Mais uma vez, a América Latina é assolada por políticos demagógicos que prometem um futuro que não têm como oferecer. É a praga do populismo. Seus maiores exemplos no passado foram Getúlio Vargas, no Brasil, e o general Juan Domingo Perón, na Argentina. Agora, o líder desta esquerda inconseqüente que se confunde com o fascismo é o coronel-golpista Hugo Chávez, presidente da Venezuela. Seus maiores discípulos são os presidentes da Bolívia, Evo Morales, e do Equador, Rafael Correa.
Em artigo para o jornal La Nación, o escritor argentino Marcos Aguinis, autor de O Atroz Encanto de Ser Argentino, traçou as principais características do populismo, que resumo a seguir:
1. "Nenhum regime populista conseguiu (ou quis seriamente) acabar a fundo com a pobreza, estimular uma educação aberta nem desmontar o fanatismo. Seus programas não apontam para o desenvolvimento sustentado e firme. Não lhe interessam os direitos individuais nem a majestade das instituições republicanas. Pelo contrário, exageram no assistencialismo mendicante, impõem doutrinas tendenciosas e exaltam diversos tipos de animosidade para conseguir a adesão de multidões carentes, exploradas ou perturbadas pela confusão". O populismo depende da miséria dos "descamisados" (termo usado por Perón e depois pelo presidente Fernando Collor) para prosperar.
2. Como as ditaduras comunistas e fascistas, o populismo precisa "criar um inimigo externo, um inimigo interno e um inimigo... anterior". Além de botar sempre a culpa nos outros, "investe contra o que ocorreu antes para, desta forma, depredar sem limites". São as "heranças malditas" e o "nunca antes neste país..."
3. "O sistema populista não se sustenta em idéias, por isso é pragmático e muda segundo os ventos. Em suas cúpulas argentinas, cabem o variável Perón, a feérica mitologia de Evita, a criminalidade de López Rega [ministro do Bem-Estar Social de Isabelita e líder da Aliança Anticomunista Argentina, um esquadrão da morte], uma Isabelita que dá dó, a salada fascista-bolchevique dos Montoneros, a ineficaz renovação de Cafiero e companhia, as privatizações monopolistas de Menem, o caudilhismo de Duhalde, os sindicatos imbatíveis e o pseudoprogressismo de Kirchner.
4. Não há populismo sem personalismo, como observou o historiador mexicano Enrique Krause. O movimento ou partido se constroem ao redor de uma figura messiânica, de um "salvador da pátria". Esse "pai da pátria" é "um demagogo porque se acomoda, mente, afaga e desacredita segundo convenha ao crescimento de seu poder". De um lado, seduz e promete maravilhas; do outro, "é duro com quem essa massa manifesta antipatia, a um extremo que acende muitas fogueiras de ódio".
5. "Não há regime populista que tolere a total liberdade de imprensa". Perón "expropriou um jornal, amordaçou outros e fechou a rádio da oposição". Chávez acaba de não renovar a licença da rede de televisão da Radio Caracas Televisión (RCTV). Morales e Correa seguem o mesmo caminho.
6. "O orçamento nacional é sempre manipulado com arbitrariedade. Os controles são silenciados ou neutralizados. O modelo populista identifica os fundos do Estado como fundos do governo ou - pior ainda - fundos de quem está no poder. Usa-os a seu critério para submeter opositores, cooptar vontades e fazer propaganda". Chávez distribui arbitrariamente bilhões de petrodólares para avançar seu projeto "narcisista-leninista", na descrição do jornalista Andrés Oppenheimer. Kirchner violou o art. 29 da Constituição da Argentina para fazer o que quiser com o orçamento. "O populista é um modelo que ri das ingênuas e frágeis limitações da transparência repúblicana".
7. "Também não faltam as alianças com a 'burguesia nacional' ou os 'empresários patrióticos', isto é, aqueles que preferem subornar funcionários para obter privilégios do que produzir de forma realmente competitiva.
8. "O modelo populista não se priva de atiçar o ódio: Perón contra a oligarquia; Evo Morales contra os brancos; Chávez contra os ricos (menos ele e os leais a ele); Kirchner contra os anos 90 (também excluindo ele e aliados). Mas devo me corrigir: é comum que os inimigos de foro, de dentro e do passado sejam vários, assim é mais fácil provocar uma cadeia de ira catártica, antidemocrática e regressiva. Da Casa Rosada, por exemplo, este modelo de "crescimento" e felicidade populista, mal chamado de progressista, dirigiu sua metralhadora de grosso calibre contra empresários, militares, sacerdotes, jornalistas e opositores de hoje, de ontem e de anteontem. Como se fosse pouco, "não pôde proibir"que Chávez viesse ladrar em Buenos Aires contra os Estados Unidos, o Uruguai, o Brasil, a OEA [Organização dos Estados Americanos] e tudo o que pretende pôr algum freio a suas arengas desbocadas de papagaio capanga".
9. O populismo não esconde seu desdém pela ordem legal. Como os monarcas absolutistas e como os caudilhos "donos de vidas e fazendas", "a lei é apenas um traje que se ajusta a gosto e medida". Menem mudou a Constituição para se reeleger. Chávez, Morales e Correa convocaram Assembléias Constituintes para "refundar" seus países. Kirchner abusa dos "decretos de necessidade e urgência", o equivalente às "medidas provisórias" da lei brasileira.
10. A alternância no poder, essencial numa democracia, não agrada aos líderes populistas, que não gostam de largar o 'trono'. Preferem a reeleição ilimitada ou a presidência vitalícia e até hereditária, como na Síria.
11. O populismo cultiva uma utopia, a promessa de que se avança para um futuro esplêndido. É uma mensagem que se repete com insistência até hipnotizar, ao mesmo tempo em que se culpa os outros e o passado para encobrir a ineficiência do governo atual.
Em resumo, conclui Aguinis, "o culto da personalidade - em torno do qual se constrói quase tudo -, a ausência de controles republicanos, a instabilidade jurídica, a falta de visão estratégica, o ódio crescente e o objetivo excludente de se manter no poder a qualquer custo sabotam o progresso real".
Ele exclui desse diagnóstico o socialismo democrático que vê no Brasil, no Uruguai e no Chile: "Não praticam a hipnose do personalismo, não manipulam os meios de comunicação, não usam de forma arbitrária o orçamento, não alimentam o ódio, não desprezam a ordem legal, não abalam a estabilidade jurídica, não temem a alternância, não desqualificam a oposição, não espantam os grandes investimentos mas os recebem com bons contratos, se abrem ao comércio mundial, não distorcem os índices para enganar a cidadania até cuidam da linguagem. Por isso, crescem mais rápido, são previsíveis e mais confiáveis. Por isso, nos empurram para o extremo do continente e do mundo, apesar das potencialidades que continuam inativas por culpa desse modelo populista que hipnotiza, embrutece e esclerosa.
Leia a íntegra do artigo de Aguinis no jornal argentino La Nación.
Este é o blog do jornalista Nelson Franco Jobim, Mestre em Relações Internacionais pela London School of Economics, ex-correspondente do Jornal do Brasil em Londres, ex-editor internacional do Jornal da Globo e da TV Brasil, ex-professor de jornalismo e de relações internacionais na UniverCidade, no Rio de Janeiro. Todos os comentários, críticas e sugestões são bem-vindos, mas não serão publicadas mensagens discriminatórias, racistas, sexistas ou com ofensas pessoais.
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