Nos maiores confrontos desde a queda do regime fundamentalista da Milícia dos Estudantes, os Talibã (plural de taleb, estudante em pashtune), em 2001, centenas de rebeldes atacaram uma cidade no Sul do Afeganistão, deflagrando uma onda de violência que se espalhou por todo o país, matando mais de 100 pessoas. O presidente afegão, Hamid Karzai, acusou o Paquistão de apoiar os talibã. Para o historiador Michael Griffin, não interessa ao Paquistão um Afeganistão forte.
Os combates entre os talibã e as forças de segurança afegãs, apoiadas por tropas da aliança internacional liderada pelos Estados Unidos, duraram várias horas. Os insurgentes começaram atacando a cidade de Mossa Cala, a 470 quilômetros a sudeste de Cabul, a capital do Afeganistão.
O Ministério do Interior do Afeganistão afirmou que 15 policiais e pelo menos 90 talibã foram mortos.
A Milícia dos Estudantes surgiu no início dos anos 90, depois da queda do presidente comunista Mohammed Najibulah em 1992, com o apoio do Paquistão, dos EUA e da Arábia Saudita, para pôr ordem no caos deixado no fim da retirada soviética.
O Afeganistão foi o Vietnã da União Soviética, que invadiu o país em 26 de dezembro de 1979 para acabar com um conflito entre diferentes facções do Partido Comunista Afegão e perdeu 25 mil homens nesta guerra.
Com ajuda dos EUA, da China, da Arábia Saudita e do Paquistão, guerrilheiros muçulmanos impediram que os soviéticos dominassem pouco mais do que a capital afegã. Isto atraiu mujahedin de diversos países, inclusive Ossama ben Laden, que foi o enviado especial saudita para organizar a resistência anti-soviética.
Mas depois da queda do comunismo, os diversos grupos muçulmanos começaram a brigar entre si, criando um caos total. Outros guerreiros, os chamados árabes afegãos espalharam-se pelo mundo engajando-se em qualquer conflito onde houvesse muçulmanos em luta, na Caxemira, nas Filipinas, na Palestina, na Bósnia-Herzegovina, na Chechênia, entre outros lugares. Daí surgiu a rede terrorista Al Caeda (A Base), em 1988.
A Milícia dos Talibã surgiu em 1994 para tentar impor a ordem e a lei islâmica num Afeganistão dominado por senhores da guerra, tráfico de heroína, onde os saques e a violência sexual eram endêmicos.
Sob a liderança do mulá Omar, os talebã, estudantes das madrassás, as escolas religiosas paquistanesas onde só se ensina o Corão, eles começaram garantindo a circulação nas estradas, que era do interesse do governo do Paquistão, combatendo a violência e a criminalidade, e dando enterros dignos às vítimas da guerra civil afegã.
Com metralhadoras montadas sobre utilitários Toyota que se moviam em alta velocidade, os talibã dominaram primeiro o Sul do país, onde a maioria da população é pashtune, e em 1996 dominaram Cabul. Chegaram a controlar 90% do país e impuseram um regime fundamentalista radical onde o cinema, a TV e o rádio eram proibidos.
As mulheres eram obrigadas a cobrir o corpo inteiro, inclusive o rosto, com a burka. Não podiam sair de casa em a companhia de um homem. Num país onde décadas de conflito reduziram a população masculina, isto condenou muitas mulheres à miséria e à fome.
Os homens tinham de usar barbas longas. Os homossexuais eram executados, por exemplo, derrubando-se um muro em cima deles.
O controle radical era exercido pelo Ministério do Combate ao Vício e da Propagação da Virtude, que seguia o modelo da polícia religiosa da Arábia Saudita. Os ladrões tinham as mãos amputadas e as mulheres adúlteras apedrejadas. Apesar deste puritanismo, a produção de heroína e outros opiáceos aumentou 70%.
Só três países reconheciam o regime dos talibã: a Arábia Saudita, os Emirados Árabes Unidos e o Paquistão.
Ben Laden, que passara alguns anos no Sudão depois da queda do regime comunista afegão, volta ao Afeganistão em 1996 para viver num país governado rigorosamente pela lei islâmica, mais especificamente pelo wahabismo, a seita ultrapuritana do islamismo que domina a Arábia Saudita. O Afeganistão transformou-se num centro de treinamento de guerrilheiros muçulmanos que depois eram enviados a diferentes países onde houve muçulmanos em conflito.
Quando as embaixadas dos EUA no Quênia e na Tanzânia foram alvos de atentados, em agosto de 1998, o então presidente americano Bill Clinton mandou bombardear as bases d'al Caeda no Afeganistão. Mas foi um ataque apenas simbólico, sem continuação.
Em resposta, Al Caeda organizou os atentados de 11 de setembro de 2001 contra os EUA. Um mês depois, em 7 de outubro, os EUA e seus aliados, entre eles a Aliança do Norte, que reunia outras etnias afegãs antitalibã, iniciaram a guerra que acabou em um mês com um dos regimes fundamentalistas mais retrógrados da História da Humanidade, capaz de destruir os Budas milenares em Damiã porque o islamismo proíbe a representação da figura humana, além de inúmeros atrocidades.
Em 12 de novembro de 2001, o talibã abandonou Cabul. Em 16 de janeiro de 2002, o Conselho de Segurança das Nações Unidas aprovou uma resolução para congelar os bens e proibir a venda de armas aos talibã. Mas nunca houve uma total destalibãnização do Afeganistão como houve com os nazistas na Alemanha depois de 1945.
Ainda em janeiro, o governo George Walker Bush começou a preparar a invasão do Iraque, deixando de lado o país que era o verdadeiro antro do fundamentalismo que combatia na guerra contra o terrorismo. O resultado surpreendente é que, mais uma vez, o Afeganistão foi abandonado pela sociedade internacional, embora se acredite que Ben Laden e outros membros da cúpula d'al Caeda estejam refugiados nas montanhas da fronteira entre Paquistão e Afeganistão.
O governo do presidente Hamid Karzai mal controla a capital e os arredores. O interior do país é dominado pelos senhores da guerra, que retomaram o tráfico de heroína como principal fonte de renda. Até hoje o país não tem um Exército nacional.
Nos últimos meses, os talibã lançaram diversos ataques suicidas e explodiram bombas na beira de estradas. Mas as ações de ontem e hoje foram os mais violentos.
Este é o blog do jornalista Nelson Franco Jobim, Mestre em Relações Internacionais pela London School of Economics, ex-correspondente do Jornal do Brasil em Londres, ex-editor internacional do Jornal da Globo e da TV Brasil, ex-professor de jornalismo e de relações internacionais na UniverCidade, no Rio de Janeiro. Todos os comentários, críticas e sugestões são bem-vindos, mas não serão publicadas mensagens discriminatórias, racistas, sexistas ou com ofensas pessoais.
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