.Ao decapitar diante da câmera o jornalista americano James Foley, a milícia extremista muçulmana Estado Islâmico do Iraque e do Levante mostrar estar disposta a violar todas as regras na sua guerra santa medieval contra os infiéis.
O terrorismo é também um teatro macabro para fazer propaganda, observa o analista político Robert Kaplan, em comentário no sítio de estudos estratégicos americano Stratfor. Ele observa que Foley estava vestido com um macacão laranja, como os prisioneiros do centro de detenção ilegal instalado na base naval de Guantânamo, em Cuba, para escapar da jurisdição americana.
É uma retribuição. O Estado Islâmico está dizendo que há um preço a pagar pelos prisioneiros de Guantânamo.
Foley fez uma confissão bem ensaiada, seguido de um pronunciamento também ensaiado, em inglês com sotaque britânico, levantando a suspeita de que o executor fosse um jihadista do Reino Unido. Estima-se que haja mais voluntários da jihad britânicos lutando na Síria e no Iraque do que no Exército Real.
A degola é um elemento central do docudrama do terror, calibrado para maior impacto midiático e propagandístico. É um convite sádico a terroristas do mundo inteiro. De um lado, primitivo e cruel; do outro, explorando as modernas técnicas da revolução nas comunicações.
O recado é claro: a guerra santa não tem limites. Os jihadistas não respeitam as leis da guerra da civilização ocidental, aliás, violadas em Guantânamo. Querem destruir os Estados Unidos, a Europa, os infiéis e os muçulmanos que não aceitam sua interpretação do Corão.
Com essa mistura de ideologia medieval, uma disciplina militar rígida e o marketing revolucionário do século 21, "o EIIL controla hoje um volume de recursos e território sem precedentes na história das organizações extremistas", observa o ex-assessora do Pentágono Janine Davidson, hoje pesquisadora do Conselho de Relações Exteriores dos EUA.
Mais do que um grupo terrorista como Al Caeda, o Estado Islâmico quer ser um país. Seu califado vai da fronteira da Síria com a Turquia, passa por Raca, no Norte da Síria, sua capital de fato, atropela a fronteira com o Iraque e vai até Faluja, Tikrit, os arredores de Mossul, de onde os jihadistas foram repelidos por milícias curdas com apoio aéreo dos EUA, e zonas rurais ao sul de Bagdá.
Para se financiar, o EIIL explora todos os campos de gás e petróleo e saqueia os bancos nas áreas ocupadas. Chegou a tomar a maior refinaria do Iraque, em Baiji, e a maior hidrelétrica do Norte, em Mossul, retomada pelos curdos. Faz extorsão mediante sequestro e cobra "impostos" de quem não se submete à sua ideologia assassina.
A execução sumária do czar Nicolau II e toda a sua família pelo governo liderado por Lenin depois da revolução comunista na Rússia, em 1918, mostrou que os bolcheviques eram capazes de matar. Para Kaplan, foi um prenúncio do terrorismo de Estado que atingiria o auge sob Stalin.
Da mesma forma, o assassinato do rei Faissal II e sua família no golpe militar de 1958 no Iraque e a mutilação do corpo do primeiro-ministro Nuri Said por uma turba enfurecida em Bagdá levaram à criação de um Estado policial que culminou com a ascensão de Saddam Hussein, em 1979, e seu reinado do terror até a invasão americana de 2003.
Assim, a degola de Foley é o presságio de novas tragédias no Oriente Médio.
Este é o blog do jornalista Nelson Franco Jobim, Mestre em Relações Internacionais pela London School of Economics, ex-correspondente do Jornal do Brasil em Londres, ex-editor internacional do Jornal da Globo e da TV Brasil, ex-professor de jornalismo e de relações internacionais na UniverCidade, no Rio de Janeiro. Todos os comentários, críticas e sugestões são bem-vindos, mas não serão publicadas mensagens discriminatórias, racistas, sexistas ou com ofensas pessoais.
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