Se os Estados Unidos se retirarem do Iraque sem deixar um governo estável, o país pode se tornar um pesadelo, com guerra civil e intervenções dos vizinhos, adverte o ex-secretário de Estado americano Henry Kissinger, em entrevista ao jornal francês Le Monde (20 de maio). Responsável pela reaproximação dos EUA com a China em 1971, Kissinger observa que isto não significa que Washington deva fazer um gesto de abertura em relação ao Irã para desarmar a crise provocada pela suspeita de que a república islâmica esteja desenvolvendo armas nucleares.
"É uma situação objetivamente diferente", afirma o ex-secretário de Estado mais influente da História dos EUA. "Quando o presidente Richard Nixon e eu nos aproximamos da China, a União Soviética tinha 42 divisões na fronteira chinesa e os incidentes se multiplicavam.
"Pensávamos que, se a URSS repetisse na China o que fizera na Tcheco-Eslováquia [ao esmagar a Primavera de Praga com uma invasão, em 1968], haveria conseqüências para o equilíbrio mundial."
A situação do Irã hoje é muito diferente: "Os iranianos querem nos isolar e pensam que podem fazer isto até o final do governo Bush, ganhando dois anos. A outra possibilidade é que os EUA, aliados à Europa, consigam criar um consenso para isolar e pressionar o Irã para chegar a uma solução pacífica".
Kissinger também rejeitou o paralelo de que um acordo com o Irã facilitaria a retirada dos EUA do Iraque como a reaproximação com a China teria ajudado a sair do Vietnã: "Quando cheguei à China, já tínhamos retirado 200 a 250 mil soldados americanos do Vietnã. Mas a viagem à China acentuou o isolamento do Vietnã."
O ex-chanceler - acusado de crimes de guerra pelo bombardeio do Camboja durante a Guerra do Vietnã para atacar a Trilha de Ho Chi Minh, por onde os vietcongues saiam do Vietnã do Norte para atacar o Sul, e pelo apoio a golpes militares na América Latina como o de 1973 no Chile e o de 1976 na Argentina - considera inaceitável para os EUA que o Irã tenha armas nucleares e arriscado ceder "tecnologia nuclear avançada" ao regime dos aiatolás.
No caso do Iraque, a questão central para Kissinger é como se retirar do país e encerrar a ocupação: "Se emergir um regime fundamentalista como o dos talebã nem que seja apenas numa parte do Iraque, durante ou depois da retirada americana, e se o país se tornar uma base para atividades terroristas, isto afetará todos os países com populações muçulmanas, da Europa ao Sudeste Asiático, inclusive a Índia.
"Todos temos o interesse que seja um regime laico e não jihadista", raciona o ex-secretário de Estado que dominou a política externa americana de 1969 a 1977. "Imagine as conseqüências de uma retirada rápida e prematura dos EUA do Iraque: a Turquia seria fortemente incitada a intervir na região curda. Os iranianos dominariam o Sul. Os países muçulmanos sunitas seriam tentados a fazer uma barreira contra os xiitas. Paralelamente, haveria o risco de uma guerra civil: um pesadelo para todo o mundo que colocaria de novo a questão de uma intervenção estrangeira. Então acho que uma retirada americana não é desejável, por enquanto. Não gosto do atual debate político nos EUA. Lembro-me do Vietnã. Quando se começa a fazer campanha política com a guerra, o inimigo leva vantagem no campo de batalha".
Kissinger não está seguro de que o vice-presidente Dick Cheney esteja certo ao acusar o presidente da Rússia, Vladimir Putin, de fazer chantagem na questão energética: "Vladimir Putin governa um país que perdeu 300 anos de hegemonia. É um país que, por suas ações no exterior, se identifica com o que agora se chama de imperialismo. Hoje os russos voltaram a suas fronteiras iniciais, o que cria um problema de identidade", analisa o ex-chanceler americano.
"Putin quer tornar a Rússia num ator central das relações internacionais, recuperar sua dignidade e seu prestígio, ser reconhecida, pelo menos pelos EUA, como um parceiro igual. Paradoxalmente, quando mais endurecermos, mais aparecerá o aspecto brutal da História Russa", prevê Kissinger.
Além da política externa, observa Le Monde, também preocupa a maneira como Putin trata das questões domésticas da Rússia. "Não é democrática", comenta o ex-secretário de Estado. "Os traços de autoritarismo do regime foram reforçados. Mas desde o fim da URSS, não houve um grande período. Houve a corrupção sob Boris Yeltsin e tanques atacando o Parlamento. Com Putin, fortaleceu-se o poder central".
Este é o blog do jornalista Nelson Franco Jobim, Mestre em Relações Internacionais pela London School of Economics, ex-correspondente do Jornal do Brasil em Londres, ex-editor internacional do Jornal da Globo e da TV Brasil, ex-professor de jornalismo e de relações internacionais na UniverCidade, no Rio de Janeiro. Todos os comentários, críticas e sugestões são bem-vindos, mas não serão publicadas mensagens discriminatórias, racistas, sexistas ou com ofensas pessoais.
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