A 17 dias da eleição presidencial na Rússia, em que é franco favorito, o protoditador Vladimir Putin aproveitou o Discurso sobre o Estado da União para ameaçar o Ocidente, advertindo que o país tem uma nova geração de armas nucleares capaz de furar quaisquer defesas.
"Os esforços para conter a Rússia fracassaram", vangloriou-se Putin num discurso de duas horas em que apresentou videoclipes das novas armas, inclusive drones submarinos, mísseis intercontinentais e um sistema hipersônico que "voa para o alvo como um meteorito".
Putin chegou ao poder em 1999 como primeiro-ministro de Boris Yeltsin, afastado em seguida por motivo de saúde. Esta será sua quarta eleição presidencial. Depois de dois mandatos, de 2008 a 2012, ele trocou de lugar com o primeiro-ministro Dimitri Medvedev. Mas sempre mandou na Rússia.
O atual czar de todas as Rússias trabalhava no escritório da polícia política soviética, o KGB (Comitê de Defesa do Estado), em Dresden, na Alemanha Oriental, quando sentiu a força do poder popular, como revela este perfil da televisão pública britânica BBC.
Em 5 de novembro de 1989, quatro dias antes da abertura do Muro de Berlim, a multidão tomou as ruas de Dresden, atacou o Ministério de Segurança do Estado (Stasi), a polícia política da Alemanha Oriental. O escritório do KGB, do outro lado da rua, logo se tornou alvo.
Quando o ataque parecia inevitável, Putin avisou os manifestantes que seus homens estavam armados e reagiriam a bala. Ele ligou para a guarnição mais próxima do Exército Vermelho pedindo apoio.
"Não podemos fazer nada sem a autorização de Moscou", respondeu o oficial do outro lado da linha, e Moscou está em silêncio."
Essa frase assombrou Putin. Mais tarde, quando era vice-prefeito de São Petersburgo, declarou num debate público que o fim da União Soviética foi "a maior catástrofe geopolítica do século 20". Antes de virar primeiro-ministro, ele foi chefe do Serviço Federal de Segurança, sucessor do KGB.
Sua obsessão desde que chegou ao poder é restaurar o poder imperial da Rússia czarista e da URSS. Putin acabou com as eleições diretas para governador das 85 unidades administrativas da Federação Russa, a pretexto de evitar o surgimento de movimentos nacionalistas como na Chechênia.
Sob Putin, o Kremlin voltou a intervir diretamente nos assuntos internos dos países que considera parte de sua esfera de influência. Isso inclui tanto das ex-repúblicas soviéticas, o antigo império interior soviético, chamado hoje na Rússia de "exterior próximo", quanto os países do antigo Bloco Soviético, como a Hungria e a Polônia, onde Putin apoia governos de ultradireita contrários à União Europeia e à democracia liberal.
Depois do liberalismo caótico da era Yeltsin, Putin aproveitou a bonança dos anos de petróleo caro para recuperar a economia e recolocar o Estado no centro de tudo. A prosperidade econômica lhe valeu popularidade. Com o fracasso de Yeltsin, os russos queriam um líder autoritário e linha dura.
A Rússia que ameaça o Ocidente é governada por um ex-oficial do KGB ressentido com a perda de poder e prestígio de seu império decadente. Com uma população de 145 milhões de habitantes e uma economia baseada em produtos primários, a Rússia só é superpotência hoje no plano militar.
Na sua visão estreita e autoritária do mundo, Putin considera as revoluções Rosa, na ex-república soviética da Geórgia, em 2003, e Laranja, na ex-república soviética da Ucrânia, em 2004, como conspirações do Ocidente para enfraquecer a Rússia.
Por isso, a Rússia atacou a Geórgia em agosto de 2008, aproveitando uma tentativa do presidente Mikheil Saakachvili de tentar retomar o controle de regiões controladas por rebeldes fantoches do Kremlin.
Em 2011, quando, em plena Primavera Árabe, multidões protestaram contra as eleições parlamentares da Rússia, Putin viu a influência maligna do Ocidente, em especial da então secretária de Estado americano, Hillary Clinton. Isso ajudaria a explicar, em parte, a campanha russa para sabotar a candidatura democrata na última eleição presidencial nos EUA.
Diante da nova revoltar popular na Ucrânia, Putin interveio militarmente e anexou a região da Crimeia em março de 2014. Em seguida, fomentou uma rebelião de russos étnicos no Leste da Ucrânia, provocando uma guerra civil que se arrasta até hoje.
A reação ocidental, com a imposição de sanções à Rússia, rebaixou as relações do Kremlin com os EUA e a Europa ao pior nível desde o fim da URSS e da Guerra Fria, em 1991. Bombardeiros russos voltaram a fazer voos provocadores no espaço aéreo de países da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), a aliança militar liderada pelos EUA. E a Rússia interveio decisivamente na guerra civil da Síria, a partir de setembro de 2015.
Com a modernização das Forças Armadas depois da vergonhosa derrota na Primeira Guerra da Chechência (1994-96), Putin não só ganhou a Segunda Guerra da Chechênia (1999-2000), que consolidou seu poder. Recolocou a indústria bélica da Rússia entre as maiores exportadoras de armas do mundo.
O único setor industrial em que a Rússia compete no mercado internacional é o de armas. Como ninguém vai testar em curto prazo a eficácia dos novos mísseis e drones, Putin pode marchar tranquilo para mais uma reeleição.
A investigação sobre um possível conluio do Kremlin com a candidatura do presidente Donald Trump para derrubar Hillary Clinton rendeu a maior propaganda que Putin poderia esperar. Os meios de comunicação dos EUA não param de falar em como a Rússia usou as redes sociais para manipular a democracia americana, apresentando Putin como o super-homem de seus sonhos.
Este é o blog do jornalista Nelson Franco Jobim, Mestre em Relações Internacionais pela London School of Economics, ex-correspondente do Jornal do Brasil em Londres, ex-editor internacional do Jornal da Globo e da TV Brasil, ex-professor de jornalismo e de relações internacionais na UniverCidade, no Rio de Janeiro. Todos os comentários, críticas e sugestões são bem-vindos, mas não serão publicadas mensagens discriminatórias, racistas, sexistas ou com ofensas pessoais.
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