resto do mundo como “parte da América Latina que não está dando certo”. Ricupero sugere que “o país precisa mais de conserto e reforma do que sua política exterior”, criticando a pretensão do governo Collor de realinhar o Brasil com os EUA na busca de uma via direta para chegar ao Primeiro Mundo.

“O colapso da União Soviética e do comunismo desmoralizou de vez a pregação do alinhamento automático e a repressão das reformas sociais internas”.

Ao organizar a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio 92), o Brasil mostrou ter condições de contribuir para as muitas coalizões necessárias para enfrentar os problemas globais. O país transformou uma vulnerabilidade, as críticas internacionais ao desmatamento da Amazônia, numa demonstração de criatividade diplomática, capacidade de organização e disposição para articular aproximações e acordos.

Na pacificação de conflitos regionais e na promoção da democracia, o Brasil tem uma atuação consistente.

POR UMA ORDEM INTERNACIONAL DEMOCRÁTICA
A estrutura diversificada do comércio exterior brasileiro e a ampla liberalização do regime de importações tornam uma exigência para o Brasil lutar pelo aperfeiçoamento do sistema multilateral de comércio: “Não há compulsão de coincidir nem de discordar da nação mais poderosa do sistema. Para o Brasil, a nova ordem só será duradoura se for baseada na participação e do consenso. Uma ordem internacional democrática não é compatível com o alinhamento automático para evitar punições ou receber recompensa”.

Claramente Ricupero teme as conseqüências da ALCA: “Resta ver como, havendo superado a fase em que subordinava a América Latina aos EUA, a diplomacia brasileira poderá evitar agora que a América Latina subordine o Brasil aos EUA. (…) Cria-se assim para o Brasil um duplo desafio. De um lado, evitar que as preferências do Nafta ao México e sua extensão a outros países proporcionem a esses competidores condições mais vantajosas de ingresso no mercado do principal parceiro nosso e deles. Do outro lado, impedir que a multiplicação de acordos entre Washington e essas nações acabe por erodir as margens de preferência dos manufaturados brasileiros nesses mercados”.

Infelizmente o Brasil não tem poder para tanto. O PIB brasileiro chegou a ser superado pelo do México (e de outros países) mas agora o país parece ter retomado um ritmo de crescimento sustentado, embora ainda abaixo de média histórica do pós-guerra, de 7%.

Diante do endurecimento da posição do Brasil nas negociações da ALCA e na OMC, os EUA acenaram com a possibilidade de realizar uma série de acordos multilaterais capazes de isolar o Brasil dentro do continente. Mas se aproximaram do Brasil por causa

Voltando a olhar para os governos brasileiros, Sarney decretou a moratória isolando o país ainda mais economicamente e partiu para a integração regional com a Argentina de Raúl Alfonsín.

Collor tentou um realinhamento com os EUA e Menem tentou criar uma “relação carnal” com os EUA, mas ambos acabaram se rendendo às limitações de suas pretensões primeiro-mundistas ao assinar, em 1991, o Tratado de Assunção, que criou o Mercado Comum do Sul (Mercosul), uma tentativa de reinserção competitiva das economias do Cone Sul no mercado internacional depois da década perdida com a crise da dívida.

Itamar Franco retomou com força total o paradigma da política externa independente, propondo a criação de uma zona de livre comércio sul-americana (Safta, em oposição ao Nafta) para fortalecer o poder de barganha do subcontinente nas negociações da ALCA. Isto não impediu que a Cúpula de Miami, no final de 1994, lançasse oficialmente as negociações da ALCA, com o apoio de dois presidentes, Itamar e o recém-eleito Fernando Henrique Cardoso.

DE FHC E LULA
Como as maiores preocupações de FHC eram a estabilidade econômica e a reinserção internacional do Brasil, sua política externa tinha como foco principal mostrar-se um parceiro confiável dos países ricos e desenvolvidos, de onde viria o capital para a retomada do desenvolvimento. Isso levou a um alinhamento em alguns temas e ao silêncio em outros para não desagradar aos países centrais, sobretudo os EUA. Quando o real foi abalado pelas crises asiática e russa, os EUA coordenaram a ajuda do FMI.

Lula assume tentando reafirmar a política externa independente. Sem margem de manobra ou criatividade para mudar a política econômica, como prometeu durante a campanha, Lula usa a política externa como uma espécie de última praia do esquerdismo.

Mas a política externa de Lula vai muito além da retórica. Primeiro, tenta junto com o novo presidente argentino, Néstor Kirchner, relançar o Mercosul e fazer um acordo, fechado em abril, embora ainda falte acertar detalhes, com a Comunidade Andina das Nações (Bolívia, Peru, Equador, Colômbia e Venezuela) para criar a zona de livre comércio sul-americana proposta por Itamar. A dúvida é se haverá tempo para consolidar esta nova aliança ou se ela será atropelada pelas negociações da ALCA.

Ao mesmo tempo, sob a orientação do chanceler Celso Amorim, ex-embaixador na ONU e na OMC, aproxima-se grandes países em desenvolvimento com status de potência regional como a China, a Índia e a África do Sul e articula a criação do Grupo dos 20 para lutar contra o protecionismo agrícola dos países ricos na Organização Mundial do Comércio, numa política agressiva de abertura de novos mercados, especialmente no setor agrícola.

O grande desafio continua sendo acomodar as relações com os EUA. No momento, as negociações da ALCA estão estagnadas. O Brasil, co-presidente das negociações ao lado dos EUA, nega-se a marcar a próxima reunião enquanto não houver um avanço concreto na proposta americana sobre agricultura.

Primeiro, o Itamaraty apostou no adiamento das negociações para depois das eleições presidenciais nos EUA, em 2004. Não esperava que os EUA fizessem qualquer concessão significativa às vésperas das eleições, que incluíram a renovação da Câmara dos Representantes e de parte do Senado Federal, além de governadores e parlamentos estaduais.

A relutância do Itamaraty provocou duras críticas do setor empresarial, inclusive dos ministros-empresários, Amaral Furlan (Desenvolvimento) e Roberto Rodrigues (Agricultura). Eles viam um viés ideológico antiamericano com origens na diplomacia brasileira, sobretudo no secretário-geral do Ministério das Relações Exteriores, Samuel Pinheiro Guimarães, de posições nitidamente esquerdistas, de agrado do PT e daqueles que viam na ALCA uma rendição ao imperalismo econômico americano.

A ALCA foi praticamente enterrada na Conferência de Cúpula das Américas em Mar del Plata, na Argentina, em novembro de 2005. Desde então, os EUA negociaram acordos de livre comércio com a Colômbia e o Peru, e o Paraguai e o Uruguai, os dois sócios menores do Mercosul, manifestaram interesse em negociar com os americanos.

O Uruguai está irritado com a indiferença do bloco regional para resolver o conflito com a Argentina em torno da instalação de duas fábricas de celulose na margem oriental do Rio Uruguai, a chamada 'guerra das papeleiras'. Os argentinos têm bloqueado sistematicamente as pontes que ligam os dois países.

Em abril do ano passado, o presidente uruguaio, Tabaré Vázquez, recorreu ao Mercosul. Lula chegou a discutir a questão com a presidente da Finlândia, onde fica a sede da Botnia, empresa que está construindo uma das fábricas, mas o presidente argentino, Néstor Kirchner, reagiu com dureza, insistindo em que se trata de uma questão bilateral.

No momento, a intermediação está sendo feita pelo rei Juan Carlos, da Espanha, a antiga potência colonial. Se o Mercosul tivesse regras comuns para instalação desse tipo de fábrica na região, o problema estaria resolvido. Mas o bloco tem um sério déficit institucional.

Outra questão importante é a entrada da Venezuela como membro pleno do Mercosul antes de negociar a adesão às normas preexistentes. O projeto político do presidente Hugo Chávez, antiliberal, anticapitalista e antiamericano, entre em conflito com o projeto original do Mercosul de ser um instrumento de inserção na economia globalizada.

A Venezuela é importante, mas o personalismo de Chávez não ajuda na institucionalização do bloco nem nas suas negociações externas. A recente proposta da União Européia propondo uma “parceria estratégica” ao Brasil indica o desinteresse europeu nas negociações bloco a bloco.

Além dos debates em torno das reformas previdenciária e tributária, da política econômica e do salário mínimo, da corrupção e da reforma política, a política externa tornou-se um elemento importante do governo Lula, que brilha no cenário internacional com seus programas sociais e o sucesso da economia brasileira.

(Este texto foi preparado inicialmente para a cadeira de Jornalismo Internacional do curso de Jornalismo da UniverCidade)

2 comentários:

LeynadBR disse...

Olá,

Vc teria algum artigo que tratasse do processo de adesao da venezuela ao mercosul..dos im pactos politicos..economicos..energeticos..e etc ?! Estou pesquisando para fazer minha monografia..Obrigado.
Email: dan.iel@superig.com.br

Anônimo disse...

excelente!