Os países do grupo BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) têm 25% da superfície da Terra e 40% de sua população. Seus produtos internos brutos somam US$ 8,5 trilhões. Mas é difícil criar uma agenda comum entre países tão diferentes, com histórias e culturas tão distintas quanto distantes.
Por isso, os BRICS devem se concentrar nos pontos de comum acordo, concluíram participantes de uma mesa redonda organizada pelo Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri) e o Centro de Estudos e Pesquisas sobre os BRICS para discutir a agenda da quarta reunião de cúpula do grupo, marcada para 29 de março de 2012, em Nova Déli, a capital da Índia.
As preocupações centrais dos grandes países emergentes, que se tornam mais importantes com a crise econômica entre os ricos, são estabilidade, segurança e crescimento. Mesmo assim, é difícil chegar a um nível de consenso para forjar uma agenda comum, como ficou evidente na votação sobre a Síria no Conselho de Segurança das Nações.
Enquanto a China e a Rússia vetaram a resolução que condenava o regime e exigia a renúncia do ditador Bachar Assad, a África do Sul e a Índia votaram a favor, assim como todo o resto do Conselho de Segurança. O Brasil deixou de ser um membro permanente no fim do ano passado. Provavelmente votaria com a Índia e a África do Sul, ao lado da Europa, dos EUA e da Liga Árabe.
O grupo BRICS nasceu sem o S, que apresenta a África do Sul (South Africa). Foi ideia de um economista do hoje famigerado banco de investimento Goldman Sachs.
Em 2001, Jim O'Neill escreveu um artigo prevendo que Brasil, Rússia, Índia e China seriam responsáveis pela maior parte do crescimento da economia mundial nas próximas décadas. Em inglês, brick significa tijolo. São os tijolos que vão construir o futuro.
O que parecia óbvio, talvez com a exceção do Brasil, assumiu um caráter profético. O'Neill virou um dos gurus econômicos favoritos, e os países resolveram formar um grupo para aproveitar o momento de alta de seu poder real no sistema internacional.
Ao abrir o encontro realizado ontem na Associação Comercial do Rio de Janeiro, o embaixador Luiz Augusto Castro Neves, presidente do Conselho Curador do Cebri, observou que a Rússia busca se adaptar ao mundo pós-Guerra Fria, a China tornou-se a fábrica do mundo, a Índia tem uma importante economia de serviços e a África do Sul ainda procura seu papel na África depois do fim do apartheid.
Para o embaixador João Pontes Nogueira, supervisor geral do Centro de Estudos dos BRICS, com sede no Rio de Janeiro, o grupo deve "focar em como os países podem se ajudar e não na reforma do sistema internacional, coordenador suas posições em relação à crise na Europa e ao papel do Fundo Monetário Internacional".
O maior desafio, acrescentou, é consolidar a cooperação, por exemplo, adotando uma agenda comum para a Conferência Rio + 20", que vai retomar o debate internacional sobre desenvolvimento sustentável.
Apesar das limitações impostas por histórias e culturas tão diferentes, Alexandra Arkhangelkaya, da Academia de Ciências da Rússia, pesquisadora convidada do Centro de Estudos dos BRICS vê grandes oportunidades para "diálogo e cooperação". Cita como exemplos as mudanças necessárias na governança global para garantir a estabilidade financeira e manter o crescimento mundial, apoiando a Europa, se preciso, através do FMI e sob condições.
A Rússia está entrando para a Organização Mundial do Comércio (OMC) e defende "a paz e a segurança globais sem ingerência, sem diluir o princípio da soberania nacional, mas os BRICS não votaram juntos".
O desenvolvimento sustentável não é a preocupação de países obcecados com o crescimento elevado para combater a pobreza. A economia verde já é uma realidade. A China investe maciçamente em energias solar e eólica. Alexandra Arkhangelkaya vê oportunidade de cooperação tecnológica em segurança alimentar, água, saúde pública, carvão limpo, biodiversidade e nos desafios da urbanização.
"Os BRICS se encontram numa estrada multipolar", conclui a cientista política russa. "Não convergem em muitos pontos, mas têm um terreno comum a explorar".
Outros países, como a Indonésia e o México, já pediram acesso ao grupo, e o próprio O'Neill acredita que a Indonésia merece muito mais do que a África do Sul. É a maior economia do Sudeste Asiático e chegou a US$ 1 trilhão.
"Pode ter nascido no banco Goldman Sachs, mas tem significado real", comentou Ravni Thakur, da Universidade de Déli, pesquisadora convidada do Centro dos BRICS.
Na sua opinião, seria interessante a criação de um banco de desenvolvimento. Como a China tem hoje 70% dos PIBs do grupo somados, dependeria dos chineses: "Sem o C de China, os BRICS são apenas um queijo mole", um queijo francês tipo brie, ironizou a cientista política indiana.
Ravni Thakur defendeu ainda maior cooperação tecnológica e gerencial nas diferentes áreas de excelência de cada país, como a indústria da China, o setor de informática da Índia, as energias alternativas do Brasil e o desenvolvimento científico da Rússia.
"Até 2006, a China dava pouca importância à ideia", contou Zhou Zhiwei, especialista em Brasil da Academia de Ciências da China e pesquisador convidado do Centro dos BRICS. Com a crise internacional, a China dediciu aumentar sua cooperação.
Zhou lembrou que a cooperação Sul-Sul é uma tradição da política externa chinesa: "A China reconheceu o Brasil, na Índia, na Rússia e na África do Sul como potência econômicas regionais importantes.
Ao mesmo tempo, a China quer preservar a vitalidade da economia global como uma garantia de seu próprio crescimento, e isso inclui a governança global, embora o país ainda relute em assumir um papel mais destacado alegando que ainda está em desenvolvimento. Sua agenda é muito focada no interesse nacional, sem uma perspectiva global.
Em Nova Déli, Zhou acredita que "a China vai querer discutir a crise da União Europeia, maior mercado para suas exportações, o fortalecimento da coordenação macroeconômica, o combate ao protecionismo, a cooperação energética com o Brasil e a Rússia, a mudança do clima e a conferência Rio + 20".
A questão cambial não está na pauta chinesa, mas é a grande preocupação do Brasil e pode afetar a cooperação comercial, notou a coordenadora executiva do Cebri, Adriana de Queiroz. É um foco de tensão entre o Brasil e a China.
O problema do comércio nas moedas poderia ser resolvido, opinou o professor Alexander Zhebit, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), se as moedas fossem conversíveis.
"Não peçam muito. Em momentos de crise, é difícil encontrar terreno comum", alertou Alexandra Arkhangelskaya.
A saída, sintetizou Ravni Thakur, é construir a cooperação entre os BRICS tijolo a tijolo.
Este é o blog do jornalista Nelson Franco Jobim, Mestre em Relações Internacionais pela London School of Economics, ex-correspondente do Jornal do Brasil em Londres, ex-editor internacional do Jornal da Globo e da TV Brasil, ex-professor de jornalismo e de relações internacionais na UniverCidade, no Rio de Janeiro. Todos os comentários, críticas e sugestões são bem-vindos, mas não serão publicadas mensagens discriminatórias, racistas, sexistas ou com ofensas pessoais.
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