As Nações Unidas e a União Européia exigiram hoje um cessar-fogo imediato no Leste da República Democrática do Congo, na região dos Grandes Lagos da África. Só a maior força de paz das Nações Unidas hoje, com 17 mil soldados, impede a queda da cidade Goma.
Os rebeldes de uma milícia da etnia tútsi cercaram hoje Goma, capital da província de Kivu do Norte. A maioria da população local é da etnia hutu, inimiga histórica dos tútsis, que foram massacrados no genocídio na vizinha Ruanda, onde 800 mil pessoas foram mortas em 1994.
Naquela época, o Exército hutu derrotado em Ruanda e a milícia Interahamwe (os que se juntam para atacar), responsáveis pelo genocídio, se misturaram com a população civil e fugiram para o Leste do Congo, que na época se chamava Zaire.
Lá, os hutus entraram em conflito com o povo baniamulengue, que também é da etnia tútsi e teve o apoio do novo governo de Ruanda, chefiado pelo coronel Paul Kagame, da Frente Patriótica de Ruanda (FPR), que tomou o poder em abril de 1994, provocando o genocídio, cometido pelo governo derrotado e seus asseclas.
Em 1996, o guerrilheiro Laurent Kabila, que lutara ao lado de Ernesto Che Guevara nos anos 60, saiu do seu refúgio nas Montanhas da Lua, no coração da África, para entrar na guerra.
Che Guevara o considerava Kabila "bêbado" e "mulherengo", e portanto incapaz de liderar uma revolução. Mas Kabila atravessou o país - que vai da Região dos Grandes Lagos até o Oceano Atlântico, para onde tem uma saída estreita - e derrubou no ano seguinte o ditador Joseph Désiré Mobutu (1965-97).
No início da 1ª Guerra Civil Congolesa, em 1960, Mobutu liderou um golpe apoiado pela agência de espionagem americana CIA (Agência Central de Informações) contra o primeiro-ministro Patrice Lumumba, um líder democrático e popular que pedira ajuda militar à União Soviética. Lumumba foi assassinado em janeiro de 1961 e Mobutu tomou o poder em 1965.
Com uma política de africanização, mudou o nome do país para Zaire e o da capital para Kinshasa em vez de Leopoldville, que homenageava um dos tiranos que destruíram esse imenso país, conhecido no período colonial como Congo Belga.
A colonização belga sob o rei Leopoldo II foi especialmente cruel, como descreve o escritor Joseph Conrad em O Coração das Trevas, livro que inspirou o cineasta Francis Ford Coppola a fazer Apocalipse Now, talvez o melhor filme sobre a Guerra do Vietnã, e o título acima.
Com imensos recursos naturais o Congo sempre foi vítima de predadores interessados em suas riquezas minerais: ouro, diamantes, nióbio, zinco, estanho, cobre, cobalto e manganês.
Em 1998, depois da queda de Mobutu, começa uma guerra civil pelas riquezas do país que envolveu oito países africanos e centenas de grupos armados irregulares como o do general Nkunda. É a chamada Primeira Guerra Mundial Africana. O total de mortos em combate, de fome e de doenças causadas pela guerra é estimado em 5,4 milhões.
O Congo é vítima de uma anarquia que vem da cruel colonização belga e prossegue sob Mobutu. Nenhuma das tiranias criou uma infra-estrutura capaz de integrar o país e dar um sentido de nação a tribos isoladas geográfica, linguística e culturalmente.
Agora, cerca de 45 mil pessoas fugiram de Goma, enquanto soldados do Exécito congolês em fuga saquearam a cidade. As imagens lembram o êxodo de Ruanda em 1994.
O líder rebelde, o general congolês renegado Laurent Nkunda, declarou um cessar-fogo. Não houve bombardeio à cidade, mas a trégua não é totalmente respeitada.
Nkunda acusa a Frente Democrática pela Libertação de Ruanda de ser formada pelos responsáveis pelo genocídio e de ser uma ameaça para os tútsis congoleses. Ele só aceita negociar com o presidente Joseph Kabila.
Este é o blog do jornalista Nelson Franco Jobim, Mestre em Relações Internacionais pela London School of Economics, ex-correspondente do Jornal do Brasil em Londres, ex-editor internacional do Jornal da Globo e da TV Brasil, ex-professor de jornalismo e de relações internacionais na UniverCidade, no Rio de Janeiro. Todos os comentários, críticas e sugestões são bem-vindos, mas não serão publicadas mensagens discriminatórias, racistas, sexistas ou com ofensas pessoais.
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