quarta-feira, 7 de março de 2007

Bush quer parcerias mas oferece pouco

O presidente George Walker Bush começa pelo Brasil nesta quinta-feira uma viagem de seis dias pela América Latina fragilizado. Sob intensa pressão por causa do fracasso da guerra no Iraque e da conseqüente derrota nas eleições parlamentares de novembro passado, quer parcerias para o desenvolvimento dos biocombustíveis e para tentar conter a “revolução bolivarista” do presidente da Venezuela, Hugo Chávez.

Para o Brasil, é uma grande oportunidade de negócios. O país é o maior produtor mundial de açúcar há séculos e tem um programa nacional de álcool combustível há mais de 30 anos. Por isso mesmo, os Estados Unidos não cortarão a sobretaxa de 54 centavos por galão (3,785 litros) de álcool que inviabiliza a exportação do produto brasileiro para o mercado americano.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva protestou para consumo interno. A diplomacia brasileira sabe muito bem que Bush não têm força para reduzir a proteção para o álcool americano.

Nos EUA, a política comercial é prerrogativa do Congresso. O senador republicano Charles Grassley, defensor dos produtores de milho do estado de Iowa, protesta até mesmo com a perspectiva de que o acordo que Bush e Lula vão assinar leve a investimentos para aumentar a produção de álcool no Brasil.

Mas a produção de álcool já consome 20% do milho produzido nos EUA, com rendimento muito menor do que o álcool de cana-de-açúcar, e o preço do grão subiu 80%, abalando o mercado, inclusive no México, onde o preço da tortilha, alimento básico da comida popular mexicana, provocou a maior crise do governo do novo presidente Felipe Calderón.

As exportações americanas, que dominam 70% do mercado internacional, vão despencar e a área plantada vai crescer mais de seis milhões de hectares tomando áreas hoje cultivadas com soja, prevê o professor Marcos Jank, diretor do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais. Os sojicultores brasileiros também ganham.

No discurso anual sobre o Estado da União que o presidente dos EUA faz perante o Congresso, prestando contas e anunciando seus planos para o novo ano, em janeiro deste ano, Bush prometeu substituir em 10 anos 15% da gasolina consumida nos EUA por combustíveis alternativos e renováveis. São 132 bilhões de litros, observa Jank, duas vezes e meia a mais do que a atual produção anual de etanol, de cerca de 50 bilhões de litros.

Este seria também o limite da produção americana de álcool de milho, a ser atingido em 2012. Por isso, os EUA querem desenvolver a produção de álcool de celulose, a partir de capim, restos de colheitas, bagaços e produtos florestais. Mas Jank imagina que sejam necessários pelo menos 10 anos para que se torne economicamente viável.

Juntos, Brasil e EUA produzem 72% do etanol. Hoje os biocombustíveis produzem uma energia equivalente que não chega a 1% da gerada por combustíveis fósseis como carvão e petróleo. O potencial de negócios é enorme em uma parceria em que o Brasil não se sente em posição de inferioridade, como era o caso da Área de Livre Comércio das Américas (ALCA).

BIOCOMBUSTÍVEIS
“A questão dos biocombustíveis cresce rapidamente na agenda de Bush”, declarou o professor I. M. Destler, da Universidade de Maryland e do Instituto de Economia Internacional, ao participar do seminário Política Comercial dos EUA, do Chile e do Brasil, realizado em 6 de março no Rio de Janeiro pelo Centro Brasileiro de Relações Internacionais. “São novas áreas para Bush, e o Brasil está à frente dos EUA nesta área”.

Bush quer reduzir a dependência americana do petróleo do Oriente Médio e pelo menos dar a impressão de estar fazendo algo contra o efeito estufa, uma vez que seu governo não assinou o Protocolo de Quioto, que tenta limitar as emissões dos gases que provocam o aquecimento da Terra

O acordo, na verdade um memorando de entendimento, a ser firmado na próxima sexta-feira, inclui:
• pesquisas para produção de álcool a partir da celulose;
• a criação de padrões de referência para que o álcool possa ser vendido como uma ‘commodity’ nas bolsas de mercadorias, o que interessa ao Brasil, já que os EUA dificilmente exportarão álcool;
• e a cooperação para desenvolver a produção de álcool na América Central e na região do Mar do Caribe, o que interessa aos EUA.

Em 31 de março, o presidente Lula vai aos EUA retribuir a visita.

“Queremos investimento e acesso a mercados”, disse Jank no seminário do Cebri. “Mas não teremos isso agora”.

No dia 9, Bush segue para o Uruguai, onde Lula esteve antes para tentar segurar o país vizinho no Mercosul, aparentemente com sucesso. O Uruguai gostaria de negociar um acordo de comércio e investimentos com os EUA mas comprometeu-se a fazer isso dentro das regras do Mercosul.

Para os EUA, dado o tamanho do Uruguai, com PIB de US$ 13 bilhões, o único interesse seria rachar o Mercosul, agora ampliado com a Venezuela de Hugo Chávez, o arquiinimigo de Bush na América do Sul.

De Montevidéu, o presidente americano segue dia 11 para a Colômbia, onde o presidente Álvaro Uribe, seu maior aliado sul-americano, está com problemas pelo envolvimento de membros de seu governo com grupos paramilitares de direita, as Auto-defesas Unidas da Colômbia.

O Congresso dos EUA quer garantias de que o governo linha-dura de Uribe respeita os direitos humanos para renovar a ajuda anual de US$ 700 milhões para o combate às drogas do Plano Colômbia. Com os ‘paras’ a seu lado, é difícil acreditar nisso.

Bush evita a Argentina de Néstor Kirchner, a Bolívia de Evo Morales e a Venezuela de Chávez. Kirchner e Chávez convocaram uma manifestação de protesto para Buenos Aires enquanto Bush estiver em Montevidéu. A presidente das Mães da Praça de Maio convidou Morales.

Nem Lula nem o Itamaraty quer se comprometer com a contenção de Chávez proposta pelos EUA, embora o caudilho venezuelano por vezes seja um aliado incômodo.

CHAVISMO
Com exceção de Chávez, do ponto de vista de Washington, a América Latina é uma região segura e estável, apesar da preocupação americana com focos de contrabando e lavagem de dinheiro com conexões com o terrorismo como a tríplice fronteira Brasil-Argentina-Paraguai.

As outras preocupações americanas com a região são a imigração ilegal e o tráfico de drogas, uma agenda negativa. Mais uma razão para a importância da cooperação em biocombustíveis.

O roteiro de viagem revela claramente a distinção que o governo dos EUA faz entre a esquerda pragmática e moderada representada por Lula e o presidente uruguaio, Tabaré Vázquez, e populismo de Chávez, Morales e Kirchner. “É a bênção de Bush ao modelo de esquerda que os EUA toleram e respeitam, frente ao neo-socialismo pregado por Chávez”, nota o jornal espanhol El País.

“Ganham as eleições os que oferecem um programa social ou programa que se adapta às necessidades dos eleitores”, reconhece o secretário de Estado adjunto para a América Latina, Tom Shannon, digerindo as últimas vitórias da esquerda. Na sua opinião, o eleitorado latino-americano marcha lentamente para o centro.

Bush vai ainda à Guatemala no dia 11, aliada no Iraque com profundas cicatrizes do tempo da Guerra Fria, quando 150 mil pessoas foram mortas, e sérios problemas de violações dos direitos humanos cometidas por agentes privados ou do Estado. Na pauta, comércio, segurança e narcotráfico.

A viagem termina no México, principal aliado dos EUA na América Latina, por força de sua fronteira comum de milhares de quilômetros, da imigração ilegal e do Acordo de Livre Comércio da América do Norte (Nafta). Será uma visita ao novo presidente Felipe Calderón, que teve sua eleição contestada pelo esquerdista Andrés Manuel López Obrador e que não tem maioria no Congresso.

Lá, a questão central para Bush é a imigração ilegal. O ideal é um governo mexicano que promova o desenvolvimento. Mas Calderón está preocupado com a chamada Batalha da Tortilha, culpa do aumento da demanda por milho para fabricar álcool nos EUA.

As promessas que o presidente americano fez diante da Câmara Hispana de Comércio em Washington, em 5 de março, não significam muito.

Diante das críticas sobre o desinteresse do Grande Irmão do Norte com a América Latina, o presidente anunciou uma “agenda de justiça social” para criar empregos e desenvolver os sistemas de saúde e educação. Mas ao todo a ajuda dos EUA à região será de US$ 2 bilhões, menos do que gasta em uma semana no Iraque.

Não basta para concorrer com os bilhões de petrodólares de Chávez.

Ao depor nesta semana na Comissão de Assuntos Militares do Senado, o novo diretor nacional de inteligência dos EUA, Michael Mc Connell, manifestou preocupação com a Venezuela pela “compra de 24 caças-bombardeiros russos Sukhoi-30 e desenvolvimento de sua própria indústria de armas”. Há também 100 mil rifles Kalachnikov que substituirão armas que os americanos temem que caiam no mercado negro, de guerrilheiros, terroristas e traficantes.

McConnell declarou que Chávez está criando um Exército politizado e uma rede de milícias que contrariam a tendência de democratização e reforço das instituições na maioria dos outros países da região, representando um perigo para o futuro.

O problema é que os EUA não têm instrumentos para pressionar Chávez. Enquanto os crônicos problemas sociais não forem atacados e os preços dos petróleo estiverem em torno de US$ 60 o barril, que é a previsão para este ano, se os EUA não atacaram o Irã, o antiamericanismo chavista, que o escritor Mario Vargas Llosa chamou de volta da “idiotia latino-americano”, continuará prosperando aqui e ali mas sem fincar raízes nos países mais modernos e avançados do continente.

Nenhum comentário: