O grande mérito do presidente Hugo Chávez, que morreu há dois dias depois de ficar 14 anos no poder, foi colocar a luta contra a pobreza, a desigualdade e a exclusão social no centro do debate político na Venezuela e em outros países da América Latina. Mas ele não deixa o país melhor nem política nem economicamente, afirma o ex-ministro do Comércio venezuelano Moisés Naím.
Chávez entra para a galeria dos comandantes revolucionários da América Latina ao lado de Fidel Castro e Ernesto Che Guevara. Todos são amados e odiados com tamanha intensidade que é difícil avaliar objetivamente seu legado. Naím coloca Mao e Perón na mesma categoria.
Outros líderes venezuelanos tinham trazido a pobreza para o centro das discussões e usado a renda do petróleo em programas sociais, mas nenhum foi tão determinado e apaixonado como Chávez. "E ninguém teve tanto êxito quanto ele na hora de fixar esta prioridade na mentalidade coletiva e inclusive exportá-la para países vizinhos e mais além", observa o ex-ministro.
Pela primeira vez, os pobres e excluídos na Venezuela sentiram que tinham um aliado no Palácio Miraflores. Entraram assim no jogo político.
Ao politizar todas as discussões, Chávez promoveu uma mobilização dos favelados, trabalhadores, estudantes, da classe média e dos militares. Mas aí começam os problemas, na visão de Naím. O presidente morto explorou o conflito social para impor sua revolução bolivarista.
"Depois de 14 anos no poder, Chávez não deixou o país com uma democracia mais forte nem com uma economia mais próspera", escreveu o ex-ministro no jornal espanhol El País, no artigo O bom, o mau e o feio. Isso apesar de um aumento sem precedentes na renda do petróleo, que subiu de cerca de US$ 10 o barril em 1998, ano da primeira eleição de Chávez, para US$ 147,50 em julho de 2008, antes do agravamento da crise econômica mundial.
Os chavistas "afirmam que durante seus governos foram realizadas 15 eleições nacionais e referendos, e que seus programas sociais fomentam a participação e a democracia 'direta' ou 'radical'", acrescenta Naím. Além de eleições livres e limpas, o regime democrático exige alternância no poder ou ao menos sua possibilidade, respeito aos direitos políticos e liberdades civis, e controle das Forças Armadas pelo poder civil.
A Venezuela de Chávez não passa em nenhum destes testes. "Não existe igualdade de oportunidades eleitorais, e o respeito aos direitos da oposição se deteriorou gravamente. O Exército está muito mais politizado e intervém muito mais na política do que antes de Chávez", analisa o ex-ministro.
Para Moisés Naím, o regime chavista é um tipo de democracia antiliberal que surgiu em vários países depois do fim da Guerra Fria, que os cientistas políticos caracterizam como regimes autoritários competitivos. Os dirigentes chegam ao poder em eleições democráticas, mas logo mudam a Constituição e outras leis para diminuir o controle da sociedade civil sobre o governo e assegurar sua perpetuação no poder. Têm total controle sobre a máquina do Estado, mas mantêm uma aparência democrática.
Com a alta nos preços do petróleo, Chávez poderia fazer a política econômica que quisesse. Aqui o balanço do ex-ministro é extremamente negativo: "A Venezuela tem hoje um dos maiores déficits orçamentários do mundo, a maior inflação, o dólar disparando no mercado, um aumento mais rápido da dívidas e uma das maiores quedas da capacidade produtiva, inclusive no crítico setor do petróleo".
Durante a Era Chávez, prossegue, "o país caiu para os últimos lugares nos rankings de competitividade, facilidade para fazer negócios e atratividade para o investidor estrangeiro, e subiu para os primeiros postos entre os países mais corruptos do mundo".
O líder que chegou ao poder acabar com a corrupção e a burguesia criou sua própria "burguesia bolivarista" ou boliburguesia, uma nova oligarquia de amigos do regime. Grandes fortunas foram feitas à sombra "e isso também faz parte da desgraçada herança deixada por Chávez".
Pior ainda: "O presidente Chávez deixa uma sociedade feroz polarizada", lamenta o analista. Seu estilo político "alimentou os ressentimentos, a raiva e a vingança a níveis antes desconhecidos. Terá de passar muito tempo e muitos esforços terão de ser feitos para sanar as feridas causadas pelas imensas doses de conflito social que o presidente promoveu".
A violência criminal é outra chaga do chavismo. "A Venezuela se converteu num dos países com mais assassinatos no mundo. Cabul e Bagdá são hoje mais seguras do que Caracas, onde os homicídios e sequestros viraram parte da vida diária".
Neste ambiente, proliferam ainda os tráficos de armas, drogas e de pessoas. As Nações Unidas disseram que a Venezuela se tornou a principal rota de drogas para a Europa. O Departamento do Tesouro dos EUA acusou oito altos funcionários do governo Chávez de manter ligações com máfias de drogas.
No balanço final, Naím lamenta a "oportunidade perdida: o povo venezuelano deu a Chávez um cheque político em branco e, graças ao crescimento prolongado dos preços do petróleo, contou também com um cheque econômico em branco. Poucos chefes de Estado puderam somar o enorme apoio popular e os imensos recursos econômicos que desfrutou Chávez durante 14 anos. Seu controle absoluto de todas as alavancas do poder lhe permitiu fazer o que queria. E ele fez. Mudou o nome do país, sua bandeira, impôs um fuso-horário novo e especial para a Venezuela. E muito mais. O que não fez foi deixar o país em melhor situação do que quando chegou à presidência. Hugo Chávez merece ser recordado como uma oportunidade perdida".
Este é o blog do jornalista Nelson Franco Jobim, Mestre em Relações Internacionais pela London School of Economics, ex-correspondente do Jornal do Brasil em Londres, ex-editor internacional do Jornal da Globo e da TV Brasil, ex-professor de jornalismo e de relações internacionais na UniverCidade, no Rio de Janeiro. Todos os comentários, críticas e sugestões são bem-vindos, mas não serão publicadas mensagens discriminatórias, racistas, sexistas ou com ofensas pessoais.
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