Apesar dos protestos diários nas ruas de Caracas e outras cidades da Venezuela, é improvável uma queda imediata do presidente Nicolás Maduro, ao contrário do que aconteceu na Ucrânia. Nem na tragédia a América Latina é competitiva, lamenta o comentarista político venezuelano Moisés Naím, em artigo no jornal El Nacional.
Nas ruas de Kiev, houve uma batalha sobre as fronteiras da Europa, a segurança energética do continente, o domínio da Rússia sobre as ex-repúblicas soviéticas e o futuro do autoritarismo de Vladimir Putin dentro e fora de seu país. Na Venezuela, está em jogo apenas o chavismo e seu mal definido "socialismo do século 21".
Hugo Chávez Frías era aquele tipo de caudilho maior do que o mundo, lúcido e inteligente, mas arrogante e boquirroto. Estabeleceu uma relação direta das massas que lhe permitiu atropelar constantemente as instituições de sua própria revolução bolivarista.
Seu sucessor, Nicolás Maduro, não tem nem de longe nem a inteligência nem o carisma do comandante morto prematuramente por um câncer que tentou esconder da opinião pública.
Desde que Chávez se afastou para fazer tratamento em Cuba, em dezembro de 2012, a Venezuela é governada por um colegiado. Maduro é a face mais visível do regime. Por trás dele, há outras figuras, com destaque para o presidente da Assembleia Nacional, Diosdado Cabello, companheiro de armas de Chávez no fracassado golpe de 4 de fevereiro de 1992 contra o presidente Carlos Andrés Pérez.
Foi Cabello quem escoltou o líder oposicionista Leopoldo López até um tribunal militar. É Cabello que tem maior trânsito entre os militares, que são a base de sustentação do chavismo, especialmente depois da cubanização do regime em 2003, em reação ao golpe contra Chávez de 11 de abril de 2002.
Com uma ajuda anual de US$ 5 bilhões em petróleo, equivalente à que Cuba recebia da extinta União Soviética, o chavismo se tornou o principal sustentáculo da ditadura dos irmãos Castro, grandes interessados portanto em manter o regime venezuelano.
Quando era ministro do Exterior sob Chávez, Maduro era a face moderada, diplomática e conciliadora do chavismo, um homem de diálogo. No poder, talvez inseguro por ganhar a eleição de 14 de abril de 2013 por apenas 1,4% dos votos, ele adotou o estilo confrontacionista de Chávez sem ter a mesma eloquência. Quando fala em "burguesia parasitária" ou "oposição nazifascista", soa como uma retórica vazia.
Para o analista político Omar Noria, citado pelo jornal venezuelano El Nacional, é "alguém que não tem luz própria, um personagem que funciona dentro de uma administração caótica e que frente a essas fraquezas apelou para aumentar a repressão e a intolerância". Neste cenário de violência, Noria acredita que o poder de fato esteja com Cabello.
A incompetência de Maduro fica evidente em medidas como a criação de 111 vice-ministérios, inclusive da Suprema Felicidade, que se somam aos 32 ministérios para formar um formidável aparato democrático de duvidosa eficiência administrativa.
Com a onda de protestos iniciada em 12 de fevereiro de 2014, ressurgiu a liderança de López, ex-prefeito de Chacao, na região metropolitana da capital. Líder do partido Vontade Popular, ele rompeu com a estratégia de diálogo adotada pelo governador Henrique Capriles, candidato derrotado nas duas últimas eleições presidenciais, e convocou a população a sair às ruas, sendo logo atendido por estudantes insatisfeitos com a crise econômica.
Antes do golpe de 2002, Chávez criou as Células Bolivaristas, milícias populares para defender sua revolução. Depois da tentativa de derrubá-lo, cercou-se de assessores militares e de segurança cubanos, promoveu expurgos nas Forças Armadas, fortaleceu e ampliou as milícias e os "coletivos", equivalentes aos comitês de defesa da revolução em Cuba.
Maduro aprendeu com Chávez que os militares são ao mesmo tempo a maior garantia e a maior ameaça à revolução bolivarista. "No atual cenário de efervescência social, as Forças Armadas são o principal sustentáculo do governo Maduro. É um governo militarista e pretoriano, que se apoia nos militares, apesar de ser civil."
Nos primeiros nove meses de governo, Maduro nomeou 368 militares para cargos públicos, inclusive oito ministros e 11 governadores. Os ministros da Economia, do Interior, da Defesa e dos Transportes, e o intendente nacional de preços justos são militares.
Além do aumento de 60% nos soldos, Maduro apoiou a criação de um canal de televisão, um banco, uma construtora e uma processadora de alimentos das Forças Armadas. Há um certo descontentamento com a excessiva influência de Cuba, mas qualquer dissidência ideológica é punida com expurgo.
Se na Argentina uma derrota do kirchnerismo nas eleições de 2015 mudará as condições de governabilidade do país, na Venezuela, a militarização do regime chavista torna qualquer mudança muito mais difícil. As milícias e os coletivos podem reagir em defesa da revolução que desaba sob o peso de uma crise econômica gerada por seus próprios erros e a tentativa de ressuscitar o marxismo no século 21.
Este é o blog do jornalista Nelson Franco Jobim, Mestre em Relações Internacionais pela London School of Economics, ex-correspondente do Jornal do Brasil em Londres, ex-editor internacional do Jornal da Globo e da TV Brasil, ex-professor de jornalismo e de relações internacionais na UniverCidade, no Rio de Janeiro. Todos os comentários, críticas e sugestões são bem-vindos, mas não serão publicadas mensagens discriminatórias, racistas, sexistas ou com ofensas pessoais.
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