quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Transição hegemônica EUA-China gera riscos

A irresistível ascensão da China e o declínio relativo dos Estados Unidos levam à chamada transição hegemônica, sempre um período de alto risco nas relações internacionais, observou o historiador Ronald Pruessen, professor da Universidade de Toronto, no Canadá, em palestra na Fundação Getúlio Vargas, no Rio de Janeiro, em 8 de novembro de 2011.

"Quando um grande ator entra em cena, os outros países mudam o comportamento em relação a ele", comentou. "Sua moral e seus sistemas de valores passam a ter mais peso. Até agora, isso não criou problemas significativos".

No momento, por causa da interdependência das duas maiores economias do mundo, "há um certo grau de tensão e um certo grau de estabilidade" nas relações EUA-China. "Os EUA têm fraquezas como a dívida e a infraestrutura. No Discurso sobre o Estado da União, o presidente Obama deu grau D para a infraestrutura do país".

Há uma década, recordou, "a China ia ultrapassar a economia americana em 2041. Agora, há estudos prevendo que será três vezes maior em 2040".

Em editorial publicado em 17 de fevereiro de 1941, o editor da revista Time, Henry Luce, usou a expressão Século Americano, exortando os EUA a abandonar seu isolacionismo histórico e aproveitar a Segunda Guerra Mundial para se tornar a potência dominante nas relações internacionais. Agora, parece que o século de Luce vai terminar antes de completar cem anos.

A questão central, pondera o professor Pruessen, é se as duas superpotências vão colaborar, criando um mundo baseado na interdependência econômica entre os dois países, no que ele chamou de Chimérica, ou se vão de envolver num "choque de titãs".

Há uma disputa pela supremacia. A China investe cada vez mais em tecnologia de defesa. Já tem porta-aviões, mísseis antissatélites e outras armas capazes de neutralizar a superioridade dos EUA no Oceano Pacífico e projetar seu poderio por outros mares.

Os americanos, por sua vez, apoiaram o Japão quando um pesqueiro chinês bateu num navio da Marinha japonesa em águas territoriais disputadas, vendem armas para Taiwan e fizeram uma parceria nuclear com a Índia.

Em 1971, o assessor de Segurança Nacional da Casa Branca, Henry Kissinger, foi a Beijim para jogar a carta da China contra a União Soviética na Guerra Fria. Os EUA podem usar agora a Índia e o Japão como parceiros para contrabalançar o superpoderio chinês.

Hoje a secretária de Estado, Hillary Clinton, chegou a Mianmar, um regime ditatorial que fazia parte do colar de pérolas, os aliados da China na região. Aproveita a abertura política no país para afastá-lo da China e atraí-lo para a esfera de influência dos EUA.

Para o professor John Mearsheimer, da Universidade de Chicago, um pensador da corrente realista citado por Pruessen, "a História mostra que isto não acaba bem".

Já o ex-assessor de Segurança Nacional dos EUA no governo Jimmy Carter, Zbigniew Brzezinski, acredita na Chimérica. Pensa que "a História não é um grande guia para olhar para a frente".

Criador do conceito de poder suave, o poder da persuasão e da comunicação, o professor Joseph Nye, da Universidade de Harvard, entende que "o mundo aprendeu com as guerras e crises do passado. Ainda existem paixões nacionalistas, mas as ações serão mais racionais".

Como o déficit comercial dos EUA com a China é o maior da História e os chineses são os maiores donos de títulos da dívida pública americana, "os EUA não estão em condições de adotar uma postura mais beligerante em relação à China", notou Pruessen. "A China também não pode tomar medidas contra os EUA sem dar um tiro nos próprios pés".

O cenário de interdependência, da Chimérica, é o mais provável. Vai evoluir para um Grupo dos Dois (G-2) que tomará todas as grandes decisões internacionais? É difícil, no mundo globalizado, concentrar tanto poder. Há um ônus da hegemonia, a sobre-extensão imperial, e o multilateralismo dá mais condições para enfrentar problemas globais, da crise econômica à mudança do clima.

"É virtualmente impossível prever os próximos 10 ou 15 anos. Há muita complexidade. A visão chinesa é extremamente otimista", como era no Super-Japão dos anos 80. "Os EUA têm sérios problemas, mas as empresas que estão mudando o mundo, como Apple, Google e Facebook, são americanas, têm grande energia criativa", acrescenta o professor Pruessen.

"Enquanto a China gastou US$ 300 bilhões para construir uma rede ferroviária para trens de alta velocidade", compara o historiador, um projeto suspenso depois de um acidente grave, "o presidente Obama não consegue US$ 65 bilhões do Congresso para lançar um novo programa de geração de empregos".

A China terá problemas demográficos. Por força da política do filho único para conter a natalidade, vai haver escassez de mão de obra para trabalhar e sustentar a previdência social. Seu crescimento não será sempre linear, a taxas elevadas. O país tem sérios problemas ambientais por causa da industrialização sem controle numa sociedade autoritária e problemas políticos em potencial.

Quando uma crise econômica séria afetar o bem-estar da sociedade chinesa, inevitavelmente o monopólio de poder do Partido Comunista será questionado: "Não é difícil imaginar que a economia da China tenha problemas. As consequências políticas e sociais podem ser enormes", admite o professor Pruessen.

"A classe média", como disse uma autoridade chinesa ao então embaixador brasileiro em Beijim, Luiz Augusto de Castro Neves, "é muito palpiteira".

Pruessen vê no multipolarismo crescente uma limitação ao que os EUA e a China poderão fazer unilateralmente como grandes potências. Ao mesmo tempo, os chineses se tornam cada vez mais influentes nas organizações internacionais. Isso implica uma adesão às normas, regimes e procedimentos do sistema internacional.

"Eles terão a sabedoria de manter um comportamento moderado e pragmático"? pergunta-se o professor da Universidade de Toronto. "A Alemanha pós-Bismarck mostra que grandes líderes podem ser substituídos por líderes irracionais".

Nas conferências de relações internacionais, os chineses afirmam ter aprendido com as lições das ascensões da Alemanha e da União Soviética, que levaram a duas guerras mundiais quentes e à Guerra Fria. Mas o fortalecimento militar da China e a atitude agressiva em relação a vizinhos com os quais têm questões territoriais aumentam a tensão na Ásia.

O declínio dos EUA gera o radicalismo de movimentos como a Festa do Chá, um grupo de radicais de direita que sonha em recriar um país idealizado do tempo dos Pais da Pátria. A única questão capaz de unir hoje os partidos Republicano e Democrata nos EUA é falar mal da China.

Na blogosfera chinesa, há um crescente militarismo nacionalista que parece medir a ascensão chinesa pela capacidade de confrontar os EUA. É preciso conter os radicais dos dois lados.

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