O ex-presidente e ex-guerrilheiro Daniel Ortega, da Frente Sandinista de Libertação Nacional, foi reeleito hoje presidente da Nicarágua, cargo que ocupou da vitória da Revolução Sandinista, em 1979, até sua derrota para Violeta Chamorro, em 1990. Com 91,48% dos votos apurados, Ortega tinha 38% dos votos, nove pontos percentuais à frente do segundo colocado, o banqueiro e ex-ministro da Fazenda e do Exterior, Eduardo Montealegre, apoiado pelos Estados Unidos.
Para ganhar no primeiro turno na Nicarágua, um candidato precisa de 40% dos votos ou pelo menos 35% e uma vantagem de cinco pontos percentuais sobre o segundo. Montealegre já reconheceu a derrota.
Ortega teve o apoio do presidente da Venezuela, Hugo Chávez, e pode engrossar a corrente antiamericana na América Latina, especialmente se os EUA suspenderem sua ajuda, como ameaçaram durante a campanha.
Mais moderado, ele teve o apoio de ex-inimigos como seu vice, Jaime Morales Carazo, que era comandante dos contra-revolucionários que tentaram derrubá-los nos anos 80, com o apoio dos EUA; o arcebispo de Manágua, cardeal Obando y Bravo; e o ex-presidente Arnoldo Alemán, que está sob prisão domiciliar por corrupção.
Apesar de ser apoiado por Chávez, Ortega inspirou-se no presidente Lula. Fez uma campanha conciliatória, no estilo "Lulinha paz e amor", citou o presidente brasileiro em seus comícios - é verdade que diante das câmeras da Globo -, e apresentou-se como um católico devoto para apagar a imagem marxista.
Parte da Igreja Católica da Nicarágua apoiou a Revolução Sandinista. O padre e poeta revolucionário Ernesto Cardenal foi ministro da Cultura. Mas o arcebispo Obando y Bravo fazia oposição cerrada à FSLN. Nesta campanha, Ortega apareceu tomando a comunhão da mais alta autoridade eclesiástica da Nicarágua.
Na verdade, Ortega nunca foi um marxista radical. Era um guerrilheiro nacionalista, na linha de Augusto Cesar Sandino, que liderou a resistência à invasão americana de 1927-33. Quem tinha fama de ser o maior linha-dura da junta de nove comandantes que tomou o poder em 19 de julho de 1979 era Tomás Borge Martínez, que foi ministro do Interior, o chefe da polícia no governo sandinista (1979-90).
Daniel Ortega Saavedra era comandante de guerrilha urbana da FSLN em 1967, quando foi preso por assalto a banco. Solto numa troca de prisioneiros por reféns seqüestrado na casa de um dignatário somozista, foi para Cuba. Ele ascendeu ao posto máximo porque seu irmão Humberto Ortega, que virou ministro da Defesa, também fazia parte da junta.
Então eram dois Ortega. E havia um terceiro irmão morto, herói caído na guerra revolucionária. Tudo isto pesou para a ascensão de ambos.
Daniel tornou-se chefe de Estado e de governo e foi eleito presidente em 1984, em eleições boicotadas pela oposição e pelos Estados Unidos de Ronald Reagan, que na época financiavam os rebeldes contra-revolucionários, na maioria veteranos da Guarda Nacional de Somoza.
Sob a pressão da guerra civil, os sandinistas foram empurrados para a esquerda e hostalizados pelos governos aliados dos EUA na região: Honduras, base dos contra, El Salvador e Guatemala. O desgaste do regime, num país pobre onde a guerra drenava os recursos públicos, destruindo a bonança dos primeiros anos da revolução, levou à derrota de Daniel Ortega para Violeta Chamorro, em 1990.
Humberto ficou no Ministério da Defesa mesmo depois da derrota de Daniel para Violeta Chamorro, até 1995, sendo encarregado de transformar o Exército Popular Sandinista no Exército Nacional da Nicarágua.
Em 1996, Daniel Ortega seria derrotado por Arnoldo Alemán, do Partido Liberal Constitucionalista, dos somozistas. Alemán está em prisão domiciliar por corrupção. Como o candidato do PLC, José Rizo, não tinha chance, Alemán apoiou Ortega.
Em 2001, Ortega perdeu de novo, desta vez para o atual presidente Enrique Bolaños, também do PLC. O processo contra Alemán terminou dividindo o partido. O ex-ministro da Fazenda e do Exterior Eduardo Montealegre, segundo colocado na eleição de domingo, fundou a Aliança Liberal Nicaragüense.
Para voltar ao poder, Ortega fez uma campanha defendendo a conciliação nacional e a opção preferencial pelos pobres, no melhor estilo Lula. Não teve escrúpulos e convidou para vice Jaime Morales Carazo, ex-comandante dos contra. Inspirado por Lula, pode fazer um governo tentando aliar a economia de mercado com programas sociais. Mas seus críticos advertem que as alianças que fez para ganhar a eleição e conseguir governar inevitavelmente minarão seu governo com a corrupção.
Qualquer semelhança não é mera coincidência. É subdesenvolvimento mesmo.
Este é o blog do jornalista Nelson Franco Jobim, Mestre em Relações Internacionais pela London School of Economics, ex-correspondente do Jornal do Brasil em Londres, ex-editor internacional do Jornal da Globo e da TV Brasil, ex-professor de jornalismo e de relações internacionais na UniverCidade, no Rio de Janeiro. Todos os comentários, críticas e sugestões são bem-vindos, mas não serão publicadas mensagens discriminatórias, racistas, sexistas ou com ofensas pessoais.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário