RECIFE - Nestes tempos de recrudescimento das guerras no Oriente Médio, uma visita à primeira sinagoga da América ajuda a refletir sobre conflitos religiosos como a Guerra dos Trinta Anos (1618-48), travada entre católicos e protestantes depois da Reforma da Igreja, que levou às duas invasões holandeses no Nordeste do Brasil, com os judeus no meio desse fogo cruzado.
Os primeiros judeus chegaram ao Brasil com Fernando de Noronha, um cristão novo (judeu convertido) encarregado pelo rei Dom Manuel I de introduzir o cultivo de cana de açúcar na colônia, que trouxe com ele vários cristãos novos.
Mais cristãos novos vieram a convite de Duarte Pereira Coelho, donatário da capitania hereditária de Pernambuco, uma das duas únicas a prosperar, ao lado da capitania de São Vicente, no caso pernambucano, por causa da produção de açúcar, na época uma das mercadorias mais importantes do comércio internacional.
Diogo Fernandes era um dos maiores especialistas na cultura açucareira e Pedro Álvares Madeira, nativo da Ilha da Madeira, até então o maior produtor de açúcar do Ocidente. Ambos eram cristãos novos (judeus convertidos ao cristianismo). Foram os primeiros a receber terras de Duarte Coelho, em 1542.
Pouco antes, em 1536, a Inquisição chegara a Portugal. Nunca houve um Tribunal do Santo Ofício no Brasil. Durante a União Ibérica (1580-1640), quando o mesmo rei governava os dois impérios, espanhol e português, em 1623, Felipe IV mandou instalar um tribunal no Brasil. Desistiu diante da Primeira Invasão Holandesa ao Brasil, na Bahia, no ano seguinte.
Houve duas visitações do Santo Ofício à Bahia (1591-93 e 1618) e uma a Pernambuco (1593-95). Em 1625, os holandeses foram derrotadas por uma esquadra luso-espanhola e expulsos de Salvador. Os judeus foram acusados de colaborar com o invasor.
A Companhia Holandesa das Índias Ocidentais voltou a atacar em 1630 com uma força muito maior para tomar Pernambuco, a mais rica das províncias ultramarinhas portuguesas, iniciando uma ocupação que duraria 24 anos.
Em seu momento de maior expansão, durante o governo do conde João Maurício de Nassau (1637-44), o Brasil Holandês ia da foz do Rio São Francisco até São Luís do Maranhão. Como a Holanda protestante fizera a primeira revolução liberal da história, tinha adotado a liberdade religiosa.
Muitos judeus portugueses fugiram para a Holanda, levando consigo a tecnologia da indústria naval portuguesa. Logo a Holanda se tornaria uma grande potêncial naval e comercial, e ameaçaria a América Portuguesa com o apoio dos judeus.
Foi o cristão novo Antônio Dias Papa-robalos que guiou os holandeses depois que eles desembarcaram ao norte de Olinda, onde hoje fica o Forte de Pau Amarelo, e atacaram a capital da província pelo lado desprotegido. Sob o domínio holandês, a liberdade religiosa chegou ao Brasil Colônia, atraindo os judeus portugueses que haviam fugido para a Holanda.
A Sinagoga do Recife foi construída a partir de 1636 na Rua dos Judeus, rebatizada Rua da Cruz depois da expulsão dos holandeses, em 1654, e de Rua do Bom Jesus, em 1879. Seu primeiro rabino, o cristão novo Isaac Aboab da Fonseca, cuja família emigrara para Amsterdã para voltar a professar o judaísmo, desembarcou no Brasil Holandês em 1641. Portugal tinha recuperado a independência um ano antes e feito as pazes com a Holanda.
Em 1645, havia cerca de 1.450 judeus no Recife, a metade da população branca da cidade. Eram médicos, advogados, calígrafos, atores, músicos, ourives, ceramistas, intérpretes, tradutores e comerciantes de escravos, tecidos, roupas, açúcar, alimentos, vinhos e madeira, entre outros artigos, conta o historiador José Antônio Gonsalves de Mello, um dos grandes historiadores das invasões holandesas.
Um ano antes, Nassau tinha sido demitido pelos acionistas da Companhia Holandesa das Índias Ocidentais, mais interessados em remessa de lucros do que em investimentos na colônia. Começava a decadência do Brasil Holandês.
Também em 1645, 30 católicos brasileiros, 25 homens e 5 mulheres, foram brutalmente assassinados por calvinistas holandeses e índios tapuias em dois massacres no Rio Grande do Norte.
Depois de duas derrotas nas batalhas dos Guararapes, em abril de 1648 e fevereiro de 1649, os holandeses foram finalmente assinaram a rendição em 27 de janeiro de 1654, quando Portugal se aliou à Inglaterra durante a Primeira Guerra Anglo-Holandesa (1652-54) para conseguir enfrentar uma das grandes potências da época.
Como destaca o historiador Evaldo Cabral de Mello em O Negócio do Brasil - Portugal, os Países Baixos e o Nordeste, 1641-1669, "Portugal pagou o equivalente a 63 toneladas de ouro pelo Nordeste".
Com o fim do Brasil Holandês, acabou também a tolerância religiosa com os judeus. Acusados de colaborar com o invasor, eles foram perseguidos e tiveram de escapar às pressas em dois navios. Cerca de 500 foram para Nova Amsterdã. De acordo com o Arquivo Judaico do Recife, que faz parte do projeto de restauração da primeira sinagoga da América, foram os primeiros judeus a chegar à futura Nova York.
O projeto de restauração foi iniciado em 1999, e a sinagoga reaberta ao público em 2001. A lista dos primeiros frequentadores está cheia de cristãos novos. Por toda essa história, o Brasil é o país que mais recebeu cristãos novos. Cerca de 10% dos brasileiros, talvez 20%, sejam descendentes de judeus.
Este é o blog do jornalista Nelson Franco Jobim, Mestre em Relações Internacionais pela London School of Economics, ex-correspondente do Jornal do Brasil em Londres, ex-editor internacional do Jornal da Globo e da TV Brasil, ex-professor de jornalismo e de relações internacionais na UniverCidade, no Rio de Janeiro. Todos os comentários, críticas e sugestões são bem-vindos, mas não serão publicadas mensagens discriminatórias, racistas, sexistas ou com ofensas pessoais.
domingo, 10 de agosto de 2014
Sinagoga do Recife foi um símbolo do Brasil Holandês
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