Nem toda a América Latina está guinando para a esquerda. No domingo, 28 de maio, cerca de 7,3 milhões de colombianos reelegeram no primeiro turno o presidente conservador Álvaro Uribe Vélez para um segundo mandato de quatro anos. Referendaram assim sua política de “segurança democrática”, que significa negar legitimidade à guerrilha e dar combate sem trégua aos grupos armados de esquerda e aos traficantes de drogas com os milhões que recebe dos Estados Unidos no Plano Colômbia. É o grito de um país cansado de cinco décadas de guerra civil.
Uribe teve 62,2% dos votos válidos e a maior votação da História da Colômbia, superando os 6,1 milhões que o conservador Andrés Pastrana obtivera no segundo turno em 1998. Assim, apesar da abstenção de 57%, sua vitória tem legitimidade. Seu percentual superou os 53% que lhe valeram a vitória, também no primeiro turno, em 2002. É a primeira vez que um presidente colombiano é reeleito pelo voto popular.
A grande abstenção pode ser explicada para falta de alternativa. Caudilhesco e autoritário, Uribe é amado ou odiado. Não há meio termo.
Em segundo lugar, ficou Carlos Gaviria, do Pólo Democrático Alternativo, com 22% ou 2,5 milhões de votos. Isto consolida a formação de uma esquerda democrática que, na visão da Revista Cambio, dirigida pelo escritor Gabriel García Márquez, desponta como uma alternativa de poder para 2010. E tira a legitimidade da guerrilha.
O presidente colombiano, cujo pai foi assassinado pelas Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC) numa tentativa de seqüestro em 1983, foi vereador e prefeito de Medelim, senador e governador do departamento de Antióquia. Elegeu-se também no primeiro turno em 2002 com uma plataforma linha-dura que chama de "segurança democrática" em que nega legitimidade política à guerrilha, prometendo combater a violência política e o tráfico de drogas sem fazer concessões.
Os dois presidentes anteriores, o liberal Ernesto Samper e o conservador Andrés Pastrana, tentaram em vão negociar a paz com uma guerrilha que hoje se alimenta com os narcodólares do tráfico de cocaína.
Mas mesmo com os US$ 8,5 bilhões que o país recebeu desde 2000 dos Estados Unidos no Plano Colômbia, a área plantada com coca e a produção de cocaína no país não diminuíram. E a guerrilha, que se beneficia com o tráfico nas "áreas liberadas", ganhando US$ 400 a 500 milhões por ano com atividades ilegais, não tem estímulo para abandonar a luta armada. Há mais de 3 mil colombianos seqüestrados, inclusive a ex-candidata a presidente Ingrid Betancourt, desde 23 de fevereiro de 2002.
Os paramilitares de direita das Autodefesas Unidas da Colômbia, vistos como aliados informais de Uribe na luta contra as guerrilhas de esquerda, anunciaram sua desmobilização. O Exército de Libertação Nacional promete fazer o mesmo. As FARC não abandonaram a luta mas desta vez não boicotaram as eleições.
Durante o primeiro governo Uribe, a Colômbia, que tem a terceira maior população da América Latina, 42 milhões de habitantes, cresceu 4,7% em média e 5% no ano passado. Também negociou um acordo de livre comércio com os EUA, o que levou o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, acusado de apoiar as FARC, a retirar seu país de Comunidade Andina de Nações.
DESAFIOS PARA URIBE
Com a redução da violência e a melhora da situação econômica, ajudada pela alta nos preços do petróleo, carvão e níquel, já se comenta que Uribe deve concorrer a um terceiro mandato. Mas seus desafios são formidáveis, como apontam reportagens da Revista Cambio e do jornal El Tiempo:
1. Derrotar a guerrilha e obrigá-la a negociar: em 2002, as FARC eram tão fortes que Uribe prometeu apenas “conter o avanço da guerrilha”. Ele recuperou parte das áreas dominadas pela guerrilha mas seu sucesso foi limitado. Precisa infligir mais derrotas e prender chefes guerrilheiros importantes para forçar as FARC a negociar. O presidente precisa concluir um acordo de paz com o enfraquecido ELN.
2. Desmobilizar e reintegrar os grupos paramilitares de direita: Mais de 36 mil membros das Autodefesas Unidas da Colômbia, grupos armadas de direita criados para combater a guerrilha, foram desmobilizados. O governo precisa entrar nas suas areas de atuação não só para garantir que realmente abandonaram a luta armada como para impedir que os guerrilheiros de esquerda as ocupem. Outro desafio é reintegrar socialmente os paramilitares, tanto para evitar que voltem à guerra clandestina como para impedir que entrem para a criminalidade. Estima-se que 12 mil paras ainda não se desmobilizaram. Uribe prometeu distribuir a eles cerca de 200 mil do um milhão de hectares recuperados de bandos armadas e traficantes. Até agora, só distribuiu 5 mil.
3. Manter o crescimento econômico com redução da pobreza: A maioria dos colombianos acredita que a economia está melhor do que há quatro anos. Mas a distribuição de renda continua sendo uma das piores da América Latina. Quase metade dos colombianos vive na pobreza e 6,6 milhões são miseráveis. Os 50% mais pobres recebem 14,2% da renda nacional, enquanto os 20% mais ricos ficam com 60%. Sob Uribe, o país cresceu 4,7% ao ano em médio e 5% no ano passado, o maior índice desde 1996.
4. Assinar o acordo de livre comércio com os EUA: depois de dois anos de negociações, o acordo foi anunciado em fevereiro. Mas restam ainda questões pendentes sobre sete produtos agropecuários que impedem a assinatura do acordo. A oposição do presidente da Venezuela, Hugo Chávez, que se retirou da Comunidade Andina de Nações porque Peru e Colômbia negociam acordos com os EUA, deve facilitar a aprovação no Congresso Americano.
5. Fazer uma reforma tributária integral: Uribe comprometeu-se a manter a carga fiscal em 21% do produto interno bruto colombiano, de US$ 142 bilhões. A alíquota mais alta do imposto de renda, de 38,5%, é das mais elevadas da América Latina. Mas tem tantas deduções e isenções que os contribuintes mais ricos acabam pagando menos do que em outros países. O imposto sobre valor agregado (IVA), equivalente ao imposto sobre circulação de mercadorias e serviceos (ICMS), tem nove alíquotas diferentes, de 2% a 45%. Os tributaristas questionam os impostos sobre a folha de pagamento, as transações financeiras e as exportações, alegando que prejudicam as atividades produtivas.
6. Descentralização do sistema de saúde: Há 13 anos, só 20% dos colombianos tinham acesso ao sistema; hoje, são 70%. Ainda assim, 13 milhões de colombianos continuam sem acesso à saúde. A rede hospitalar pública está em crise: hospitais importantes foram fechados; outros pararam de oferecer certos serviços. Teme-se ainda que o acordo de livre comércio com os EUA, ao reconhecer o direito de propriedade intelectual, dificulte a distribuição de medicamentos genéricos, encarecendo o custo da saúde.
7. Universalizar o ensino e melhorar a qualidade da educação: como no Brasil, houve avanços importantes no acesso à educação mas ele ainda não é universal e a qualidade do ensino é ruim. O índice da analfabetismo é de 9,2%. De cada 100 crianças, 22 não estão na escola; 32,6% não concluem o ensino médio. Só 7,5% têm diploma universitário e 1,4% é pós-graduado. O país gasta com educação 4,5%, quando deveria ser pelo menos 7,5%. Mas o maior desafio é melhorar a qualidade do ensino.
8. Evitar uma ruptura com Hugo Chávez: a pior crise aconteceu no início do ano passado, quando a Colômbia foi acusada de seqüestrar o líder guerrilheiro Rodrigo Granda, conhecido como o “chanceler das FARC”, na Venezuela, subornando para isto funcionários venezuelanos. As relações comerciais são boas. A Colômbia vende mais de US$ 1,6 bilhão por ano ao vizinho e importa da Venezuela US$ 1,1 bilhão. Mas Chávez retirou a Venezuela da Comunidade Andina em protesto porque Peru e Colômbia negociaram acordos de livre comércio com os EUA.
9. Erradicar as plantações ilícitas e buscar apoio internacional contra o narcotráfico: em seis anos, os EUA deram US$ 8,5 milhões à Colômbia para combater a guerrilha e o tráfico de drogas. Mas nem a área cultivada com coca quanto a produção de cocaína diminuiu. O governo cita dados sobre milhares de hectares de onde a coca foi erradicada e centenas de toneladas de cocaína apreendidas. Sob intensa pressão, os traficantes se reorganizaram em pequenos cartéis: se há seis anos, a produção de coca se concentrava em três departamentos, hoje se espalha por pelo menos 23 dos 32 departamentos colombianos.
10. Combater a corrupção e evitar mais escândalos: segundo a Controladoria, os departamentos e municípios receberam no ano passado 2,3 bilhões de pesos mas só investiram 14% em programas sociais. É preciso combater a infiltração de grupos mafiosos e paramilitares na máquina do Estado.
É importante notar que nenhuma das publicações menciona a violência entre os maiores problemas do país. Há poucos anos, todas as grandes cidades colombianas figuravam entre as mais perigosas da América Latina. Uma combinação de programas sociais, de saúde e de educação nas áreas carentes com polícia comunitária reduziu sensivalmente a violência urbana. Hoje a Venezuela de Chávez tem uma taxa de mortalidade violenta maior do que a Colômbia.
DESARTICULAÇÃO DOS PARTIDOS
Outro efeito do governo Uribe foi a desarticulação do quadro político tradicional na Colômbia, antes dominado pelos partidos Liberal e Conservador. O presidente veio do Partido Liberal mas na prática suas políticas são conservadoras. Uribe é um caudilho personalista. O urubismo ocupou o lugar dos partidos tradicionais
Com os 2,5 milhões de votos (22%) para Carlos Gaviria, que defendeu uma negociação de paz com as FARC, uma nova esquerda democrática, o Pólo Democrático Alternativo, tira legitimidade da guerrilha e surge como opção de poder para as eleições de 2010.
O grande derrotado nas eleições foi o Partido Liberal. Seu candidato, Horacio Serpa, perdeu pela terceira vez seguida. Com apenas 11% e 1,4 milhão, obteve a votação mais baixa e a pior colocação para seu partido, que sempre ficava entre os dois primeiros, em décadas.
Para a Revista Cambio, foi um segundo Palonegro, referência a uma batalha de 1900 em que o exército liberal foi aniquilado pelas forças conservadoras e ficou longe do poder por três décadas. Nunca o liberalismo esteve tão perto de desaparecer. Tanto em 1998 quanto em 2002, os liberais tinham amplas maiorias no Congresso. Mas na legislatura passada foram cooptados pelo uribismo.
Com Uribe reeleito, se o ex-presidente Alan García ganhar o segundo turno da eleição presidencial no Peru em 4 de julho e o conservador Felipe Calderón derrotar o ex-prefeito da Cidade do México Andrés Manuel López Obrador na eleição presidencial mexicana, em 2 de julho, a guinada para a esquerda da América Latina estará em questão.
Este é o blog do jornalista Nelson Franco Jobim, Mestre em Relações Internacionais pela London School of Economics, ex-correspondente do Jornal do Brasil em Londres, ex-editor internacional do Jornal da Globo e da TV Brasil, ex-professor de jornalismo e de relações internacionais na UniverCidade, no Rio de Janeiro. Todos os comentários, críticas e sugestões são bem-vindos, mas não serão publicadas mensagens discriminatórias, racistas, sexistas ou com ofensas pessoais.
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