quinta-feira, 14 de junho de 2007

Destruição da Amazônia ameaça agronegócio

Além do efeito catastrófico para o aquecimento global, a destruição da Floresta Amazônica ameaça a agricultura brasileira e o suprimento de energia hidrelétrica para o Centro-Sul do Brasil, advertiu hoje o ecologista americano Thomas Lovejoy, consultor da Fundação das Nações Unidas e assessor da presidência do Banco Mundial, em palestra sobre A Máquina de Chuva na Amazônia, a Mudança do Clima e o Desmatamento Evitado, realizada no Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), no Rio de Janeiro.
 
Com mapas animados da Administração Atmosférica e Oceânica Nacional (NOAA) do governo dos Estados Unidos, Lovejoy, que também preside o Centro Heinz para Ciência, Economia e Meio Ambiente e o Instituto Yale para Estudos da Biosfera, mostrou que a água que evapora na Amazônia forma nuvens responsáveis pela chuvas no Centro-Sul.

“Se o Brasil estiver interessado em manter o agronegócio no Centro-Sul e suas hidrelétricas, precisa manter o ciclo da água intacto”, alertou o cientista. “Uma queda de 20% na precipitação criará sérios problemas para a agricultura no Sul”. 

Na Amazônia, as correntes de ar movem as nuvens na direção oeste até esbarrarem na Cordilheira dos Andes, de onde parte vai para o Centro-Oeste, o Sudeste e o Sul do país. Como “75% do vapor d’água da Amazônia vêm da transpiração de árvores e plantas, à medida em que as florestas são derrubadas, há menos água para evaporar. Com menos árvores, a chuva diminui, a estação seca será longa e a temperatura aumentará”, previu Lovejoy. 

Outra observação importante: o desmatamento e o fenômeno El Nino (aquecimento das águas do Oceano Pacífico) provocaram a impressionante seca de 2005 na Amazônia. É preciso, defendeu o cientista que criou o conceito de diversidade biológica, “manter a integridade do ciclo da água”. 

A floresta tropical amazônica depende da umidade do ar que a envolve, como destaca outro cientista americano especializado na região, Daniel Nepstad. Ele teme que a queda na umidade relativa do ar seque a vegetação rasteira da floresta, transformando ervas e arbustos em combustível para incêndios potencialmente devastadores. Um risco adicional é que a mudança do clima pode impedir o reflorestamento da Amazônia. 

Nos anos 70, quando os primeiros alertas sobre a devastação da floresta foram feitos, Irwin e Goodland defenderam essa tese no livro Amazônia: do Inferno Verde ao Deserto Vermelho? Como o solo da Amazônia é relativamente recente, a camada fértil é pequena e frágil, protegida e alimentada pela cobertura florestal. Com o desmatamento, o sol esterilizaria a terra nua. A mata e o vapor d’água que ela gera protegem o solo frágil, mantendo o equilíbrio de um dos ecossistemas mais ricos do planeta. 

Qual é o ponto-limite, a partir do qual a degradação da Floresta Amazônica será irreversível? “Essa é a questão que não queremos saber”, disse Lovejoy no Cebri. 

Nos últimos 10 mil anos, acrescentou o cientista, o clima da Terra apresentou uma “estabilidade incomum”. Isso contribuiu para o desenvolvimento da sociedade humana que, com a Revolução Industrial, começou a interferir na mudança do clima. 

Neste equilíbrio instável que sustenta a vida, a maioria da umidade do ar é produzida perto do Equador, constata o professor americano. Então a floresta brasileira é fundamental para o futuro do planeta: “Não se pode avaliar a importância da Amazônia sem pensar na mudança do clima”. 

Na opinião de Lovejoy, “é hora de acabar com o desmatamento. É difícil fazer, a presença do governo é tímida numa região enorme. Como criar incentivos para a preservação da floresta?” 

A realidade, revelada pelo Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC, da sigla em inglês), é que 23% do aumento da concentração de gases carbônicos na atmosfera vêm de florestas tropicais, sobretudo de queimadas, uma prática pré-histórica que sobrevive devido ao subdesenvolvimento e ao atraso. 

Em 23 de agosto de 1997, um ano em que o fenômeno El Niño foi especialmente forte, lembrou o cientista, “uma enorme nuvem de fumaça formou-se sobre a América do Sul”. Para combater as queimadas, Lovejoy considera importantes tanto a regulamentação quanto incentivos para que a floresta seja vista como fonte de riqueza. 

“Depois de 42 anos observando a ação dos governos estaduais e municipais na Amazônia, noto uma transformação notável, realmente impressionante”, ponderou o cientista americano. “Há consciência de que não é um recurso inesgotável. Eles querem coisas que realmente funcionem”. 

Lovejoy acredita que o Sudeste Asiático será duramente afetado pela destruição recentes de suas florestas tropicais e não se mostrou muito otimista em relação ao acordo que começa a ser negociado para substituir o Protocolo de Quioto, que expira em 2012, recordando que as metas de Quioto são fracas. 

Os Estados Unidos, a China e a Rússia resistem em aceitar metas definidas de redução nas emissões dos gases que provocam o efeito estufa, sob a alegação de que prejudicaria suas economias. Em breve, a China vai superar os EUA como maior poluidor do mundo. Tem baixa eficiência energética e uma matriz energética suja. Das 10 cidades mais poluídas do mundo hoje, seis são chinesas. 

“É preciso fazer uma grande parceria energética com a China”, propôs Lovejoy. “Os EUA não podem fazer isso sozinhos. E a China sabe como um de seus recursos mais escassos, a água, é sensível à mudança do clima”. 

Sem a participação das duas economias mais importantes do mundo, qualquer acordo pós-Quioto terá efeitos limitados. A era pós-Quioto será também a era pós-George W. Bush: “Quando o legado deste governo for examinado, talvez o pior aspecto, depois da política para o Oriente Médio, seja a questão ambiental”, alfinetou o professor. 

O ecologista vê um bom momento para reativar o Programa Piloto do Grupo dos Sete para a Floresta Amazônica, já que a chanceler (primeira-ministra) da Alemanha, Angela Merkel, está liderando a articulação das negociações do acordo pós-Quioto. Quer reduzir as emissões em 50% até 2050. 

O Brasil tem interesse especial nestas negociações. Pode captar recursos para projetos de preservação da floresta, de desmatamento evitado. Mas precisa fazer a sua parte, especialmente acabando com as queimadas, que representam 75% da contribuição brasileira ao efeito estufa. 

“Entre o Brasil e o meio ambiente, não houve um amor à primeira vista”, reconheceu o embaixador Marcos Azambuja, secretário-geral do Itamaraty durante a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio-92), ao abrir o evento. A questão ambiental era vista como um entrave ao desenvolvimento. 

No encerramento, o ex-embaixador do Brasil nos EUA Roberto Abdenur alertou para o risco de uma nova crise energética, por falta de chuva, e Azambuja concluiu: “Queremos tratamento eqüitativo. O Brasil não ganha nada com o desmatamento”. 

A posição da diplomacia brasileira ainda parece defensiva em questões ambientais. O país tem a maior floresta tropical do planeta e a maior biodiversidade; 30% de todas as espécies vivas estão no Brasil. É um patrimônio genético que dá um cacife especial ao Brasil em negociações internacionais. É a matéria-prima da próxima revolução tecnológica, da biotecnologia, para a qual o país ainda não definiu uma política clara. 

A cada ameaça de catástrofe ambiental, ressurge o fantasma da internacionalização da Amazônia e o país adota uma posição defensiva, quando na realidade não se compara aos grandes poluidores. Acabar com as queimadas resolveria o problema, e ainda teria créditos e incentivos a receber. 

No final dos anos 90, em conferência no Centro de Estudos Brasileiros da Universidade de Oxford, o ecologista norte-americano Philip Fearnside, pesquisador do Instituto de Pesquisas de Amazônia (INPA) defendeu a tese de que o Brasil deveria cobrar pelos “serviços ambientais” da Floresta Amazônica. Calculou o valor anual desses serviços em mais de US$ 700 bilhões de dólares por ano. 

O valor parece exagerado, mas o princípio está correto. Como esse valor será calculado depende do acordo pós-Quioto. 

 “Nada de biocombustíveis na Amazônia!”, advertiu Lovejoy. “A máquina de fazer chuva da Amazônia é muito mais importante do que se percebeu até agora”.

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