Quarenta anos depois de sua maior vitória militar, Israel ainda não conquistou a paz.
Na Guerra dos Seis Dias, de 5 a 10 de junho de 1967, Israel derrotou três exércitos árabes e tomou a Península do Sinai e a Faixa de Gaza, do Egito; a Cisjordânia, inclusive o setor oriental de Jerusalém, da Jordânia; e as Colinas do Golã, da Síria. Mudou o mapa geopolítico do Oriente Médio, atraindo a proteção americana. Mas até hoje não conseguiu se livrar do problema dos territórios árabes ocupados.
No momento, há uma guerra civil entre os palestinos da Fatah, principal partido da Organização para a Libertação da Palestina (OLP), e o Movimento de Resistência Islâmica (Hamas), com mais de 600 mortos em pouco mais de um ano e pelo menos 80 desde o último fim de semana.
Do lado israelense, o Kadima (Avante), partido criado pelo ex-primeiro-ministro linha-dura Ariel Sharon para negociar a paz com os palestinos, enfraquecido pelo fracasso na ofensiva contra o Hesbolá, no ano passado, no Líbano, não tem poder para fazer as concessões necessárias à paz.
Com a vitória do ex-primeiro-ministro Ehud Barak na eleição interna pela liderança do Partido Trabalhista, o partido da paz ganha mais um peso-pesado. Só que ele quer a renúncia de Olmert para disputar o poder. Mesmo assim, será nomeado ministro da Defesa do governo da coalizão que quer derrubar.
Se Olmert for obrigado a antecipar as eleições, a vitória pode ser do partido direitista Likud, que rejeita a criação de um Estado palestino independente, ou seja, que não tem sequer uma proposta para negociar a paz.
No Líbano, por sua vez, um grupo fundamentalista palestino, Fatah al-Islam, desafia há semanas o Exército libanês, ameaçando aprofundar a divisão entre o governo pró-ocidental e a oposição muçulmana liderada pelo Hesbolá, fortalecido por sua resistência diante do supostamente invencível poderio israelense.
Esse mito da invencibilidade israelense foi sacramentado na Guerra dos Seis Dias, em junho de 1967. Depois de uma série de provocações da Síria, estimuladas pela União Soviética, o presidente do Egito, Gamal Abdel Nasser, pediu a retirada da força de paz das Nações Unidas na Península do Sinai e fechou o Estreito de Tiro, em 22 de maio, bloqueando o acesso israelense ao Mar Vermelho pelo mar.
Israel tomou essas medidas como atos de guerra e atacou antes, destruindo as Forças Aéreas de seus inimigos em solo. Isso lhe deu uma vantagem decisiva nas batalhas no deserto. O deserto é o paraíso dos tanques mas, num combate em campo aberto, a dominante Força Aérea de Israel tornou-o num inferno para seus inimigos.
A vitória avassaladora, a conquista do setor árabe de Jerusalém e de todo o território histórico da Palestina estimularam interpretações religiosas da guerra e recriaram o sonho da Grande Israel, o território bíblico de Israel.
VITÓRIA DE PIRRO?
“Nos anos que precederam a guerra, a situação do jovem Estado judaico era terrível: uma grave crise econômica e saldo migratório negativo”, recorda o jornalista e historiador Tom Segev, comentarista do jornal liberal Haaretz e autor do livro 1967: Seis Dias que Mudaram o Mundo, em entrevista ao jornal francês Lê Monde. “A população viu a vitória-relâmpago como uma ressurreição”.
Uma questão central é se a guerra era mesmo necessária. Israel fora responsável por 80% dos incidentes de fronteira com a Síria e Nasser estava blefando. Segev não teve acesso aos arquivos do Egito. Lembra que “os israelenses estavam convencidos que ele queria destruir Israel”.
Daí, nasceu o conceito de “ofensiva preventiva”, lançada com os bombardeios aéreos que destruíram as Forças Aéreas do Egito e da Síria em apenas uma hora, em 5 de junho de 1967.
Enquanto os líderes políticos estavam receosos, os militares israelenses defendiam a guerra. O primeiro-ministro “Levi Eshkol negou-se a autorizar o ataque antes de ter certeza do apoio político de Washington”. Começava a aliança incondicional dos EUA a Israel, outro resultado da guerra.
Para Segev, as principais conseqüências da guerra foram:
1. Os judeus orientais, antes marginalizados, foram plenamente integrados.
2. O nacionalismo de direita foi legitimido. Seu líder, Menachem Begin, que seria primeiro-ministro, foi comparado a Hitler por David ben Gurion, o fundador de Israel.
3. Os israelenses descobriram os palestinos.
4. Israel se abriu ao judaísmo.
Depois da vitória, o então ministro da Defesa de Israel, Moshe Dayan, foi à Mesquita Dourada de Jerusalém e tirou os sapatos, cumprindo o ritual muçulmano em sinal de respeito. Tudo o que não queria era transformar uma disputa por território numa guerra religiosa. Mas a reconquista do território bíblico de Israel e o fortalecimento do judaísmo estimulariam o fundamentalismo muçulmano, que torna a paz ainda mais distante.
Em 1967, a maioria dos israelenses acreditava que “a ocupação seria apenas temporária”, observa o historiador. “Os jovens, hoje, pensam que o conflito será eterno e que precisa ser ‘administrado’, em vez de se buscar uma solução”.
Na sua opinião, “o sionismo deu um tiro no pé quando o governo decidiu anexar o setor oriental de Jerusalém sem consultar um jurista. Com este gesto, impediu qualquer possibilidade de paz. Seguiu-se a colonização”.
Segev rejeita o argumento do historiador israelense Benny Morris, que lamenta hoje que Israel não tenha “concluído a tarefa”, expulsando os palestinos da Cisjordânia em 1967: “Essa questão é moralmente ilegítima... Seria um crime contra a humanidade”.
A vitória fácil provocou euforia: “Enfim, a paz não era mais urgente. Israel entra numa era de arrogância que terminaria com a Guerra do Yom Kippur, em 1973”.
Naquele ano, o inimigo tomou a iniciativa, na maior ofensiva conjunta de exércitos árabes da História moderna.
Às 14h de 6 de outubro de 1973, num ataque de surpresa, o Egito e a Síria atacaram as formidáveis defesas de Israel no Sinai e no Golã. Cem mil soldados e mais de mil tanques egípcios atravessaram o Canal de Suez. Para o historiador militar americano Trevor Dupuy, foi “uma das mais memoráveis travessias de um curso d’água nos anais da guerra”.
Ao mesmo tempo, com 35 mil homens e 800 tanques, a Síria abria uma frente de luta no Golã. Mas essa guerra estava inserida no contexto maior da Guerra Fria. Na maior ponte aérea militar da História, os EUA forneceram a Israel centenas de milhares de toneladas de equipamento militar e suprimentos, enquanto a União Soviética tentava fazer o mesmo, sem tanto sucesso, com seus aliados árabes.
Em 14 de outubro, o Egito lançou uma ofensiva no Sinai. Dois dias depois, o presidente egípcio Anuar Sadat, em “carta aberta do presidente Richard Nixon”, propunha um cessar-fogo e uma conferência internacional de paz organizada pelas Nações Unidas.
Com predomínio aéreo, Israel cercou o 3º Exército do Egito no Sinai e estava prestes a destruí-lo, quando a URSS ameaçou intervir, o que poderia provocar uma guerra nuclear.
Em carta enviada a Nixon na noite de 23 para 24 de outubro, o líder soviético Mikhail Brejnev advertia: “Vou dizer diretamente que, se você considerar impossível agirmos conjuntamente nesta matéria, teremos de encarar a necessidade urgente de considerar a tomada das medidas apropriadas unilateralmente. Não podemos tolerar a arbitrariedade de Israel”.
O “sonho de outubro” dos árabes havia acabado. Em 22 de outubro, o Conselho de Segurança ONU aprovara a Resolução 338 exigindo um cessar-fogo.
Apesar do alerta nuclear soviético para defender o Egito, em 1977, tendo chegado à conclusão que era a melhor maneira de recuperar o Sinai, Sadat abandonou a URSS, aproximou-se dos EUA e visitou a Israel. A URSS deixava de ser uma superpotência no Oriente Médio.
A viagem de Sadat a Israel levou aos acordos de Camp David, em 1979. Pela primeira vez, um país árabe, o Egito, o mais importante ao lado da Arábia Saudita, fazia a paz com Israel.
Sadat pagou com a vida. Foi assassinado em 1981 por um grupo de terroristas fundamentalistas do qual fazia parte Ayman al Zawahiri, hoje lugar-tenente de Ossama ben Laden na rede Al Caeda.
Desde a Revolução Islâmica no Irã, em 1979, um novo elemento perturbador se transformava em força política no Oriente Médio: o terrorismo fundamentalista muçulmano, que hoje estende seus tentáculos por toda a região e pelo mundo, notadamente nos atentados de 11 de setembro de 2001 contra os EUA.
HAMASTÃO
Há 20 anos, Israel estimulava o surgimento do Hamas para dividir o movimento nacional palestino. Hoje, teme que os fundamentalistas transformem a Faixa de Gaza no Hamastão, um enclave integrista.
Em 5 de junho de 1967, quando começaram os seis dias que não terminaram, Moshe Dayan disse que aquela não era “uma guerra de conquista”. Mas documentos israelenses revelam que já em 1967 o governo israelense abandonara a idéia de devolução integral dos territórios árabes ocupados – um erro histórico que levou a esta guerra sem fim.
Por outro lado, para quem pensa que tudo isso é muito distante, vale lembrar que em 17 de outubro de 1973, em reação contra o apoio ocidental a Israel, por iniciativa da Arábia Saudita, os países árabes impuseram um boicote à venda de petróleo ao Ocidente.
A primeira crise do petróleo elevou os preços do óleo cru de cerca de US$ 3 para US$ 12 o barril, acabando com o “milagre econômico” brasileiro e o modelo econômico da ditadura militar, baseado em energia e mão-de-obra baratas. Seguiram-se a inflação alta crônica e o crescimento medíocre.
Até hoje, o Brasil ainda não encontrou um novo modelo de crescimento acelerado sustentável e o Oriente Médio continua sendo uma das regiões mais críticas para a paz.
Este é o blog do jornalista Nelson Franco Jobim, Mestre em Relações Internacionais pela London School of Economics, ex-correspondente do Jornal do Brasil em Londres, ex-editor internacional do Jornal da Globo e da TV Brasil, ex-professor de jornalismo e de relações internacionais na UniverCidade, no Rio de Janeiro. Todos os comentários, críticas e sugestões são bem-vindos, mas não serão publicadas mensagens discriminatórias, racistas, sexistas ou com ofensas pessoais.
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