Os franceses optaram por uma mudança radical, ao eleger Nicolas Sarkozy para presidente no domingo, 6 de maio, com 53% dos votos válidos, contra 47% para a socialista Ségolène Royal.
Sarkozy promete revitalizar a economia, reduzir impostos e a burocracia, facilitar contratações, demissões e a criação de novas empresas para combater o desemprego, usar o trabalho para integrar os imigrantes, endurecer as leis de imigração, aumentar as penas para jovens delinqüentes, reduzir a maioridade penal, reaproximar a França dos Estados Unidos e relançar o projeto de integração européia. É um programa formidável, que ele promete deslanchar nos primeiros 100 dias.
Esse filho de um aristocrata húngaro que fugiu do comunismo tinha uma avó materna judia grega. Como Napoleão, que era corso, com quem foi comparado pela revista inglesa The Economist, tornou-se hoje o mais nacionalista de todos os franceses. Mas não quer que os seus 100 dias não sejam como os de Napoleão, período de sua fuga da Ilha de Elba até a derrota final, em Waterloo.
O sonho deste político francês acusado por seus inimigos de ser americano demais é repetir os 100 dias do presidente Franklin Roosevelt em 1933, quando lançou as políticas do New Deal para combater a Grande Depressão (1929-39) nos EUA. Seus inimigos à esquerda o acusam de estar mais para Margaret Thatcher.
Ele promete uma ruptura com o passado para restaurar o orgulho nacional. Os adversários vêem uma tentativa de introduzir na França o capitalismo liberal anglo-americano. Seria uma ameaça à identidade francesa, especialmente ao modelo social-democrata europeu e aos “direitos adquiridos” que a esquerda luta para preservar, além do desejo de fazer da Europa um contrapeso ao superpoderio dos EUA.
Ao aceitar a vitória, o presidente eleito disse quais seriam as palavras-chaves de seu governo: trabalho, autoridade, moral, respeito e mérito.
Desde sua eleição, mais de 600 pessoas foram presas em manifestações de protestos e mais de 700 carros foram incendiados. Cauteloso no primeiro momento, após sua posse, em 16 de maio, Sarkozy deve nomear um primeiro-ministro moderado, o ex-ministro da Educação François Fillon, um dos líderes de sua campanha, considerado o “menos detestado” de sua equipe.
No calor da vitória, na festa da conservadora União por um Movimento Popular na Praça da Concórdia, onde durante a Revolução Francesa ficava a guilhotina, Sarkô prometeu governar para todos os franceses. Mas suas políticas não unem o país.
Para fazer reformas, como advertiu Nicolau Maquiavel em O Príncipe, é inevitável contrariar os beneficiários da velha ordem num momento em que ainda não apareceram os beneficiários da nova ordem.
OS 100 DIAS
Primeiro, Sarkozy precisa vencer as eleições parlamentares de 10 e 17 de junho para ter maioria na Assembléia Nacional. Então, este é um mês decisivo para suas pretensões. Depois, pretende aprovar rapidamente uma série de medidas nas mais diferentes áreas:
• Imigração: a França deve parar de “sofrer imigração” mas selecionar os candidatos de acordo com a necessidade de seu mercado de trabalho. Os imigrantes que já estejam na França devem ter moradia e emprego para poderem trazer o resto da família. A imigração ilegal será combatida com mais dureza.
• Jornada semanal de 35 horas de trabalho: com a promessa de “revalorizar o trabalho”, Sarkozy quer que os trabalhadores tenham o direito de fazer horas extras para ganhar mais.
• Exoneração fiscal das horas extras: não haveria a cobrança de encargos sociais depois de 35ª hora de trabalho da semana.
• Aumento de salários com a produtividade: ao contrário da candidata socialista, que propunha aumentar o salário mínimo de 1.250 para 1,5 mil euros, Sarkozy quer aumentos de salários decorrentes de aumentos de produtividade. Na sua opinião, para ter mais renda é preciso trabalhar mais ou produzir mais.
• Limitar a alíquota máxima do imposto de renda em 50%. Ninguém na França deve pagar mais de imposto de renda do que a metade do que ganha.
• Idade da aposentadoria: para tentar equilibrar as contas da Previdência Social, Sarkozy proõe “liberdade para trabalhar além dos 60 anos”: “O direito de se aposentar aos 60 anos continua, mas deve ser a idade mínima”.
• Suspender a cobrança de imposto sobre heranças e doações para 90% dos franceses, de modo a incentivar a transferência de bens e propriedades para os jovens.
• Facilitar a compra de casa própria: isentar de impostos e dar o aval do Estado para os mais pobres na compra do primeiro imóvel.
• Garantir o funcionamento dos serviços básicos em caso de greve: com forte oposição dos sindicatos, quer que, por exemplo, alguns trens funcionem numa greve de transportes.
• Redução do funcionalismo público: de cada dois funcionários que se aposentem, na era Sarkozy só um será substituído.
• Educação: o novo presidente vai propor a autonomia das universidade que quiserem.
• Segurança Pública: o ex-ministro do Interior quer reduzir a maioridade penal para 16 anos em casos de reincidência e impor penas mínimas mais duras para reincidentes.
• Europa: com a rejeição da Constituição da União Européia em 29 de maio de 2005 por 55% do eleitorado francês, o processo de integração européia está estagnado. Sarkozy propõe uma consolidação dos tratados constitutivos da Comunidade Econômica Européia e depois da União Européia, a ser ratificada pelos parlamentos nacionais, sem a realização de plebiscitos. É contra o ingresso da Turquia na UE.
• Eurozona: Sarkozy volta a falar na necessidade de um governo econômico europeu para que o euro não fique totalmente sob o controle do Banco Central da Europa. Gostaria de manipular o câmbio para aumentar a competitividade francesa, argumentando os países asiáticos fazem isso.
• Comércio: continua a defesa intransigente dos subsídios agrícolas da UE, que impede negociações substantivas com o Brasil e o Mercosul, e um acordo na Organização Mundial do Comércio.
• Relações Exteriores: o presidente eleito promete melhorar as relações com os EUA.
Mas primeiro cobrou a adesão americana aos esforços para conter o aquecimento global. Diz que “os EUA podem contar com a amizade da França mas amigos podem discordar”. No discurso, não muda muito em relação ao governo socialista de François Mitterrand, que alegava que “os amigos precisam dizer as verdades”. Na prática, deve mudar. No Oriente Médio, Sarkozy será provavelmente o mais pró-israelense dos presidentes franceses.
Leia a íntegra na minha coluna no Baguete.
Este é o blog do jornalista Nelson Franco Jobim, Mestre em Relações Internacionais pela London School of Economics, ex-correspondente do Jornal do Brasil em Londres, ex-editor internacional do Jornal da Globo e da TV Brasil, ex-professor de jornalismo e de relações internacionais na UniverCidade, no Rio de Janeiro. Todos os comentários, críticas e sugestões são bem-vindos, mas não serão publicadas mensagens discriminatórias, racistas, sexistas ou com ofensas pessoais.
terça-feira, 8 de maio de 2007
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2 comentários:
A França, caro amigo, tem a grande chance de se curar do câncer de Maio/68. Será que Sarko vai ser forte o suficiente para fazer as reformas tão necessárias ao seu país? Como o senhor escreveu, as eleições legislativas do mês que vem serão fundamentais. Personalidade forte e clareza ideológica o novo presidente francês mostrou que tem - o que, aliás, faz dele um tipo um pouquinho diferente dos conservadores brasileiros, uns cagões que tremem de medo de se confrontar com a agenda esquerdista.
No Brasil, os conservadores não se assumem como tais. Apresentam-se como liberais ou progressistas, em vez de se preocupar em defender seus valores.
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