A política externa é o tema central do último debate entre os candidatos à Presidência dos Estados Unidos, realizado agora em Boca Raton, na Flórida, um dos estados-chaves na eleição de 6 de novembro.
No meu balanço final, o presidente foi melhor, num debate mais equilibrado do que os anteriores. Obama foi mais articulado, mas tinha a experiência no cargo. Não houve uma grande diferença de posições.
O jornalista Bob Schiefer, da rede CBS, iniciou o debate lembrando que há exatamente 50 anos o presidente John Kennedy revelou ao mundo que a União Soviética estava instalando mísseis nucleares em Cuba. Mas os problemas hoje são menores. A primeira pergunta foi sobre a Líbia.
Para o candidato republicano, o ex-governador de Massachusetts Mitt Romney, as revoluções no mundo árabe criam novas oportunidades, mas "a guerra civil na Líbia matou 50 mil, o Norte do Máli está tomado por um grupo ligado à rede terrorista Al Caeda e o Irã há quatro anos de fazer a bomba atômica". Em outras palavras, o governo Barack Obama não aproveitou as oportunidades
"Precisamos de uma estratégia complexa para conter o extremismo muçulmano", propôs Romney.
Obama usou a autoridade do cargo para tentar mostrar Romney como desqualificado.
Como comandante-em-chefe, respondeu o presidente Obama, "dizimamos a rede terrorista Al Caeda. Em relação à Líbia, quando recebi aquele telefonema [sobre a morte do embaixador americano], minha primeira providência foi proteger os que ainda estavam lá; a segunda, mandar investigar os fatos; e a terceira, perseguir os responsáveis".
No melhor estilo caubói, o ex-governador disse que "é preciso ir atrás dos maus elementos, mas ao mesmo tempo ajudar os países do Oriente Médio".
Agressivamente Obama tentou desqualificar Romney como despreparado para presidir os EUA: "Você foi a favor de invadir o Iraque quando não havia armas de destruição em massa e acha que ainda deveríamos ter tropas no Iraque. Todas as posições que tomou foram erradas."
Para o ex-governador, a Rússia ainda é um adversário estratégico, o que Obama apontou como um pensamento do passado da Guerra Fria, mas a maior preocupação de segurança nacional é com o desenvolvimento de armas atômicas pelo Irã.
"Se há algo que aprendi como comandante-em-chefe, é que é preciso mandar um recado claro a aliados e inimigos", afirmou o presidente, em tom professoral, acrescentando que "os EUA não devem ficar construindo outras nações, devem construir esta nação".
Obama defendeu a posição americana de não armar os rebeldes sírios, sob o argumento de que os EUA temem que as armas caiam nas mãos de grupos terroristas.
Romney disse que chegou a hora de identificar os líderes dentro da Síria capazes de assumir a responsabilidade pelo país, em aliança com sauditas e catarinos, entre outros aliados: "Acho que Assad vai embora, mas precisamos saber quem virá no lugar para que a Síria seja um parceiro responsável no Oriente Médio. Mas entregamos a negociação à ONU e ao ex-secretário-geral Kofi Annan, que propôs uma trégua. Temos de assumir a liderança".
O presidente contra-argumentou que os EUA criaram o Grupo de Amigos da Síria e citou o exemplo da Líbia: "Muamar Kadafi tinha mais sangue de americanos nas mãos do que Ossama ben Laden. Mas tínhamos de tomar medidas cautelosas".
Nem o candidato republicano quer colocar tropas americanas na Síria. Para não ser confundido com George W. Bush, faz questão de se apresentar como um moderado. Acaba de se declarar contra a imposição de uma zona de proibição de voo, o que obrigaria a Força Aérea da OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte) a destruir as defesas antiaéreas da ditadura de Bachar Assad.
"Queremos promover uma liderança síria moderada. É o tipo de liderança que temos de oferecer neste caso", receitou Obama.
Em relação ao Egito, o presidente declarou que o acordo de paz com Israel é fundamental, "mas o que vai fazer da revolução egípcia um sucesso é a economia do país. Temos feito conferência sobre empreendedorismo. Para os EUA terem sucesso no Oriente Médio, há coisas que temos de fazer em casa para voltarmos a ser modelo para o resto do mundo".
O candidato republicano criticou o corte de US$ 1 trilhão no orçamento de defesa, afirmando que "os EUA precisam ter as maiores Forças Armadas do mundo. Os EUA têm a obrigação e o privilégio de defender a liberdade, a democracia, os direitos humanos e eleições livres. Onde há eleições, o povo não vota a favor da guerra. Precisamos fortalecer nossos militares porque haverá desafios à frente que não podemos prever. Eu não vou cortar o orçamento militar. Sou conta a fricção entre Israel e os EUA. Quando o povo saiu às ruas na Revolução Verde no Irã, o presidente ficou quieto".
Obama defendeu uma liderança em conjunto com os aliados e acusou o Partido Republicano de enfraquecer as relações com os aliados tradicionais, mas voltou a questão para a economia interna, a geração de empregos, a qualificação dos americanos para a economia do futuro.
No modelo econômico de Romney, os EUA alcançarão a sonhada autossuficiência em energia, o déficit público será eliminado e o comércio com a América Latina será revigorado: "A América Latina é tão grande quanto a China".
Só que o candidato republicano não fala como vai fazer isso, nem em nenhum país da região. Seu programa de governo ignora o Brasil. Para quem Romney vai ligar na América Latina?
O presidente insistiu que Romney não vai equilibrar o orçamento gastando US$ 2 trilhões além do que quer o Pentágono. O ex-governador garante que não vai reduzir os gastos militares. Obama diz o mesmo, afirmando que os cortes propostos mantêm o nível atual.
Obama reafirmou o compromisso com a defesa de Israel e garantiu que, "enquanto eu for presidente dos EUA, o Irã não terá uma bomba atômica. Fazemos isso porque um Irã nuclear é uma ameaça à segurança, pode deflagar uma corrida armamentista nuclear na região mais perigosa do mundo".
Depois de ameaçar durante a campanha, no debate, Romney defende um cerco diplomático e econômico contra o regime fundamentalista iraniano: "As sanções estão funcionando". Ele quer ainda tratar os diplomatas iranianos como os representantes do extinto regime segregacionista do apartheid na África do Sul. Obama sorriu com ironia.
A questão é quando os EUA iriam à guerra contra o Irã para evitar que a república islâmica tenha armas nucleares. Ambos falam em "último recurso".
"Esse regime de sanções foi construído meticulosamente", argumentou o presidente. "Fizemos questão de ter a participação de todos. Precisamos manter esta pressão. Eles precisam se submeter a inspeções rigorosas. Não vamos deixar o Irã participar eternamente de negociações infrutíferas. O tempo está correndo. Se eles não tomarem as medidas necessárias para adotar as regras da comunidade internacional, tomaremos todas as medidas necessárias para impedir o Irã de ter uma bomba atômica."
Voltando ao ataque, em tom indignado, Romney acusou Obama de estender a mão para Fidel Castro, Kim Jong Il e Mahmoud Ahmadinejad, que ele ameaça enquadrar num tribunal internacional "por incitar ao Holocausto".
Na opinião de Obama, a questão é saber que presidente dos EUA saberá ficar do lado correto da história. Romney pinta um cenário de horrores no Oriente Médio, "o déficit com a China", a Coreia do Norte exportando tecnologia nuclear, "culpa do presidente por negligenciar a economia e os militares". Martelou ainda numa suposta fricção entre o governo Obama e o governo ultraconservador israelense de Benjamin Netanyahu.
O presidente americano lembrou a morte de Ben Laden e outras decisões que apresentou como difíceis, mas necessárias. Ignorou as mortes de mais de 2,3 mil em ataques dos aviões não tripulados dos EUA, talvez o grande crime do governo Obama em política externa.
Será impossível abandonar o Afeganistão por causa do vizinho Paquistão e sua importância como potência industrial regional, observou Romney. A questão era o que fazer se as forças de segurança afegãs não forem capazes de resistir aos Talebã e outros grupos radicais.
A Guerra do Afeganistão, iniciada em 7 de outubro de 2001 em resposta aos atentados de 11 de setembro daquele ano, já é a mais longa da História dos EUA. Nenhum candidato à Casa Branca pode prometer a continuidade da guerra.
Obama desviou a questão para falar no atendimento aos veteranos, atendimento profissional e assistência para sua recolocação no mercado de trabalho, uma resposta um tanto demagógica.
O ex-governador aposta numa negociação com o Paquistão para que este país assuma o controle. As relações bilaterais nunca foram tão ruins, fruto da morte de 24 soldados paquistaneses num ataque errado dos EUA na fronteira com o Afeganistão e da violação do território do suposto aliado para matar Ben Laden.
Em resposta, Romney afirmou que Al Caeda não está desmanteladaa e a paz entre israelenses e palestinos ainda está longe por falta de liderança de Obama: "Não tenho visto progresso no Oriente Médio".
"No Egito, estamos do lado da democracia; na Líbia, estamos ao lado do povo", reagiu Obama. "Sabemos que há atividades terroristas, mas Al Caeda está muito mais fraca, com menos capacidade de atacar os EUA e nossos aliados do que quatro anos atrás".
A maior ameaça aos EUA, para Obama, é "essa rede de organizações terroristas. A China não será um inimigo. Pode ser um parceiro na sociedade internacional, se seguir as regras. Vamos agir para combater práticas comerciais desleais. Vamos levar estas questões seriamente".
Romney entende que "a maior ameaça à segurança nacional é um Irã nuclear. A China pode ser uma parceira. Tem de criar empregos para 20 milhões de pessoas por ano. Mas não podemos aceitar práticas como manipulação do câmbio. No primeiro dia do meu governo, vou declarar a China manipuladora do câmbio, o que vai me autorizar a impor sobretaxas", sem explicar como explicar isso à parceira.
"As exportações dobraram no meu governo", alegou Obama, "e estamos negociando acordos comerciais para fazer a China seguir as regras".
No recado final, o presidente tentou marcar posição, acusando Romney de não ter políticas para equilibrar o orçamento nem para fazer os ricos pagarem o preço da crise. Obama prometeu usar o dinheiro público para investimentos em educação e tecnologia para preparar sua força de trabalho para o futuro.
Como último a falar, o candidato da oposição se apresentou como o único capaz de promover o crescimento da economia, gerar empregos e fazer uma aliança bipartidária no Congresso para restaurar a grandeza dos EUA, a esperança de liberdade no mundo, a "esperança do mundo".
O mundo não está mais esperando pelos EUA.
Este é o blog do jornalista Nelson Franco Jobim, Mestre em Relações Internacionais pela London School of Economics, ex-correspondente do Jornal do Brasil em Londres, ex-editor internacional do Jornal da Globo e da TV Brasil, ex-professor de jornalismo e de relações internacionais na UniverCidade, no Rio de Janeiro. Todos os comentários, críticas e sugestões são bem-vindos, mas não serão publicadas mensagens discriminatórias, racistas, sexistas ou com ofensas pessoais.
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