terça-feira, 15 de outubro de 2013

Marília Pêra quer censurar até entrevistas

Ao entrar no debate sobre o direito de biografados e seus parentes de censurar biografias não autorizadas, em artigo publicado hoje no jornal Folha de S. Paulo, a atriz, cantora e diretora Marília Pêra considera "golpe baixíssimo xingar de reacionário aquele que necessita preservar seus sentimentos, seus familiares e sua vida privada". Neste lógica, defende até a censura prévia de entrevistas.

Todo o mundo tem direito à privacidade, mas quem tem uma vida pública não pode evitar uma certa exposição de sua intimidade, que passa a ser de interesse público legítimo ou não. Numa sociedade democrática, este tipo de conflito e de contradição precisa ser resolvido na Justiça. Caso contrário, impõe-se uma censura prévia que viola o direito constitucional à liberdade de expressão.

O debate foi provocado por uma ação direta de inconstitucionalidade proposta pela Associação Nacional de Editores de Livros (Anel) junto ao Supremo Tribunal Federal contra a decisão da Justiça que censurou a publicação de uma biografia do cantor e compositor Roberto Carlos com base em artigo do Código Civil que permite vetos do biografia e de seus parentes em nome da defesa da honra e também sob o argumento de que o biógrafo lucra com seu trabalho.

Em defesa de sua posição conservadora e reacionária, Marília Pêra alega: "Tive vários espetáculos censurados, fui presa, passei pels horrores que quase todas as pessoas envolvidas nessa polêmica sobre biografias passaram"- como se o fato de ser vítima de arbitrariedades no passado a colocasse numa redoma ou altar acima da lei e da Constituição, quando o princípio básico da democracia é que a lei deve ser igual para todos.

Seu argumento: "...a verdade depende de maneira que cada um de nós enxerga e sente um acontecimento". Cada um tem direito a sua própria versão de um fato, mas a verdade, às vezes inatingível por falta de provas ou testemunhos, é uma só. Não é à toa que ditadores de hoje e de sempre querem impor suas versões oficiais da História.

O público tem o direito de saber, e a melhor maneira de fazer isso é examinando as diferentes versões para que cada um possa chegar a suas próprias conclusões. Ficar numa versão única é se submeter à tirania das versões oficiais, própria de ditaduras.

Se a questão é realmente "preservar seus sentimentos, seus familiares, a vida privada", por que "um acordo financeiro que remunere aquela exposição deve ser tratado antes"? "Assim, não haverá perdedor", raciocina Pêra. Quer dizer que os sentimentos e a vida privada da família podem ser negociados num bom acerto financeiro?

"Já tive cenas, palavras e remunerações cortadas no produto final de um filme, de uma obra de televisão de entrevistas. Ficaram perdidas. Paciência!", escreveu Pêra.

Infelizmente, não basta ter paciência para acabar com a censura. É preciso defender vigorosamente a liberdade de expressão, o que Pêra, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Chico Buarque, Djavan, Roberto Carlos, Erasmo Carlos e outros ídolos censurados nos anos 60 e 70, quando Caetano cantava "é proibido proibir", aparentemente esqueceram.

Marília chega a argumentar que, "numa simples entrevista para um órgão de divulgação, o apagar de algumas palavras ou a banal supressão da pergunta do entrevistador pode nublar o sentido de uma frase!"

Existem pessoas incompetentes e sem caráter em todas as profissões. O que ela quer, o direito de entrevistados censurarem entrevistas antes da publicação? Se houver má intenção, imperícia, imprudência, negligência ou incompetência do autor, o caminho para reparar danos numa sociedade democrática é ir à Justiça.

O argumento para repudiar uma legislação semelhante à dos países desenvolvidos, onde não existe censura prévia e quem se sentir incomodado recorre aos tribunais, é que a Justiça brasileira é lenta e as indenizações muito inferiores ao que seria necessário para coibir abusos.

Todos concordam que o Poder Judiciário precisa ser aperfeiçoado, mas não apenas para beneficiar uma pequena elite cultural e sim à sociedade como um todo. Esta é uma questão central no debate. As estrelas da MPB querem um direito de exceção para si mesmas, colocando-se acima da Constituição e do direito básico da democracia à liberdade de expressão.

"Pode ser muito doloroso ver publicadas verdades que não se adaptam à nossa, e ainda sem qualquer compensação financeira", insiste Marília, aumentando a confusão entre proteção à intimidade e ganho financeiro .

Afinal, o movimento Procure Saber, liderado pela ex-mulher de Caetano Veloso Paula Lavigne, quer preservar a privacidade ou faturar com as biografias?

Há muitos casos de acordo nos países desenvolvidos, inclusive porque a colaboração do biografado, seus parentes e amigos facilita muito a tarefa do biógrafo. Mas querer impedir a publicação de biografias não autorizadas tem um nome só, que precisa ser dito em alto e bom tom: É CENSURA - e verdadeiros artistas não podem aceitá-la, sob pena de traírem a criação. Afinal, escritores também são artistas.

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