Este é uma mundo “passional, instável e complexo”, afirmou quarta-feira o diretor do Instituto de Estratégia Comparada da França, Hervé Coutau-Bégarie, no 6º Encontro Nacional de Estudos Estratégicos, realizado na Escola de Guerra Naval, no Rio. Num ambiente de guerras assimétricas e ameaças humanas, “é o fator humano que decide, a adaptação ao terreno e à situação. A técnica não prevalecerá jamais sobre o espírito humano”.
A principal característica deste mundo é a total supremacia americana. Mas há outros atores em jogo, um sistema econômico quase autônomo, uma sociedade internacional organizada em redes, instituições supranacionais, uma explosão demográfica entre os pobres enquanto outros países envelhecem e guerras assimétricas em países periféricos, acrescentou.
Desde o desaparecimento da União Soviética, há, na opinião do pensador francês, uma dominação global que começa pela economia: “Os Estados Unidos fazem um quarto de todas as pesquisas científicas. O dólar é a moeda da referência. Com a internet, há um avanço sem precedentes da tecnologia de informação. É uma dominação econômica sólida.”
Outro aspecto é dominação cultural, através do estilo de vida americano: jeans, coca-cola, filmes de Hollywood, carros 4x4. “A França inventou o cinema”, lembrou o professor. “Hoje os filmes americanos são maioria na França. Bollywood [a indústria cinematográfica da Índia, que produz mais de 800 filmes por ano] é o único exemplo de resistência cultural”.
O inglês é a língua universal.
Sob George W. Bush, o orçamento militar americano atingiu o equivalente aos gastos de todo o resto do mundo, com um avanço tecnológico formidável no espaço, no ar, no mar e numa rede de bases militares pelo mundo inteiro.
É uma supremacia material e intelectual. Os teóricos neoconservadores chegaram a imaginar que a dominação americana, econômica, cultural e militar, era perfeita. Coutau-Bégarie rejeita a comparação com o Império Romano, que “ignora a complexidade do mundo contemporâneo”.
Mas não as teses declinistas, sobre a decadência americana, inclusive Ascensão e Queda das Superpotências (1988), livro em que Paul Kennedy argumentou que o excesso de compromissos políticos das potências imperiais, além de sua capacidade econômica de financiá-los – a sobreextensão imperial –, as destruiria.
“A dominação americana não está perto do fim”, disse o diretor do Instituto de Estratégia Comparada, da França.
NOVOS ATORES
Com a globalização, prosseguiu, há novos atores e outras relações. Antes, as relações internacionais eram entre países e potências. Hoje há um sistema econômico quase autônomo, movimentos financeiros que não podem mais ser controlados, explicou Coutau-Bégarie.
O indiano Lakshmi Mittal, dono da siderúrgica Mittal, comprou a Arcelor com uma tacada hostil, apesar da oposição dos governos da França, da Bélgica e de Luxemburgo. “O Estado deixou de ser um agente econômico muito importante”.
“Existe agora uma sociedade internacional, grupos étnicos, econômicos, religiosos”, analisa o diretor do Instituto de Estratégia Comparada, da França. Há uma pressão política dos ecologistas, um movimento de evangélicos. Esta sociedade internacional se emancipa dos Estados, em relações transnacionais.
Outra característica do mundo de hoje é a existência de organizações supranacionais como a ONU, FMI, Banco Mundial, União Postal Universal, Corte Internacional de Justiça, Tribunal Penal Internacional, que constituem a chamada governança global.
Para o professor, o Estado media entre quatro sistemas: militar, econômico, supranacional e a sociedade internacional. “Ainda é o ator central que pode interferir em todas as situações”.
Se o sistema econômico levou à globalização, há uma reação contrária em rede da sociedade internacional, do movimento antiglobalização a Al Caeda.
Mas a globalização é evidente e inevitável. “O volume de cargas passou de 2,2 bilhões de toneladas em 1970 para 100 bilhões em 2005. É um crescimento de 10% ao ano, maior do que o da economia mundial, com uma disparidade regional marcante.
No século 19, quando dominava o comércio marítimo e era a superpotência da época, o Império Britânico controlava os mares com sua Marinha de Guerra e sua Marinha Mercante. “Hoje a supremacia militar americana é esmagadora mas os americanos têm menos de 1% da frota mercante mundial. A construção naval civil americana desapareceu; 80% dos estaleiros estão na China, no Japão e na Coréia do Sul.”
A tese dos BRICs (Brasil, Rússia, Índia e China), do banco de investimentos americano Goldman Sachs, prevê que estes quatro grandes países tenham economias mais ricas no conjunto do que os países ricos de hoje do Grupo dos Sete (EUA, Japão, Alemanha, Reino Unido, França, Itália e Canadá).
“Um cientista do Gabão previu que o eixo Brasil-África do Sul será um dia comparável a EUA-União Européia. Pode ser”, o bserva Hervé Coutau-Bégarie com uma certa ironia. “Em 1945, Gana era mais rica do que a Coréia e a Argentina era mais rica do que o Japão”. Estas nações asiáticas estavam destruídas pelas guerra.
Entre os principais desafios do século, Coutou-Bégarie citou a explosão demográfica: “Quando Cristo nasceu havia 250 a 300 milhões de seres humanos. Foram necessários 1,5 mil anos para dobrar a população mundial, que chegou a 2 bilhões em 1930, 3 bilhões em 1960 e 6 bilhões em 2000.”
Ao mesmo tempo, há uma implosão demográfica na Europa. Alguns imãs chegam a prever que a Europa se tornará muçulmana. “A situação é mais dramática é no Japão, onde cada mulher tem em média 1,32 filho. Não há império com um país de velhos. Com um empregado para cada aposentado, o sistema não agüenta.”
No outro extremo, está o Iêmen, onde cada mulher tem em média 7,2 filhos.
GUERRA NA PERIFERIA
Há conflitos importantes que podem degenerar em guerras, como Índia x Paquistão, China x Taiwan e a loucura da Coréia do Norte, mencionou o especialista francês.
A guerra sonhada pelos estrategistas americanos, que fazem investimentos enormes em sistemas tecnológicos avançados, entre países, acabou. Nenhum país vai enfrentar os EUA numa guerra convencional.
As guerras hoje são na periferia, no Iraque, no Haiti, na Somália, na Costa do Marfim. Não são guerras entre países. Os americanos não sabem quando vão sair do Iraque e a que preço.”
“Há uma proliferação de Estados falidos. Em caso de intervenção, como no Haiti, a dimensão política é vital. É preciso restabelecer a ordem e reconstruir o país.”
Ao ser provocado sobre a suposta superioridade moral invocada pelas potências imperiais, Coutau-Bégarie alegou que, “em tempos de guerra e crise, as regras de convivência civilizada são rompidas e as fronteiras do comportamento são borradas, admitindo o comportamento criminoso do colonialismo francês”.
“Nas sociedades tradicionais, a morte era parte da vida. A guerra era vista como natural. O problema é tentar transpor as idéias de um país moderno como os EUA ao Iraque.”
Mas os americanos não devem ser menosprezados: “Os EUA se tornaram a primeira potência mundial pela inteligência de seu povo”.
Ele não acredita em terrorismo nuclear: “É muito difícil fazer uma arma atômica. Não acredito que o Iraque estivesse a seis meses de fazer uma bomba atômica antes da guerra de 1991”.
Por um lado, a proliferação nuclear é considerada um mal absoluto. Por outro, torna os líderes mais prudentes, ressalvou o diretor do Instituto de Estratégia Comparada: “Para a Índia e o Paquistão, a dissuasão funcionou. Mesmo o Irã não usaria a bomba atômica contra Israel. A maior parte dos presidentes dos EUA foram prudentes. John Kennedy foi um verdadeiro estadista. Ao contrário de Eisnhower, que era um general, era fazia a mesma pergunta a diferentes assessores para confrontar as opiniões”.
Lyndon Johnson (1963-69) não era um estadista. Atolou os EUA no Vietnã. Para o professor Coutau-Bégarie, “Bush, pai, foi prudente. A União Soviética desapareceu sem guerra. Tinha sido embaixador na China e na ONU, deputado, presidente do partido. Bush, filho, veio do Texas. O Iraque desestabilizará todo o Oriente Médio.”
Este é o blog do jornalista Nelson Franco Jobim, Mestre em Relações Internacionais pela London School of Economics, ex-correspondente do Jornal do Brasil em Londres, ex-editor internacional do Jornal da Globo e da TV Brasil, ex-professor de jornalismo e de relações internacionais na UniverCidade, no Rio de Janeiro. Todos os comentários, críticas e sugestões são bem-vindos, mas não serão publicadas mensagens discriminatórias, racistas, sexistas ou com ofensas pessoais.
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