sábado, 6 de outubro de 2012

Chávez aposta tudo na terceira reeleição

A Venezuela vota amanhã na eleição presidencial mais disputada no país em décadas. O presidente Hugo Chávez, no poder desde 1999, luta por um quarto mandato, depois de ter sobrevivido a um golpe de Estado em 2002 e a um câncer, de reduzir significamente a pobreza e de anunciar um mal definido "socialismo do século 21".

Chávez lidera a maioria das pesquisas e usa toda a máquina do Estado, mas uma vitória de Henrique Capriles não impossível.

Se perder, Chávez entrega o poder? Eis a questão central desta eleição. Com sua retórica populista inflamada, o caudilho venezuelano declarou na campanha que até os ricos e a burguesia deveriam votar porque a alternativa a sua "revolução bolivarista" seria uma "guerra civil". As massas rebeladas com a derrota do poder popular tomariam as ruas e completariam a tarefa.

Quem entrou na política como golpista não abandonou o golpismo.

CARACAÇO
Em 1989, depois de eleger presidente prometendo combater as políticas neoliberais do chamado Consenso de Washington (Estado mínimo, privatização, disciplina fiscal, taxas de juros reais positivas), Carlos Andrés Pérez introduziu políticas impostas pelo Fundo Monetário Internacional (FMI).

Um grande aumento nos preços da gasolina, historicamente subsidiada num país com as maiores reservas comprovadas de petróleo do mundo, provocou uma revolta popular na capital do país conhecida como Caracazo. Pelo menos 276 foram mortas na violenta repressão popular.

Revoltado com o Caracazo, a corrupção endêmica e o controle da oligarquia sobre a riqueza do petróleo, o coronel Hugo Chávez Frías começou a planejar a Operação Zamora.

TENTATIVA DE GOLPE
Sua tentativa de golpe contra Andrés Pérez, deflagrada em 4 de fevereiro de 1992, teve até bombardeio aéreo ao Palácio Miraflores, em Caracas. Mas sua parte na ação militar foi um fracasso. Sem comunicação, isolado, Chávez foi preso, mas teve a chance de ir à televisão e pedir desculpas à população. Ele também perdeu militarmente no primeiro momento do golpe de 11 de abril de 2002. Mas, nos dois casos, ganhou politicamente.

O pronunciamento na televisão marca a transição definitiva de Hugo Chávez de militar para político.

A tentativa de golpe ajudou a divulgar o manifesto do Movimento Nacionalista Bolivarista. Foi inspirado no caudilho venezuelano Simón Bolivar, o herói mais famoso da independência da América Latina.

Bolivar foi um pioneiro da integração latino-americana não para se opor aos Estados Unidos, como propõe Chávez, mas para tentar se equiparar ao Grande Irmão do Norte. Na releitura marxista-chavista do Libertador, a questão central é o antiamericanismo.

Com a crise econômica iniciada na Ásia em 2 de julho de 1997, o preço internacional do barril de petróleo desabou para menos de US$ 10. A Venezuela quebrou.

VITÓRIA ELEITORAL
Naquele ambiente de ruína econômica, em 1998, com 56% dos votos, Chávez venceu Henrique Salas Römer, um economista formado na Universidade de Yale, nos EUA, apoiado pelos partidos tradicionais, o Copei (democrata-cristão) e a Ação Democrática, que um dia fora populista de esquerda sob Andrés Pérez, alvo da tentativa de golpe de 1992.

Foi a primeira de uma onda de vitórias da esquerda na América Latina. Lula ganhou no Brasil em 2002, Néstor Kirchner na Argentina em 2003, Tabaré Vázquez no Uruguai em 2004, Evo Morales na Bolívia em 2005 e Rafael Correa no Equador em 2006.

Ao tomar posse, em 2 de fevereiro de 1999, Chávez alterou o texto do juramento presidencial, negando lealdade à Constituição da Venezuela: "Juro a meu povo sobre esta Constituição moribunda fazer as mudanças democráticas necessárias para que a nova república tenha uma Carta Magna de acordo com estes novos tempos".

Um de seus primeiros atos foi convocar um referendo sobre uma Assembleia Nacional Constituinte. Em 25 de abril de 1999, 88% votaram a favor da proposta. Na eleição para a Constituinte, em 25 de julho do mesmo ano, o chavismo elegeu 95% dos deputados. Em 12 de agosto, a Constituinte se deu o direito de extinguir instituições e demitir funcionários públicos suspeitos de corrupção.

Em dezembro de 1999, com um comparecimento às urnas inferior a 50%, que indicava uma certa fadiga eleitoral, 72% aprovaram a Constituição da República Bolivarista da Venezuela, com novos direitos para as mulheres e as populações indígenas, e os direitos à alimentação, habitação, saúde e educação.

PROGRAMAS SOCIAIS
No plano social, Chávez tinha lançado em 27 de fevereiro de 1999, décimo aniversário do Caracazo, o Plano Bolívar 2000, orçado em US$ 113 bilhões. Cerca de 70 mil oficiais do Exército foram mobilizados para restaurar ruas, estradas, escolas e hospitais, oferecer assistência médica, vacinar e vender comida a preços baratos.

Foi o início de um trabalho que reduziu a pobreza na Venezuela de 50% para menos de 30% da população e a miséria de 25% para 8%. Daí vem a grande base eleitoral do chavismo, que, como o peronismo, não vai desaparecer mesmo se for derrotada nas urnas neste domingo.

A nova Constituição previa a realização de uma "megaeleição". Pela primeira vez na História da Venezuela, as eleições para presidente, deputados, governadores, prefeitos e vereadores foi realizada no mesmo dia, 30 de julho de 2000.

Chávez teve 60% dos votos, batendo Francisco Arias Cárdenas, da Causa Radical, que na sua origem em 1971 fora um movimento de esquerda revolucionária, em outro sinal da desintegração política e da derrota ideológica da oligarquia venezuelana, que só agora com Capriles consegue apresentar uma resposta eleitoral ao chavismo, em grande parte pelos abusos de poder do próprio Chávez.

GOLPE DE 2002
A revolução bolivarista se radicaliza com o golpe de 11 de abril de 2002, apoiado pelos governos de George W. Bush, nos EUA, e de José María Aznar, da Espanha, o que levaria Chávez a discutir com o primeiro-ministro José Luis Rodríguez Zapatero e ouvir o famoso "por que não te calas?" do rei Juan Carlos II numa conferência de cúpula ibero-americana.

Em meio a crescentes manifestações de protesto, em 11 de abril, pelo menos 20 pessoas morreram e 110 saíram feridas de confrontos entre chavistas, antichavistas e a polícia. Militares descontentes com a revolução deram o golpe com o apoio da federação das entidades empresariais Fedecámaras. Chávez foi preso e poderia ter sido morto.

O milionário Pedro Carmona, líder da federação empresarial, assumiu a chefia do Estado, aboliu a Constituição chavista, dissolveu o parlamento e nomeou um ministério para governar o país num pequeno comitê. As manifestações em defesa do presidente e a falta de apoio político a um projeto claramento ditatorial levaram ao colapso do golpe e à restauração do poder de Chávez em 14 de abril.

Em reação ao golpe, Chávez passou a comprar armas para fortalecer o regime, como 100 mil fuzis AK-47, aviões de guerra e helicópteros de combate da Rússia e Supertucanos do Brasil. A aproximação com Cuba, que vinha desde a vitória de Chávez, tornou-se mais ideológica resultando na proposta do "socialismo do século 21", anunciada a partir de 2005.

Depois de derrotar o golpe, de dezembro de 2002 a fevereiro de 2003, Chávez enfrentou uma greve dos gestores e profissionais da empresa estatal Petróleos de Venezuela (PdVSA) descontentes com a intervenção governamental cada vez maior na empresa. A PdVSA é a grande fonte de recursos para as Missões, os programas sociais do chavismo.

REFERENDO REVOGATÓRIO
Como a Constituição Bolivarista previa o referendo revogatório, dando direito ao povo de anular mandatos, a próxima jogada da oposição foi recolher assinaturas para convocar a consulta popular. Em 15 de agosto de 2004, com a participação de 70% dos eleitores inscritos, 59% decidiram manter o presidente no poder.

O eleitor chavista tinha mudado. Com a guinada para a esquerda, ele tinha sido abandonado pela classe média que votara nele em 1998 como um candidato anticorrupção e contra a política tradicional. Seu apoio vinha cada vez mais das camadas mais pobres da população beneficiadas diretamente pelas políticas sociais.

Para unificar esse apoio, ele criou em janeiro de 2006 o Partido Socialista Unido da Venezuela.

Chávez ganhou mais uma eleição presidencial, em dezembro de 2006, com 61% dos votos, contra Manuel Rosales, que fugiu para o exílio sob a ameaça de processos de uma Justiça subordinada ao Executivo. O chavismo destruiu a independência entre os poderes, o modelo idealizado pelo Barão de Montesquieu na Época das Luzes do século 18.

SOCIALISMO DO SÉCULO 21
A radicalização da revolução bolivarista levaria ao chamado "socialismo do século 21", que se afastava da social-democracia e da pregação de um socialismo democrático para se aproximar em alguns sentidos do modelo cubano. Chávez usou a expressão pela primeira vez em discurso no Fórum Social Mundial, em Porto Alegre, em 30 de janeiro de 2005 com base em ideas enunciadas por Heinz Dieterich, um sociólogo alemão residente no México, em 1996.

Dieterich parte do princípio de que nem o "capitalismo industrial" nem o "socialismo real" conseguiram resolver os problemas urgentes da humanidade, como a fome, a miséria, a exploração econômica, a opressão, o racismo e o sexismo.

Para atacar esses problemas, a economia do "socialismo do século 21"seria baseada na teoria do valor marxista, com preços determinados pelo trabalho e não pelo mercado. A vontade da maioria seria expressa e imposta através de plebiscitos, numa democracia plebiscitária.

Em 2007, uma proposta para introduzir esse socialismo, com restrições à propriedade privada e a permissão de reeleição do presidente indefinidamente foi derrotada nas urnas. Chávez armou outro referendo em 2009. Conseguiu o direito de se reeleger sem limites e ameaçou ficar no poder até 2030. Um câncer na região abdominal, supostamente na próstata, que o levou a fazer tratamento secreto e três operações em Cuba reduziu seu sonho de grandeza.

Durante a campanha, seu adversário Capriles percorreu mais de 300 cidades para se apresentar como o jovem e o novo, um candidato com a energia para mudar a Venezuela e restaurar a democracia sem abandonar os programas sociais. Num país dividido, a doença de Chávez é um mistério e os chavistas não acreditam que Capriles mantenha os programas sociais.

CRISE DA DEMOCRACIA
O grande problema da revolução chavista, com o "narcisismo-leninismo", expressão do comentarista Andrés Oppenheimer, e o autoritarismo caudilhista do líder, é ter atropelado as instituições, a democracia e as regras mais básicas da administração da economia.

Para o professor Octavio Amorim Neto, da Fundação Getúlio Vargas, uma democracia exige:
• eleições regulares competitivas;
• alternância no poder;
• liberdade de expressão; e
• garantias dos direitos das minorias.

A Venezuela chavista não passa no teste. Se a eleição pode ser considera livre, não é justa na medida em que Chávez usa e abusa da máquina do Estado, confunde o país com sua propriedade privada. Quando o presidente fala que a alternativa a ele é uma guerra civil, adota uma linguagem militarista e revolucionária que intimida o cidadão e ameaça o processo democrático.

Depois do referendo revogatório de 2004, houve uma demissão em massa de funcionários públicos. Muita gente tem medo de admitir em público o apoio ao candidato da oposição Henrique Capriles, o que pode distorcer as pesquisas de opinião, como aconteceu em 1990 na Nicarágua, quando Violeta Chamorro venceu Daniel Ortega e a revolução da Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN).

Sob o pretexto de que apoiou o golpe de 2002, Chávez não renovou a licença da Radio Caracas Televisión (RCTV), que era a maior rede de televisão privada da Venezuela, estatizando-a. Se houve realmente um noticiário golpista, seria o caso de abrir um processo administrativo e outro na Justiça, mas as mortes nos conflitos de rua de 11 de abril de 2002 nunca foram esclarecidas.

A violência e a criminalidade tornaram-se uma das chagas da Venezuela bolivarista. O total de homicídios passou de 4.558 em 1998 para 19.336 em 2011. Desde a posse de Chávez, mais de 175 milhões de venezuelanos foram mortos, informa o jornal International Herald Tribune.

É o maior índice entre países de renda média. Com 29 milhões de habitantes, a Venezuela tem um produto interno bruto de cerca de US$ 225 bilhões, o que dá uma renda média por habitante de superior a US$ 7,75 mil.

O esgotamento do modelo oligárquico num país que nada em petróleo levou à revolução chavista, com inegáveis conquistas sociais. A questão é se não seria mais estável e mais viável a longo prazo fazer mudanças baseadas em instituições sólidas e não no arcaico caudilhismo latino-americano, que dividiu a Venezuela e destruiu mesmo as novas instituições que o chavismo tentou construir, numa economia sólida e aberta para o mundo, com todas as condições para se livrar da chamada "maldição do petróleo".

A maioria dos países ricos em petróleo tem uma riqueza tão fácil que não desenvolvem os outros setores da economia. Talvez para isso a Venezuela tenha se livrar antes da maldição do chavismo.

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