quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

O que é terrorismo?*

Conceito de terrorismo. Não existe uma definição acadêmica universalmente aceita. Em uma definição provisória, o terrorismo é o ataque indiscriminado, geralmente uma série de ataques, contra civis inocentes escolhidos ao acaso para quebrar a fibra moral do inimigo. As formas mais comuns de terrorismo são assassinatos seletivos ou em massa, sequestros, a explosão de bombas e o envenenamento com agentes químicos ou biológicos.

O que caracteriza o terrorismo fundamentalmente, na minha opinião, é a ilegitimidade do alvo. Quando é legítimo usar a força? Por princípio básico das sociedades democráticas, só em legítima defesa. O uso da força é monopólio do Estado, exercido através da polícia para segurança interna e das Forças Armadas para defesa contra agentes externos.

Soldados de uma força de ocupação podem ser considerados alvos legítimos, mas ônibus, bares, restaurantes, estações de trem ou ônibus, aeroportos, aviões, escolas e ônibus escolares certamente não são. O problema está nos casos mais complexos: um empresário que financia grupos paramilitares que agem como esquadrões da morte é um alvo legítimo?

Quando o presidente George W. Bush declarou guerra ao terrorismo, logo apareceram especialistas em questões militares para dizer que não pode haver guerra contra o terrorismo porque o terrorismo é uma tática de guerra, não é um inimigo em si.  Como tática de guerra, provavelmente o terrorismo seja tão antigo quanto o homem, fruto de sua própria natureza animal e das feras que enfrentava para sobreviver.

Na história, há inúmeros crimes de guerra e atrocidades que podem ser enquadrados no conceito moderno de terrorismo, que certamente não existia na Antiguidade e na Idade Média, quando essas táticas de guerra eram consideradas normais. As leis da guerra são fruto da modernidade.

Gengis Khan, um dos maiores generais de todos os tempos, arrasou Herat, que hoje fica no Afeganistão porque um sobrinho que escolhera como herdeiro foi morto num ataque à cidade. De uma população estimada em 150 mil, sobraram 60 pessoas.

Ivã, o Terrível, czar da Rússia (1547-84), certamente era um terrorista. Paranoico, criou a primeira polícia política russa.

Mas o terrorismo político, o uso consciente e planejado do terror como arma política, começa na segunda fase da Revolução Francesa, o Período do Terror ou da Convenção (1792-95), quando o Comitê de Salvação Nacional mandou para a guilhotina milhares de pessoas, a começar pelo rei e a rainha da França.

Dos principais líderes daquele período da Revolução Francesa, Jean-Paul Marat foi assassinado no banho por sua amante Charlotte Corday, e Jean-Jacques Danton e Maximiliano Robespierre foram guilhotinados.

A revolução devorava seus próprios filhos.

Já a guilhotina tinha aquele sentido de ser uma máquina de matar científica. Seu inventor, Monsieur Guillotin, foi guilhotinado.

Nas execuções na forca e na degola, às vezes o condenado não morria logo. Era preciso criar uma maneira eficiente de matar porque a revolução tinha de matar muita gente. Tinha aquela ideia do banho de sangue purificador que varreria da terra a velha ordem e seus representantes para a construção de um mundo novo.

O terror era um instrumento fundamental para destruir as antigas estruturas. O terrorismo político, portanto, começou como terrorismo de Estado. E todas as revoluções violentas seguiram a fórmula.

No século 19, o terrorismo se tornou endêmico na região dos Bálcãs, onde nos anos 1990s se revelou um fator central nas guerras que destruíram a Iugoslávia.

No século 20, virou um instrumento importante do arsenal de grupos guerrilheiros e movimentos de libertação nacional. Durante todo este tempo, foi amplamente utilizado por Estados Nacionais e suas polícias políticas. Adolf Hitler e Josef Stalin foram os maiores terroristas da história, com Mao Tsé-tung logo atrás.

O que assistimos perplexos em 11 de setembro de 2001 foi a globalização do terrorismo. Desde 1945, havia majoritariamente atos terroristas em conflitos internos como guerras de libertação nacional, caso dos palestinos, da Irlanda do Norte, da ETA, dos grupos guerrilheiros e dos paramilitares da América Latina, da guerra civil libanesa (1975-90) para citar alguns exemplos importantes que marcaram a memória de que viveu nas décadas de 1960, 70 e 80.

No Oriente Médio, o terrorismo é endêmico. Todos os Estados e todos os grupos armados da região podem ser acusados de alguma forma de terrorismo.

Em 11 de setembro, os terroristas levaram o conflito do Oriente Médio para o coração da maior potência que o mundo jamais viu. Desfecharam um violento golpe de profundas implicações para a imagem e a autoimagem dos EUA. A destruição da imagem que uma sociedade tem de si mesma é um objetivo central do terrorismo.

Esse golpe sem precedentes só foi possível porque os terroristas da rede Al Caeda usaram as tecnologias modernas da era da globalização para atacar Nova York, o maior símbolo desta globalização. Usaram o avião a jato e a Internet, ao lado de facas simples de cortar caixas de papelão.

O aspecto simbólico é uma das características centrais do terrorismo. As ações terroristas precisam ser vistas. Precisam ter um impacto midiático para espalhar o terror, paralisar o inimigo pela supresa e pelo medo, e mobilizar voluntários dispostos a morrer como heróis em nome da causa (aspecto instrumental) e da glória (aspecto simbólico).

É um elemento importante na guerra da quarta geração. A bomba atômica acabou com a guerra convencional, que desde então é travada sobretudo nos quintais do mundo.

Durante a Guerra Fria, as superpotências travaram diversos conflitos indiretos em todo o mundo. No degelo da era Gorbachev, houve inúmeros acordos de paz, na América Latina, na África e na Ásia para acabar com essas guerras.

Depois do fim da Guerra Fria, a maioria das guerras se enquadra no conceito de guerra assimétrica, travada por um grupo irregular sem condições para enfrentar o inimigo, geralmente um Estado Nacional, em campo aberto numa guerra tradicional.

A guerra assimétrica borra as fronteiras entre civis e militares, entre guerra e política. Costuma ser um conflito de baixa intensidade, longo e com causas sociais profundas. É uma guerra de atrito, uma guerra de desgaste. O terrorismo é a tática mais comum, entre outras táticas de guerrilha.

Quando o comandante do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas dos EUA, Mike Mullen, declarou em 2009 que os EUA não estavam ganhando a guerra no Afeganistão, a conclusão é que estão perdendo. Porque os talebã tem todo o tempo do mundo, estão lutando em casa; os americanos é que precisam concluir a missão e voltar para casa.

Com o jihadismo, há uma transnacionalização que torna o terreno da guerra mais amplo e difuso. Há um ataque direto à cultura, ao sistema político do inimigo, em que a guerra psicológica é fundamental. Ela vai da manipulação da mídia ao terrorismo para conquistar ou aterrorizar corações e mentes.

A guerra, nas palavras do sociólogo canadense Marshall McLuhan, é a educação compulsória do inimigo, a tentativa de obrigá-lo a fazer o que a gente quer.

Como dizia Nelson Rodrigues, todo idiota sempre encontra uma boa causa que o justifique. Em nome desta causa, todos os métodos de pressão são considerados válidos por grupos extremistas, políticos, econômicos, sociais e militares. Mas nem sempre são legítimos.

* (Palestra proferida no 2º Congresso de Ciências Militares da Escola de Comando e Estado Maior do Exército, em 09/07/2009)

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