quarta-feira, 6 de agosto de 2014

Minhas primeiras impressões do Recife

Esta reportagem, feita na minha primeira viagem ao Recife, foi publicada no Correio do Povo, de Porto Alegre, em 10 de dezembro de 1978:

RECIFE - É no Parque Nacional dos Guararapes, que diversas placas assinalam ser o local onde nasceu o Exército Brasileiro e o sentimento nacionalista, o desejo de integração nacional, que começa o roteiro histórico da visita a Recife e Olinda.

Do alto daquelas colinas cobertas por coqueiros, no município de Jaboatão, no Grande Recife, se tem um amplo panorama da capital pernambucana e cidades vizinhas. De um lado, fica a colonial Olinda e do outro o distrito industrial de Jaboatão, ao fundo o mar o no meio a concentração urbana do Recife.

A Igreja de Nossa Senhora dos Prazeres, de 1782, substitui uma capela mandada construir em 1656 pelo mestre-de-campo e general Francisco Barreto em homenagem à padroeira do dia em que foi conquistada a vitória final contra os holandeses, 27 de janeiro de 1654. Seu estilo é barroco, com o altar-mor todo trabalhado em madeira entalhada.

CANHÕES
Ao redor da igreja, árvores de frutas da terra - abacate, manga, sapoti, banana - realçam a beleza do lugar. Durante as obras para a abertura das pistas asfaltadas que levam ao Parque dos Guararapes, foram encontrados canhões provavelmente usados nas batalhas. Foram restaurados e estão ali para mostrar que a área foi um campo de batalha. Também foram encontrados cadáveres com medalhas penduradas no pescoço, mas estas foram para museus em São Paulo.

O Recife é uma cidade pobre que recebe milhares de migrantes afugentados do interior pelas secas nordestinas e não tem emprego para eles. Então, garotos rondam os pontos turísticos na tentativa de ganhar alguns trocados. O Parque dos Guararapes está cheio deles. Decoram meia dúzia de informações históricas e as reproduzem apressadamente, em tom de voz mecânico. Confusos, se repetem e atropelam modinhas - mas de qualquer forma espelham uma realidade social, ainda que incômoda para os que pretendem apresentar o Nordeste de hoje como uma região progressista que abandona os problemas do passado.

Pelas ruas e avenidas que se percorre até chegar ao centro, as visões da pobreza se reproduzem casa por casa. São os mocambos do Recife, moradia dos severinos que o sertão repeliu.

No Centro, passsa-se pelo Forte das Cinco Pontas e pela Campina da Taborda a caminho da Igreja de São Pedro dos Clérigos, a mais rica em barroco no Brasil e também a mais alta. Seu teto conserva as pinturas originais de João de Deus Sepúlveda.

PONTE
As grandes obras de Maurício de Nassau estão na Ilha de Santo Antônio, onde hoje se situa o comércio popular do Recife. Destacam-se o Palácio das Torres e a Ponte dos Arcos. Esta última foi uma obra milionária, concluída em 1643. Entretanto, os recifenses contam que ninguém queria atravessá-la porque Nassau instituiu uma espécie de pegádio.

Mas o representante holandês era inteligente e sabia manobrar a vontade popular. Espalhou a notícia de que um boi voava do outro lado da ponte. Para alimentar as ilusões, fez um boi de cortiça e pano, e levantou-o com cordas. Resultado: todos passavam e pagavam a taxa com satisfação.

Além disso, Nassau colocou pedras sobre os arrecifes naturais para fortalecer o porto. Canhões fincados em pé serviam para amarrar os navios.

Para o guia turístico, Pernambuco é pioneiro em tudo no Brasil. Teve o primeiro parlamento, a primeira faculdade de direito e a primeira televisão educativa, agora também a primeira em cores. Só não se iludam se ele disser que foi o Diário de Pernambuco foi o primeiro jornal impresso no Brasil, pois foi a Gazeta do Rio de Janeiro, na época de Dom João VI, em 1808. O Diário de Pernambuco é apenas o mais antigo em atividade.

Como não poderia deixar de ser, o ufanismo pernambucano se manifesta também na voz dos locutores de rádio. A Rádio Jornal do Comércio dá o prefixo e anuncia estar transmitindo em quatro diferentes frequências de ondas curtas: "Não há distância que nos separe."

Talvez as maiores relíquias históricas do Recife estejam no Museu e Convento da Ordem Terceira de São Francisco, na Rua do Imperador. Ali fica a Capela Dourada, toda resplandescente de tanto ouro que reveste as formas barrocas em estilo rococó esculpidas em cedro. Do século 18, é a obra máxima do período em que o açúcar concedeu aos senhores de engenho a supremacia econômica dentro do Brasil Colônia.

Ao lado, existe o Museu Franciscano de Arte Sacra, rico em esculturas, paramentos e peças de igrejas, com castiças e cálices em ouro e prata.

PATRIMÔNIO
A parte antiga de Olinda está totalmente tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (e hoje também pela ONU como patrimônio da humanidade).

As casas grudadas umas às outras, as ruas aladeiradas e estreita constituem uma paisagem que dá ares de Salvador. Na Rua Bernardo Vieira de Melo, o antigo Mercado da Ribeira, onde eram negociados os escravos, agora é usado por artesãos. As ruínas do antigo Senado resistem, embora só reste um paredão.

O casarão colonial onde viveu João Fernandes Vieira, na Rua de São Bento, com dois andares, varanda e jardim ao lado, também merece uma parada. A Igreja de São Pedro dos Clérigos de Olinda (1590) é mais antiga do que a do Recife; entretanto, sua arquitetura sofreu diversas alterações com o tempo, As portas esculpidas em madeira mantêm o aspecto original.

Mas é na frente do Mosteiro de São Bento e da Igreja de Nossa Senhora da Misericórdia (1540) que se abre um panorama que justifica a exclamação "Ó linda!", que teria sido, segundo a tradição oral, a origem do nome da cidade. O aspecto de cidade grande e moderna do Recife se contrapõe à quietude colonial das igrejas que emergem por entre os coqueiros das colinas de Olinda.

INCÊNDIO
A parede frontal da Igreja da Misericórdia foi enegrecida pelas chamas quando os holandeses incendiaram Olinda, testemunha até hoje aquela agressão. Mas o prédio resistiu e foi reconstruído por Nassau.

Já o Mosteiro de São Bento (1599) foi erguido onde antes havia uma ermida a São Roque. Obra-prima do barroco brasileiro, sediou o primeiro curso de Direito do país e hoje abriga a Faculdade de Ciências Humanas de Olinda.

A Rua de São Francisco é uma ladeira íngreme que leva até o primeiro convento franciscano do Brasil, em estilo barroco rococó, com claustro decorado com azulejos portugueses. Dentro dele, está a Igreja de Nossa Senhora das Neves, muito antiga, do tempo dos holandeses. A pintura original ainda não foi restaurada.

Outro prédio histórico que vale a pena conhecer em Olinda é o seminário, antigo colégio jesuíta situado na parte norte da cidade velha, por onde os holandeses atacaram por ser o flanco menos protegido. Seu estilo é clássico, quinhentista.

Descendo para a parte plana, chega-se à Nova Olinda, que antigamente seria submersa e hoje está seriamente ameaçada pelas ressacas. Os bares, restaurantes e boates limitam-se uns aos outros na beira-mar. É uma zona residencial e de veraneio, com os edifícios disputando os espaços palmo a palmo como em Copacabana.

Alguns quilômetros mais ao norte, quando as construções de alvenaria dão lugar às choupanas de pau-a-pique e sapê cobertas por palha de coqueiros, no local onde os holandeses desembarcaram em 1630, fica o Forte Pau Amarelo, já no município vizinho de Paulista. Construção portuguesa de 1719, é um excelente local para terminar o passeio dando uma caminhada pela areia, por entre jangadas e coqueiros, observandoo pôr-do-sol.

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