segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Poder do grupo BRICS é limitado

O grupo BRICS é a primeira organização internacional criada por ideia de um analista do banco Goldman Sachs, Jim O'Neill, que simplesmente calculou em 2001 que Brasil, Rússia, Índia e China seriam os principais motores do crescimento da economia mundial nas próximas décadas.

Para que o grupo funcione, é essencial que seus países-membros tenham interesses comuns. Eles têm alguns, como lutar contra o domínio das potências ocidentais sobre o sistema internacional, ter mais voz e voto nas organizações econômicas internacionais como o FMI e o Banco Mundial, tentar tirar o dólar da função de principal moeda internacional, o que dá um poder enorme aos EUA.

É útil numa política externa de geometria variável em que o Brasil deve ter parceiros diferentes em questões diferentes. O problema é achar que o grupo BRICS significa mais do que realmente é.

Os interesses da China são globais. Ao convidar a África do Sul, que não tem peso econômico nem de longe comparável aos BRIC, a China indica uma intenção de fazer da organização um instrumento de sua política externa, no caso, de tentar parecer que está realmente comprometida com o desenvolvimento da África, já que sua atitude imperial e colonialista já desperta reações negativas.

A China e a Índia são inimigas históricas. Travaram uma guerra de fronteiras em 1962. O projeto da bomba atômica indiana nasceu desta derrota. Depois da explosão da bomba indiana (o país teria desde 1974, mas assumiu abertamente o status nuclear em 1998), os EUA inicialmente impuseram sanções. Mais tarde, fizeram uma aliança estratégica que tem como um dos objetivos conter a China superpotência.

O presidente Barack Obama defendeu a entrada da Índia como membro permanente do Conselho de Segurança. A China provavelmente vetaria, assim como vetou o Japão. Fez alianças com uma série de países vizinhos da Índia, o chamado colar de pérolas: Paquistão, Bangladesh, Nepal, Mianmar, Sri Lanka - pérolas chinesas para sufocar a Índia.

Há uma corrida armamentista na Ásia, onde os países acreditam que o declínio relativo dos EUA levará a uma retirada de suas forças na região no momento em que a China desenvolve uma Marinha de águas profundas.

Recentemente a Índia anunciou manobras navais conjuntas com o Vietnã, inimigo histórico com quem a China travou uma guerra em 1979, depois que o Vietnã invadiu o Camboja para derrubar a ditadura sanguinária de Pol Pot, aliado de Pequim, que tem uma disputa territorial em torno de ilhas do Mar da China Meridional, que a China considera seu. Beijim reagiu furiosamente

Na última Conferência do Forte de Copacabana, realizada em 3 e 4 de novembro de 2011 no Rio de Janeiro, um dos temas levantados foi a volta do Atlântico Sul como uma zona de segurança. O Brasil teme que a China e a Índia, na disputa pelos recursos naturais da África, acabem projetando seu poderio naval.

A China e a Rússia têm conflitos históricos de fronteiras que quase levaram à guerra em 1969 e não acabaram com o fim da URSS. Para se opor aos EUA, os dois países criaram a Organização de Cooperação de Xangai, outro grupo destinado a defender os interesses chineses pintando-os como multilaterais.

Sedenta de energia, a China está ávida de fazer negócios com a Rússia, mas os russos não querem um vazamento do extraordinário desenvolvimento econômico chinês para dentro de suas fronteiras numa região pouco povoada. Não querem maquiladoras que aproveitem os recursos naturais locais para produzir com mão de obra chinesa para o mercado chinês.

O quinto BRIC deveria ser a Indonésia, quarto maior país do mundo em população, com quem o Brasil e a Índia já negociaram juntos no GATT, com uma agenda negativa para impedir uma abertura de seus mercados industriais e a introdução de temas como trabalho e meio ambiente nas negociações de comércio internacional.

A Indonésia tem uma grande diáspora chinesa, de mais de 40 milhões, com forte presença no comércio.

Então, o alcance e a utilidade dos BRICS são limitados. Na luta pela vaga no Conselho de Segurança, estamos com Alemanha, Índia e Japão. A China é contra esses dois últimos e não nos apoia.

As expedições imperiais dos EUA tinham terminado com a derrota no Vietnã. Houve intervenções menores na era Reagan. Quando Saddam invadiu o Kuwait, em agosto de 1990, George Bush sr. organizou uma aliança de 28 países para dar legitimidade à guerra de 1991, uma das poucas aprovadas pelo Conselho de Segurança porque Gorbachev mandou a URSS votar a favor e a China se absteve.

Depois de 11 de setembro de 2001, de um ataque sem precedentes contra seu território, era natural e praticamente inevitável que a superpotência voltasse a promover uma expedição colonial como a invasão do Iraque, entre outras coisas para mostrar ao mundo árabe que os americanos estavam dispostos a matar e morrer pela pátria.

Não é novidade agora o que já era parte de um recuo estratégico decorrente do fim da Guerra Fria, quando os EUA deixaram de ter inimigos estratégicos. O governo Bill Clinton (1993-2001) foi caracterizado por um multilateralismo usado como melhor maneira de defender os interesses dos EUA, como observou o embaixador Rubens Ricupero, notando que os EUA já não tinham recursos para impor um unilateralismo puro.

Mesmo tentando voltar ao unilateralismo, Bush invadiu o Iraque ao lado do Reino Unido, Espanha, Japão, Polônia, República Tcheca, Itália. No caso, precisava de cobertura política. Assim que a ocupação começou a apresentar problemas, recorreu à ONU.

A ASEAN (Associação dos Países do Sudeste da Ásia) nasceu nos anos 60, em plena Guerra Fria, como uma instituição ligada à defesa que temia tanto o comunismo no Vietnã quanto o generais da Indonésia. Evoluiu para a economia quando a região se estabilizou e seus países se tornaram em tigres asiáticos.

A APEC (Fórum de Cooperação Econômica da Ásia e do Pacífico) por sua vez começou em torno do diálogo de questões como o programa nuclear da Coreia do Norte, comércio e cooperação econômica. Já em 1993, Clinton começou a turbinar reuniões de cúpula, numa indicação dos EUA de que acreditam que o futuro está na Ásia e no Pacífico.

No momento, há uma paralisia do Conselho de Segurança. Rússia e China vetam uma simples condenação à ditadura síria com o beneplácito do Brasil, enquanto os EUA proíbem a entrada da Palestina por força de sua aliança incondicional com Israel. 

Na semana passada, quando o Conselho de Segurança discutiu a proteção a civis, a propósito da intervenção na Líbia, a embaixadora brasileira Maria Luiza Viotti fez um discurso com viés claramente antiocidental. Afirmou que "uma morte de civil a mais é uma morte demais". A mesma lógica não se aplica à Síria, onde o total de mortos chega a 4 mil desde 15 de março de 2011.

Em segurança, não há acordo. É importante coordenar as posições no G-20, que só foi efetivo no auge da crise porque os interesses são divergentes, mas há problemas sérios. Quando o ministro da Fazenda do Brasil, Guido Mantega, fala em "guerra cambial" e propõe compensações comerciais diante de oscilações das moedas, a China não gosta. Afinal, a manipulação do câmbio é um elemento central da política que transformou o país numa máquina de exportar.

Não estou dizendo que não serve para nada, mas não confio muito no poder do BRICS nem na sua união. O Brasil parece ficar eufórico ao se tornar membro de cada novo clube, como se isso bastasse para ser grande potência mundial. Temos inúmeras vulnerabilidades que não serão superadas com alianças frouxas com países que em muitas esferas são concorrrentes.

3 comentários:

Anônimo disse...

Gostei da matéria, de muito bom senso e concordo com ela. Tenho entretanto uma dúvida: BRICS tem personalidade jurídica de Direito Internacional? Eu não sabia que se tratava de uma organização internacional, pra mim era só uma sigla pra se referir a um grupo político de cooperação.

Nelson Franco Jobim disse...

É um forum de cooperação internacional. Não tem personalidade jurídica, mas não deixa de ser uma organização internacional.

Anônimo disse...

Obrigado por me responder e sanar minha dúvida. Parabéns pelo blog!