Os pais costumam castigar seus filhos proibindo-os de ver televisão mas, em Cuba, ameaçam obrigar os filhos a assistir à TV estatal. Ao fechar a Radio Caracas Televisión (RCTV), o canal mais popular da Venezuela, e colocar em seu lugar a Televisora Venezolana Social (Teves), seguiu os dois exemplos, sugere o ex-comandante guerrilheiro salvadorenho Joaquín Villalobos, da Frente Farabundo Martí de Libertação Nacional (FMLN), hoje consultor para solução de conflitos internacionais.
Para Villalobos, "Chávez cometeu um grave erro ao fechar um canal de oposição estava no ar há meio século. Goste ou não, este não foi um ataque ao poder da mídia capitalista mas um golpe na identidade cultural venezuelana que terá severas implicações para seu governo. Pretender substituir as telenovelas e o entretenimento dos pobres por uma patética programação 'revolucionária' é tão grave quanto deixá-los sem comida".
A origem do problema de Chávez, entende o ex-comandante, "é crer que fez uma revolução, quando simplesmente ganhou algumas eleições, e isto não ocorreu por acertos próprios mas sim pelos erros e a soberba de uma oposição que tem muitas jóias e pouco povo. Esta o ajudou a fazer uma maioria eleitoral que lhe permitiu controlar as instituições e mudar algumas regras, mas não lhe dá uma correlação suficiente para impor uma virada ideológica drástica como a que está pretendendo".
Na Venezuela, acrescenta Villalobos em artigo no jornal espanhol El País, não houve uma ruptura revolucionária como em Cuba e na Nicarágua, onde a democracia não tinha antecedentes: "Em Cuba, a mudança foi violenta e total, todas as instituições foram refundadas e até hoje não há oposição nem eleições nem liberdade de imprensa nem propriedade privada. Na Nicarágua, a mudança foi igualmente violenta mas ainda que maltratadas sobreviveram a liberdade de imprensa, a propriedade privada, as eleições e a oposição. A Venezuela poderá ter uma crise de polarização extrema ou um período prolongado de agitação social, mas não uma revolução. Quando isto ocorre, a violência política toma preeminência primeiro como rebelião e logo como contra-revolução."
Há quem suspeite que o maior risco é para a democracia na Venezuela. Quando Chávez deixará o poder? Sairá pacificamente? Já fala em ficar na presidência até 2031.
Mas a Venezuela é uma democracia desde 1958. Os golpistas que tentaram derrubar Chávez em abril de 2002 ignoraram isso, observa Villalobos: "Derrubar governos não é fácil e tampouco o é modificar radicalmente e a frio os pilares do sistema preexistente. Uma ruptura revolucionária cria uma situação de grande exaltação social que, para o bem ou para o mal, abre espaços para mudar muitas coisas, inclusive questões ideológicas e culturais muito sensíveis na sociedade; no entanto, isso é o mais difícil de modificar".
Essa é uma questão central: as revoluções não produzem um novo homem e reproduzem os vícios e privilégios do antigo regime. Na Rússia, a burocracia e a polícia política vêm do tempo dos czares, e deram no presidente Vladimir Putin, outro autocrata que usa o nacionalismo energético para recuperar o status de potência mundial perdido com o colapso da União Soviética, em 1991.
Villalobos nota ainda que "as revoluções anticapitalistas emergiram mais de ditaduras do que da pobreza. Na Venezuela, não havia ditadura e a pobreza não foi importante na ascensão de Chávez, embora agora o seja na sua defesa. Toda revolução é austera e isto os venezuelanos não conhecem nem de direita nem de esquerda. A Venezuela não é um país capitalista industrial e industrioso, é rentista e consumista. Chávez está fortalecendo o papel econômico do Estado, redistribuindo a renda do petróleo e formando novas elites via populismo, oportunidades de negócios e corrupção. Tudo isso não é novo, nem é revolução, nem é socialismo".
Em sua análise, o ex-comandante da guerrilha de El Salvador comenta ainda que "Chávez não tem um partido revolucionário mas uma estrutura política fragmentada composta por uma mescla ideológica diversa. À sua direita estão os militares, à esquerda uns intelectuais e em baixo uma base multicolorida". Transformar isto num partido político implica enfrentar a disputa interna dos dirigentes pela máquina, uma luta intestina que consumiu tantos movimentos populares.
"O chavismo fez algo positivo ao dar poder e identidade a milhões de venezuelanos que estavam excluídos, mas a coesão de sua estrutura política não está na ideologia nem na História, mas na renda do petróleo. Chávez tampouco tem um exército revolucionário, ao contrário, o Exército o derrotou duas vezes (1992 e 2002). A cumplicidade atual do Exército depende de compras de armamento que não são preparação para o combate mas corrupção lucrativa, e são precisamente esses privilégios que fecham a porta para as idéias revolucionárias.
"O Exército da Venezuela não matará nem morrerá por Chávez. Fidel Castro sobreviveu a incontáveis atentados, Ortega dirigiu uma insurreição triunfante e Evo Morales saltou das barricadas para a presidência da Bolívia. Chávez, pelo contrário, vende petróleo aos americanos, em duas ocasiões se rendeu sem combater e dorme com um exército inimigo. Isto o impulsiona a realizar provocações que lhe permitam obter uma credencial revolucionária, pelo menos com um insulto de Bush. Os ataques o fortalecem e a tolerância o debilita.
"Urge que seus inimigos externos o ajudem a ocultar a corrupção de seus funcionários, a incompetência de seu governo, a divisão em suas filas e a insegurança nas ruas de seu país. Com o fechamento da Radio Caracas Televisión, reverte contra si o processo de acumulação de forças e revitaliza uma oposição que estava desmoralizada. Quem sabe Chávez possa fazer mais mudanças na Venezuela, mas nunca poderá eliminar as eleições, e nestas não existem nem as maiorias inamovíveis, nem alianças eternas, nem fraudes insuperáveis. O dinheiro do petróleo pode servir para Chávez fazer muitas coisas, mas jamais poderá comprar uma revolução", conclui Villalobos, negando assim as pretensões revolucionárias de Chávez.
Villalobos é o guerrilheiro heróico que se refugiou em matas e montanhas, e sobreviveu a uma ditadura militar fascista. Essa glória o caudilho venezuelano não tem para reivindicar, como faz, a herança de Fidel Castro. Mas Chávez quer fazer uma revolução social. O dinheiro do petróleo ajuda a universalizar os direitos fundamentais da cidadania, mas vai não mudar a cultura nem a estrutura social venezuelana, não sem um modelo de desenvolvimento, um projeto, um partido político ou movimento organizado.
Como observou o jornalista britânico Richard Bourne, autor de uma biografia do presidente Lula, é provável que, "como Perón, Chávez deixe depois de si um movimento".
Este é o blog do jornalista Nelson Franco Jobim, Mestre em Relações Internacionais pela London School of Economics, ex-correspondente do Jornal do Brasil em Londres, ex-editor internacional do Jornal da Globo e da TV Brasil, ex-professor de jornalismo e de relações internacionais na UniverCidade, no Rio de Janeiro. Todos os comentários, críticas e sugestões são bem-vindos, mas não serão publicadas mensagens discriminatórias, racistas, sexistas ou com ofensas pessoais.
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