terça-feira, 24 de maio de 2016

Brasil precisa negociar com mundo inteiro sem discriminação

A proposta do novo ministro das Relações Exteriores, senador José Serra, de dar mais destaque ao Itamaraty e usar a política externa para ampliar as relações econômicas do país foi tema de matéria do jornal  O Globo de 22 de maio de 2016 em que fui citado. Abaixo, outras considerações além do que foi publicado.

Em princípio, é uma boa ideia um ministro do Exterior que não seja diplomata de carreira por causa do corporativismo do Itamaraty, mas Serra não é lá muito diplomático.

Foi correta a resposta pronta aos governos latino-americanos que denunciam golpe no Brasil, mas conceder passaporte diplomático a um pastor evangélico num Estado laico é um erro. Sou a favor de taxar as religiões e não de fazer concessões eleitoreiras.

É importante retomar as relações com as grandes potências democráticas, falo de EUA, Europa, Canadá, Japão e Austrália. Temos em comum a defesa da democracia liberal e dos direitos humanos. Devemos rejeitar atitudes colonialistas, mas não hostilizar EUA e Europa como potências imperiais como fazia o PT.

A Guerra Fria acabou. No mundo globalizado, é preciso negociar soberanamente com o mundo todo.

O grupo BRICS me parece mais um instrumento de política externa da China, com quem precisamos manter boas relações por causa da importância econômica, mas China e Rússia são defensoras de um autoritarismo que não interessa a países verdadeiramente democráticos. De acordo com a Constituição, os direitos humanos são um pilar importante da política externa brasileira.

A cooperação econômica é importante, mas a aliança política com qualquer potência não pode ser automática. Não pode haver alinhamento automático nem com China nem com EUA e o maior desafio será sempre negociar com as superpotências.

Precisamos de uma política externa independente, soberana e flexível. O Brasil é um ator global e precisa continuar sendo.

Serra sempre foi contra o Mercosul, o que me parece um equívoco. Sob a orientação do embaixador Rubens Ricupero, reconhece a importância do bloco na arquitetura da política externa brasileira, que desde a redemocratização reconhece a importância da região, especialmente da América do Sul.

Seria importante resgatar a proposta original do bloco, o regionalismo aberto, onde um grupo de países que se une para ter voz mais forte e maior poder de barganha em negociações e foros internacionais. A Venezuela de Maduro atrapalha, mas de que servem Mercosul, Unasul (União das Nações Sul-Americanas) e Celac (Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos), se não forem capazes de negociar uma transição pacífica na Venezuela?

É o problema mais urgente no nosso entorno. Do jeito que vai, o derramento de sangue parece inevitável. O governo Dilma Rousseff estava muito mais qualificado para fazer isso por causa da identidade ideológica. Perdeu a oportunidade pelo desinteresse de Dilma com a política externa.

A política externa é uma política de Estado, que requer continuidade. Dilma esvaziou o Itamaraty, que hoje tem excesso de terceiros-secretários porque sob Lula o Rio Branco admitia cem pessoas por ano e Dilma teria reduzido para 20. Dilma desmontou o árduo trabalho de Celso Amorim para aumentar a internacionalização do Brasil.

Em seu estilo pouco diplomático, Serra mandou fazer logo uma análise de custos com o objetivo evidente de fechar embaixadas. Todo orçamento tem limite, mas fechar as portas é dar um tapa na cara de países com que o Brasil tentou reforçar os laços.

Imagino que o continente mais afetado seja a África, onde Lula estabeleceu “amizades” com ditadores sanguinários como Teodoro Obiang, da Guiné Equatorial, e Denis Sassou-Nguesso, do Congo (ex-Francês). Não dá para ignorar graves violações dos direitos humanos enquanto se faz negócios, mas se pode usar a influência para tentar melhorar a situação ao contrário do que faz a China, que ignora tudo em nome da soberania nacional.

A África é o próximo continente que pode sofrer um crescimento acelerado, até mesmo por partir de um nível muito baixo. O Brasil, como segundo maior país africano do mundo em população, deve participar deste processo.

Se olharmos um mapa da África à noite, veremos uma escuridão quase total. O ex-ministro francês Jean-Louis Borloo lançou a proposta de um Plano Marshall para a eletrificação do continente, Energias para a África. Com energia e mão de obra barata, pode ser um salto no desenvolvimento africano. O Brasil deveria se associar a este projeto. 

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