A incapacidade americana de criar uma democracia no Iraque reforçou a tese de Samuel Huntington, apresentada em 1993 para explicar, entre outros conflitos, a guerra na república iugoslava da Bósnia-Herzegovina. Huntington é o quarto colocado na lista de ganhadores da guerra da revista Foreign Policy.
Os terroristas fundamentalistas muçulmanos ou jihadistas adoram a tese de Samuel Huntington, um veterano linha-dura do tempo da Guerra Fria. Aqui está minha maior discordância com a revista. Os neoconservadores que assessoravam Bush, como o ex-subsecretário da Defesa Paul Wolfowitz, apostaram que o Iraque poderia ser democratizado, como a Alemanha e o Japão depois de 1945, mas eclodiram diversos conflitos tribais, étnicos e religiosos, por isso Huntington tinha razão e Wolfowitz estava errado, argumenta Foreign Policy.
É uma visão um tanto simplista. A invasão destruiu o Estado, a Polícia e as Forças Armadas do Iraque, deixando um vácuo onde a insurgência se instalou. Qualquer cientista político ou especialista em relações internacionais sabe que o colapso do Estado provoca anarquia, e que anarquia é pior do que ditadura, é a guerra de todos contra todos.
Certamente o Iraque não estava preparado para a democracia mas ela não pode ser imposta a ferro e fogo.
Huntington previu que “os conflitos entre países cristãos e muçulmanos, que têm séculos, não devem declinar. Devem se tornar mais violentos”. Disse que “a democracia ocidental, no mundo árabe, favorece as forças anti-ocidentais”.
Mas não há guerras entre países cristãos e muçulmanos, a não ser em regiões periféricas como a invasão da Somália pela Etiópia cristã para combater, com o apoio dos EUA, a União dos Tribunais Islâmicos, que tomara o poder em Mogadíscio, capital somaliana, em junho do ano passado. Os conflitos hoje são guerras assimétricas entre um país e grupos armados irregulares.
A questão é se o fundamentalismo é um conflito de civilizações ou uma guerra civil dentro do Islã sobre qual é a verdadeira interpretação do Corão, se o islamismo é uma religião de paz ou uma religião guerreira, onde converter os infiéis é uma obrigação.
Para mim, o jihadismo é uma guerra civil interna do Islã que transborda para outras culturas porque há muçulmanos espalhados por todo o mundo. É uma reação patológica diante dos conflitos da modernidade, uma proposta política populista, que manipula a religião por motivos políticos.
Quando os militantes do Movimento de Resistência Islâmica (Hamas) entram em conflito com o pessoal da Fatah, do presidente palestino, Mahmoud Abbas, não estão discutindo questões religiosas. Estão disputando o poder.
Foreign Policy conclui que as civilizações estão em choque. Mas uma pesquisa recente da rede de rádio, TV e internet pública britânica BBC indica que a maioria dos muçulmanos acredita que os conflitos com o Ocidente são políticos e econômicos, e não culturais ou religiosos.
A tese do choque de civilizações é simplista, ignora a complexidade e a interpenetração das culturas na era da globalização. O verdadeiro choque de civilizações houve quando os europeus conquistaram a América, a África e parte da Ásia.
Este é o blog do jornalista Nelson Franco Jobim, Mestre em Relações Internacionais pela London School of Economics, ex-correspondente do Jornal do Brasil em Londres, ex-editor internacional do Jornal da Globo e da TV Brasil, ex-professor de jornalismo e de relações internacionais na UniverCidade, no Rio de Janeiro. Todos os comentários, críticas e sugestões são bem-vindos, mas não serão publicadas mensagens discriminatórias, racistas, sexistas ou com ofensas pessoais.
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