terça-feira, 6 de março de 2018

Coreia do Norte admite desarmar o programa nuclear

Em mais um gesto de reaproximação, o ditador da Coreia do Norte, Kim Jong Un, recebeu uma delegação da Coreia do Sul, marcou um encontro de cúpula para o fim de abril, admitiu congelar seu programa nuclear e discutir a desnuclearização com os Estados Unidos.

Todo diálogo parecia impossível poucos meses atrás com a guerrinha fria verbal entre Kim e o presidente Donald Trump. Na mensagem de Ano Novo, Kim manifestou a intenção de retomar as conversas com o Sul e de enviar atletas norte-coreanos para a Olimpíada de Inverno de Pyeongchang.

Sua irmã Kim Yo Jong foi aos Jogos. Esteve com o presidente sul-coreano, Moon Jae In. Um encontro com o vice-presidente dos EUA, Mike Pence, foi desmarcado na última hora por iniciativa norte-coreana.

A manobra de Kim foi vista como uma tentativa de abalar a aliança EUA-Coreia do Sul. Estes dois países adiaram manobras militares conjuntas por causa dos Jogos de Inverno. A Paraolimpíada de Pyeongchang será realizada de 8 a 18 de março.

Há sempre o risco de que o ditador norte-coreano retome a linguagem guerreira quando começar o treinamento militar conjunto dos seus inimigos históricos. Ao receber ontem a delegação de mais alto nível da Coreia do Sul em uma década, Kim revela uma disposição para o diálogo.

Antes do encontro de cúpula, Kim e Moon vão falar pessoalmente pelo telefone através de uma linha direta entre os governos dos dois países, instalado pela primeira vez em setembro de 1971 para evitar crises bilaterais. Quando o telefone foi religado pelo Norte, em 3 de janeiro, diálogo recomeçou.

A delegação sul-coreana foi chefiada pelo conselheiro de Segurança Nacional, Chung Eui Yong. Foi recebida na sede do Partido dos Trabalhadores, o nome oficial do partido comunista norte-coreano, numa área de acesso restrito de Pyongyang.

Na versão sul-coreana, as duas Coreias concordaram que "a parte norte-coreana expôs claramente sua disposição para a desnuclearização".

Em troca, o regime stalinista de Pyongyang exige garantias de segurança: "deixou claro que não haveria razão para manter armas nucleares se a ameaça militar contra o Norte fosse eliminada", acrescentou o comunicado da delegação sul-coreana.

"O Norte expressou sua disposição para manter um diálogo sincero com os EUA sobre desnuclearização e normalização de relações", disse a nota. "Enquanto continuar o diálogo, não realizará provocações estratégicas tais como testes nucleares e de mísseis balísticos."

Uma delegação da Coreia do Sul vai a Washington nos próximos dias fazer um relato detalhado sobre o encontro.

Trump admitiu negociar sem precondições. Até agora, o governo americano exigia medidas concretas para desarmar o programa nuclear norte-coreano para dar início a um diálogo direto.

Se a Coreia do Norte exigir a retirada das forças dos EUA da Coreia do Sul, onde estão desde a Segunda Guerra Mundial, a proposta de paz de Kim será recusada. Como os EUA não costumam revelar por onde andam suas armas atômicas, a desnuclearização total da Península Coreana também não está nos planos de Washington.

Mais do que proteger a Coreia do Sul e o Japão, a presença militar dos EUA no Leste da Ásia é uma peça central da estratégia para conter a China, a superpotência emergente e único rival capaz de ameaçar e suplantar o poderio americano.

Nestas condições, o regime comunista norte-coreano vai se declarar ameaçado. Será necessário negociar um acordo de paz definitivo para a Guerra da Coreia (1950-53). Historicamente, a Coreia do Norte sempre exigiu negociações diretas com os EUA, alegando que a Coreia do Sul e o Japão têm governos-fantoches de Washington.

Desde o fim da União Soviética, em 1991, a Coreia do Norte enfrentou sérias crises energéticas e de escassez de alimentos, com uma estimativa de milhões de mortes. Sem a patrocinadora histórica, partiu para uma chantagem atômica com os EUA e seus aliados na Ásia, ameaçando desenvolver armas nucleares.

Em 1994, o ex-presidente americano Jimmy Carter foi a Pyongyang, esteve com o ditador Kim Il Sung, fundador do pai e avô do atual líder, e abriu caminho para o então presidente Bill Clinton negociar um acordo para dar ajuda em troca da desnuclearização.

Houve vários acordos frustrados. A Coreia do Norte chegou a destruir um reator na central atômica de Yongbyon, a principal instalação nuclear militar do país. Quando o então presidente George W. Bush colocou o país no "eixo do mal", ao lado do Irã e do Iraque, em 29 de janeiro de 2002, e invadiu o Iraque em 2003, o Irã e a Coreia do Norte aceleraram seus projetos para fabricar a bomba atômica.

O regime comunista norte-coreano fez seu primeiro teste nuclear em 2006 e o segundo em 2009, sob a liderança de Kim Jong Il, pai do atual ditador. Kim Jong Un ascendeu ao poder com a morte do pai, em dezembro de 2011, meses após a queda e morte do ditador da Líbia Muamar Kadafi.

Kadafi abrira mão de suas armas de destruição em massa em um acordo com o Ocidente. Foi derrubado por uma intervenção militar da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) aprovada pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas para evitar um massacre de rebeldes em Bengázi, a segunda maior cidade líbia.

Desde a ascensão de Kim, a Coreia do Norte fez mais quatro testes nucleares e dezenas de testes de mísseis. No fim de 2017, o ditador afirmou que o país dominava o ciclo completo da tecnologia nuclear. Trump ameaçou responder com "fogo e fúria", com uma "força jamais vista", o que significa guerra atômica.

Assim, está é uma oportunidade que não pode ser desprezada para evitar o risco de uma guerra nuclear. Vamos aguardar a proposta de paz concreta do ditador que matou o tio e o irmão para se firmar no poder - e três meses atrás ameaçava incendiar o mundo.

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