domingo, 23 de fevereiro de 2014

Terrorismo tupiniquim e o desafio democrático

Hoje fui citado na coluna de Merval Pereira, no jornal O Globo, no debate sobre a legislação para combater manifestações políticas violentas. Digo que não se pode graduar as penas de arruaceiros como se fossem da rede terrorista Al Caeda, mas também não dá para ignorar que explodir uma bomba no meio da multidão pode ser enquadrado como terrorismo.

A questão central do terrorismo não está na legitimidade da causa, mas na legitimidade do uso da força. É legítimo usar a força numa sociedade democrática? Quais são os alvos legítimos da violência política?

Em princípio, só em legítima defesa, ou seja, se os manifestantes pacíficos forem atacados pela polícia, têm o direito de se defender, mas não explodindo bombas.

Outro argumento é que a democracia não funciona. De nada adiantaria fazer passeatas e manifestações pacíficas pedindo a melhoria na saúde, educação, transportes e segurança pública. Se não houver quebra-quebra, as autoridades eleitas ignoram as demandas da população. Isto justificaria o uso da força.

No mesmo sentido, quando o secretário-geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho, alega que proibir manifestações violentas vai criminalizar os movimentos sociais, aproxima-se do guru do kirchnerismo, Ernesto Laclau, e sugere que há um "papel revolucionário" para a violência política.

Laclau argumenta que a Constituição e as leis de sociedades conservadoras tendem a congelar o status quo, não contribuindo para resolver os problemas sociais. Daí a necessidade de convocar uma Assembleia Constituinte para "refundar" a sociedade no modelo do bolivarismo de Hugo Chávez.

Uma questão central para a esquerda no mundo pós-Muro de Berlim é se a democracia é um valor em si ou apenas uma etapa ou instrumento para a construção do socialismo, a chamada "democracia burguesa", incapaz de vencer a exclusão social. Nesta caso, oprimidos e explorados teria o direito de combatê-la com violência.

Se é permitido usar a força, é preciso discutir ainda quais são os alvos legítimos da violência política: o Estado e seus agentes, as grandes empresas? E quais os limites para o uso dessa força?

Sob inspiração do movimento antiglobalização, os Black Blocs atacam bancos e grandes empresas capitalistas. Mas como observou o intelectual italiano Umberto Eco, se Karl Marx, o primeiro teórico da globalização, previu que o capitalismo se expandiria pela Terra inteira, é inútil matar presidentes de multinacionais, como faziam grupos radicais como as Brigadas Vermelhas e o Baader-Meinhof nos anos 1970s.

De que adianta atacar bancos? Eles simplesmente vão repassar o prejuízo a seus clientes.

Sinceramente, não vejo como legitimar o uso da força em protestos numa sociedade democrática. A violência afasta das ruas a maioria pacífica, cria situações de caos com batalhas campais nas ruas que acabaram matando o cinegrafista Santiago Andrade. Poderia ter sido qualquer inocente que estivesse andando naquela hora naquele lugar - e isso é intolerável.

Nenhum comentário: