Como sempre na Rússia, o candidato do Kremlin ganhou. Com 98,6% dos votos apurados na eleição de hoje, o presidente Vladimir Putin está reeleito com quase 56,2 milhões de votos (77%) para um quarto mandato, agora de seis anos.
O segundo colocado é o candidato do Partido Comunista, Pavel Groudinine, com 8,6 milhões (11,8%), seguido pelo ultranacionalista Vladimir Jirinovsky com 4,1 milhão (5,6%) e pela jornalista Ksenia Sobchak com 1,2 milhão (1,67%).
Com a vitória garantida, a grande preocupação do Kremlin era com o comparecimento às urnas. Proibido de concorrer por causa de processos forjados, o principal líder da oposição, Alexei Navalny defendeu um boicote. De acordo com a Comissão Central Eleitoral, 64% ou 73,3 dos 110 milhões de eleitores russos foram às urnas.
Exilado em Moscou desde 2013 por revelar um megaesquema da espionagem dos Estados Unidos na Internet, o americano Edward Snowden denunciou no Twitter uma gigantesca fraude eleitoral.
Para o deputado Igor Morozov, o confronto com o Ocidente ajudou a reeleição: "Os americanos e britânicos têm de entender que não podem influenciar o resultado da eleição. Nossos concidadãos compreendem a situação em que a Rússia se encontra hoje."
Putin chegou ao poder em 1999 como primeiro-ministro de Boris Yeltsin, a quem sucedeu depois de iniciar a Segunda Guerra da Chechênia (1999-2000) em reação contra ações terroristas de extremistas muçulmanos no Norte do Cáucaso. Foi sua primeira tentativa de restaurar o poder imperial da Rússia, perdido desde o fim da União Soviética, em 1991, que ele considera a "maior catástrofe geopolítica do século 20".
Em março de 2000, Putin já estava no cargo como substituto de Yeltsin quando foi eleito presidente pela primeira vez. Ex-diretor do Serviço Federal de Segurança, sucessor do KGB (Comitê de Defesa do Estado), a polícia política soviética, Putin combateu a anarquia da era pós-URSS resgatando o autoritarismo.
A pretexto de combater movimentos nacionalistas pela independência como o da Chechênia, as eleições diretas para as hoje 83 unidades administrativas da Federação Russa foram suspensas. Aumentou o combate às ideias liberais, da censura à perseguição de homossexuais, jornalistas e defensores dos direitos humanos.
No plano internacional, a restauração do poder imperial soviético significa manter a esfera de influência de Moscou sobre o "exterior próximo", as antigas repúblicas da URSS, o antigo império interior soviético, e sobre o antigo Bloco Soviético na Europa Oriental, o antigo império exterior soviético.
Assim, as revoluções liberais Rosa (2003), na ex-república soviética da Geórgia, e Laranja (2004), na ex-república soviética da Ucrânia, foram vistas como conspirações do Ocidente para enfraquecer a Rússia. Em 2008, a Rússia interveio na Geórgia numa guerra rápida, consolidando o poder de aliados de Moscou nas regiões da Abecásia e da Ossétia do Sul.
Com a alta nos preços internacionais do petróleo, a economia russa se recuperou do colapso de agosto de 1998 e teve boas taxas de crescimento até a Grande Recessão (2008-9), quando levou um tombo de 8%. Putin aproveitou para reconstruir o única indústria competitiva da Rússia, o setor bélico.
De 2008 a 2012, cumprindo o limite constitucional uma reeleição, Putin trocou de lugar com o primeiro-ministro Dimitri Medvedev, um fiel escudeiro que nunca tentou um golpe palaciano.
Na campanha para as eleições parlamentares de dezembro de 2011, em plena Primavera Árabe, Putin viu a influência do Ocidente nas grandes mobilizações da oposição e lançou nova onda repressiva contra liberais em geral e as organizações não governamentais, especialmente as estrangeiras.
O conflito com o Ocidente se acirrou com a revolta popular na Ucrânia, em novembro de 2013, quando o presidente Viktor Yanukovich abandonou uma negociação para fazer um acordo com a União Europeia. Na visão de Putin, mais uma tentativa de enfraquecer a Rússia, como se a Ucrânia não tivesse o direito de entrar para a UE.
Desta vez, Putin decidiu reagir. Logo depois da queda de Yanukovich, em fevereiro de 2014, soldados da Frota do Mar Negro, baseada no porto de Sebastopol, começaram a assumir o controle da região da Crimeia, onde a maioria da população é de origem russa. Há quatro anos, a Rússia anexava oficialmente a Crimeia.
Em abril de 2014, com inspiração, armas, dinheiro, mercenários e soldados da Rússia, começava uma rebelião em províncias do Leste da Ucrânia com maioria de origem étnica russa. Mais de 10 mil pessoas foram mortas até novembro de 2017.
Os Estados Unidos e a União Europeia impuseram sanções que agravaram a crise econômica da Rússia, abalada pela queda nos preços internacionais do petróleo, que baixaram de US$ 110 por barril em junho de 2014 para pouco mais de US$ 60 hoje.
Com a deterioração da economia, Putin usa a guerra para insuflar uma onda nacionalista e apresentar a Rússia como vítima de uma conspiração internacional. Em 30 de setembro de 2015, a Rússia entrou na guerra civil da Síria em apoio à ditadura de seu aliado Bachar Assad para preservar sua base naval em Tartus, no Mar Mediterrâneo, e se reafirmar como grande potência no Oriente Médio.
Esse apoio foi decisivo para o regime de Assad recuperar o controle sobre a maior parte do país, enquanto Putin tenta articular um acordo de paz que o mantenha no poder contra a vontade dos EUA e seus aliados europeus.
A julgar pelo resultado das urnas, as bravatas militaristas de Putin tem apoio popular. O envenenamento de um ex-agente duplo russo na Inglaterra e a reação indignada do governo britânico, com a expulsão de 23 diplomatas de cada lado, reforçaram a imagem de líder todo-poderoso que Putin tenta apresentar aos russos.
Este é o blog do jornalista Nelson Franco Jobim, Mestre em Relações Internacionais pela London School of Economics, ex-correspondente do Jornal do Brasil em Londres, ex-editor internacional do Jornal da Globo e da TV Brasil, ex-professor de jornalismo e de relações internacionais na UniverCidade, no Rio de Janeiro. Todos os comentários, críticas e sugestões são bem-vindos, mas não serão publicadas mensagens discriminatórias, racistas, sexistas ou com ofensas pessoais.
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