Na era pós-Guerra Fria, os conflitos assimétricos desafiam a única superpotência, preocupada em treinar unidades menores, aumentar os investimentos na formação intelectual e se preparar para guerras de resistência de longa duração, às vezes contra inimigos invisíveis, afirmou ontem o professor Sidnei Munhoz, da Universidade Estadual de Maringá, no painel sobre O Futuro da Guerra no 6º Encontro Nacional de Estudos Estratégicos, realizado na Escola Superior de Guerra, no Rio.
Uma das mudanças recentes é a volta da Rússia ao cenário internacional como potência regional e maior exportadora mundial de energia depois da Arábia Saudita, tema do professor e ex-diplomata russo Alexander Zhebit, da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Com o crescimento dos gastos militares e maiores restrições impostas pelos Estados Unidos para a exportação de sua tecnologia, a Rússia passou a ser a maior exportadora de armas para países em desenvolvimento, destacou.
Zhebit colocou a Rússia entre o que chamou de “cavaleiros solitários”, a Rússia, a China e a Índia, lembrando que na Ásia não há acordos regionais de segurança coletiva como no Ocidente: “Isto obriga as grandes potências a se armar”.
Maior país do mundo, sem fronteiras naturais, a Rússia sente-se, como ao longo de toda a sua História, vulnerável e cercada de possíveis inimigos. “O país tem uma fachada ocidental para a Europa e a Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte), uma fachada sul para o mundo muçulmano e uma fronteira oriental com a China e o Pacífico”, argumentou o professor Zhebit.
“A Rússia sente-se ameaçada pela própria Rússia”, racionou ele. “Há o medo da fragmentação, o fantasma do separatismo como na Chechênia. Dez por cento da população é islâmica e o país tem uma estrutura heterogênea, com 89 unidades federativas”.
O partido de Putin, Rússia Unida, revela a clara preocupação em manter a integridade territorial do país, que teme tentativas de dividi-lo para garantir o acesso a recursos naturais: “Putin recriou um Estado centralizado forte para evitar a desintegração”.
Já os EUA, tema do professor Munhoz, transformaram-se na maior economia do mundo no século 19 com protecionismo, subsídios e crédito barato. No final do século, tornaram-se uma potência imperial derrotando a Espanha para colonizar as Filipinas, promover a independência de Cuba, transformando-a junto com Porto Rico numa espécie de protetorado americano.
No fim da Segunda Guerra Mundial, em 1945, os EUA criaram organizações internacionais dentro da filosofia capitalista e liberal americana.
Com o fim da Guerra Fria, os americanos acreditavam estar numa era de paz quando foram surpreendidos pelos atentados terroristas de 11 de setembro de 2001. Seu desafio é adaptar as mais poderosas Forças Armadas do mundo para a guerra assimétrica contra grupos não-estatais como Al Caeda.
PRIVATIZAÇÃO
Outra característica da guerra pós-moderna é que, com os cortes nos orçamentos das Forças Armadas logo depois do fim da Guerra Fria, cresceram as corporações militares privadas, tema do professor Marcio Scalercio, da Universidade Cândido Mendes.
“É uma coisa de realistas resignados”, admitiu Scalercio. “O quadro estratégico mudou. Diferentes desafios exigem o uso de uma força mais ágil e flexível. As estruturas privadas tem mais agilidade e menos custo. Mas, claro, criam problemas de ordem jurídica e política”.
A mudança do tipo de desafio exige outro tipo de resposta. Há um déficit institucional em países fracassados como a Somália e o Afeganistão, onde a anarquia permite que grupos armados irregulares se organizem.
Empresas que um dia forneceram roupas ou alimentos às Forças Armadas dos EUA hoje se expandiram e fornecem treinamento militar e policial, logística, comando e controle, planejamento, informações, guarda-costas, combate ao crime, combate antiinsurgência e antiterrorismo, e telecomunicações.
Scalercio explica que, depois da Guerra Fria, um enorme contingente de pessoas altamente especializadas ficou sem trabalho, sobretudo na antiga União Soviética.
O combate à violência tornou-se um serviço. “Estas organizações são chamadas a atuar em países do Terceiro Mundo. Entre 1992 e 2002, o Pentágono fez mais de 3 mil contratos, no valor de US$ 300 bilhões, boa parte para atuação no exterior”, afirmou o professor da Ucam.
Ao falar sobre Mecanismos de Cooperação, a professora Sabrina Medeiros, da UFRJ, criticou o unilateralismo dos EUA, no que o professor de História Francisco Carlos Teixeira, da UFR, que presidia à mesa, descreveu como “a desconstrução da Doutrina Bush”. Ela apresentou a cooperação e a integração da América do Sul como um conceito de segurança ampliado, muito além do uso da força.
“A guerra preemptiva pressupõe a predisposição dos atores de não cooperar”, disse Sabrina.
Nos debates, o professor Zhebit avaliou que existe um risco forte de contrabando de material e tecnologia
Este é o blog do jornalista Nelson Franco Jobim, Mestre em Relações Internacionais pela London School of Economics, ex-correspondente do Jornal do Brasil em Londres, ex-editor internacional do Jornal da Globo e da TV Brasil, ex-professor de jornalismo e de relações internacionais na UniverCidade, no Rio de Janeiro. Todos os comentários, críticas e sugestões são bem-vindos, mas não serão publicadas mensagens discriminatórias, racistas, sexistas ou com ofensas pessoais.
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