Durante mais de duas horas e meia, os dois candidatos que disputam domingo o segundo turno da eleição presidencial na França duelaram ao vivo agora há pouco na televisão francesa sem que tenha havido um nocaute.
A candidata socialista, Ségolène Royal, mostrou mais paixão e emoção, enquanto o ex-ministro conservador Nicolas Sarkozy pareceu mais frio, calculista e presidencial. Fez questão de enunciar claramente suas idéias e propostas políticas, tentando passar a idéia de que sua adversária é despreparada para o cargo.
Ségo quis chamar a atenção para o autoritarismo de Sarko, um linha dura em questões como imigração e polícia, que promete enfrentar os sindicatos para reduzir os direitos trabalhistas, facilitando contratações e demissões para combater o desemprego superior a 8%.
Na mensagem final aos eleitores, Sarko apresentou-se como um homem de ação: "A fatalidade não existe. Vou agir para resolver a crise moral da França. É a crise do trabalho". Mais adiante, disse não acreditar em "igualitarismo" mas em "meritocracia", e prometeu: "Tudo que lhes digo eu farei".
Sua adversária, que está atrás em todas as pesquisas, fez um apelo aos indecisos para que "façam a escolha da audácia, do futuro". Citou a primeira-ministra da Alemanha, Angela Merkel, que apóia Sarkozy, como exemplo de que um governo chefiado por uma mulher pode ser eficaz. Apresentou-se como "uma mãe de família com quatro filhos", reforçando valores tradicionais como família, escola e trabalho como base de sua ação política, prometendo "uma França imaginativa e criativa" e "reformar sem brutalizar", numa advertência para os riscos que as reformas liberalizantes de Sarkozy e sua posição linha-dura em imigração polícia podem trazer para o tecido social francês.
Um dos temas importantes foi o futuro da União Européia (UE). Sarkozy descartou a possibilidade de ressuscitar a Constituição da Europa porque "ela foi rejeitada pelos franceses por 55%, então está fora de questão". O candidato da União por um Movimento Popular (UMP) defende a adoção de um tratado modificado e a suspensão do processo de expansão da UE enquanto não for resolvido o problema interno do bloco. Ele é contra a entrada da Turquia, alegando que é um país muçulmano e não é europeu.
"A ampliação sem limites é a morte da Europa política", alegou Sarko. "As negociações com a Turquia começaram em 1964. Até quando vão? Sou contra a entrada da Turquia na UE e não vou mudar de opinião."
Ségolène não quis adotar uma posição definitiva, argumentando que "há um processo de negociações em andamento e a França precisa manter sua palavra. Há um processo. Há condições. No final, o povo francês terá o direito de se manifestar em plebiscito. Há uma aspiração dos turcos de aderir à Europa. Vimos nos últimos dias uma onda de manifestações para defender uma Turquia laica e secularista".
O candidato conservador contra-atacou dizendo que, com a Turquia, as fronteiras da Europa ficariam no Iraque e na Síria, e a UE importaria o problema curdo. Ele descreveu o risco de que o Irã produza armas nucleares como "a questão mais perigosa hoje nas relações internacionais".
Sarkozy procurou explorar as contradições do discurso de Ségolène ao longo da campanha. Primeiro, ela elogiou a rapidez de decisão da Justiça comercial na China; depois, propôs um boicote à Olimpíada de Beijim, em 2008, o que seu adversário considerou demagógico, já que é "um encontro pacífico de confraternização da juventude". Ela disse que lutou pela libertação de presos políticos na China. Ambos defenderam o desenvolvimento da África como forma de reduzir a imigração ilegal para a Europa.
O rigor contra os imigrantes ilegais é um dos pontos fortes do discurso de Sarkozy, ele próprio um filho de imigrantes que adota uma política linha-dura a gosto da classe média e do operariado francês: "Não haverá uma legalização geral dos imigrantes ilegais. Isso aconteceu três vezes sob governos socialistas. Pagamos caro. Quero uma França aberta e generosa, mas não podemos acolher todo o mundo, toda a miséria do mundo".
Mas isso não justifica a prisão de um avô diante da escola de seu neto, alfinetou Ségolène, chamando a atenção, mais uma vez, para a truculência das políticas de Sarkozy como ministro do Interior, responsável pela polícia: "Essa não é a República francesa". Há poucos dias, ela usou a tática de aterrorizar o eleitorado afirmando que, se seu adversário vencer no domingo, os jovens da periferia voltarão a se rebelar, incendiar carros e saquear lojas.
Ela quer os votos da periferia mas quer também os dos estudantes de classe média que no ano passado rejeitaram o contrato do primeiro emprego numa de protestos de rua que lembrou a revolução de maio de 1968, com a diferença de que agora os jovens defendem o status quo, os direitos sociais ameaçados pela globalização econômica.
Conservador, Sarkozy é contra uma reforma política profunda. Entende que as instituições da 5ª República funcionam bem e que a participação de 85% no primeiro turno da eleição presidencial, em 22 de abril, é uma prova do vigor da democracia francesa, prometendo fazer "um governo muito aberto, de união porque o presidente não é presidente de um partido mas da nação".
Para Ségolène, "a mudança das instituições é necessária porque o mundo mudou". É preciso reformar a democracia social e aumentar os mecanismos de democracia participativa, convocando mais plebiscitos. Citou a rejeição da Lei do Primeiro Emprego como exemplo da "pressão das ruas" sobre o Parlamento.
Este é o blog do jornalista Nelson Franco Jobim, Mestre em Relações Internacionais pela London School of Economics, ex-correspondente do Jornal do Brasil em Londres, ex-editor internacional do Jornal da Globo e da TV Brasil, ex-professor de jornalismo e de relações internacionais na UniverCidade, no Rio de Janeiro. Todos os comentários, críticas e sugestões são bem-vindos, mas não serão publicadas mensagens discriminatórias, racistas, sexistas ou com ofensas pessoais.
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