Investidores do mundo inteiro saíram hoje dos mercados de ações para opções mais seguras como bônus governamentais de países ricos, agravando as perdas registradas na semana passada nas principais bolsas de valores do mundo. A situação foi mais grave nos chamados países emergentes, como Índia, Rússia, Turquia e Brasil, que podem perder capital com uma alta de juros nos Estados Unidos.
Na Europa, os ganhos de 2006 se evaporaram com a volatilidade do mercado, que caiu mais de 2%.
O índice de mercados emergentes MSCI apresentou seu décimo dia consecutivo de queda, o que não acontecia desde a crise da Ásia de 1997-98.
A Bolsa de Mumbai (ex-Bombaim), na Índia, chegou a cair 10%. O pregão foi interrompido. No fechamento, a queda foi de 4,2%. Em Moscou, a bolsa perdeu em média 9,1% e, na Turquia, 8,3%. A Bolsa de São Paulo chegou a cair 4,5% mas recuperou parte das perdas, fechando em -3,28%.
"Há uma grande demanda por proteção", comentou Gerry Folwer, estrategista do Citigroup. "Na semana passada, os investidores e analistas acreditavam que a queda era temporária". Agora, o mercado se pergunta se o cenário internacional extremamente favorável dos últimos anos, com juros baixos na maioria dos países, está no fim.
Para David Spegel, estrategista de mercados emergentes do banco holandês ING, "é uma correção saudável. O mercado está sobrevalorizado e havia muita especulação."
Já Rafael de la Fuente, estrategista do banco francês BNP Paribas, observou que "o Brasil era um dos mercados mais procurados, então deve cair mais. Mas os fundamentos são atraentes. Não esperamos que a queda vá muito longe".
A tendência de queda vinha da semana passada. Hoje começou pela Ásia, onde um relatório do banco central da China indicou que pretende conter o rápido crescimento do crédito. No Japão, a Bolsa de Tóquio caiu 1,8%, com o índice Nikkei fechando abaixo de 16 mil pontos pela primeira vez em dois meses.
Na opinião de Frederick Kempe, do jornal The Wall St. Journal, há três anos os investidores têm tantos lucros nos mercados emergentes que se esqueceram que são muito mais arriscados. Ele prevê que os próximos meses serão de alta volatilidade.
Há quatro anos, argumenta Kempe, ex-editor do WSJ Europe, a economia mundial cresce em torno de 4% ao ano graças à estabilidade de preços, ao dinamismo da economia americana e à riqueza produzida nos chamados mercados emergentes. Para este ano, o FMI projeta um crescimento de 4,9%. Mas nas últimas duas semanas, quando o índice Dow Jones, da Bolsa de Nova Iorque, caiu 2,1%, o índice de mercados emergentes do banco Morgan Stanley baixou 11%.
Um dos fatores negativos pressionando o mercado é a alta dos preços de energia, puxados pelo petróleo, por causa do aumento do risco geopolítico em grandes exportadores como Irã, Iraque, Arábia Saudita, Rússia, Venezuela e Nigéria.
O Irã está sob ameaça até mesmo de um bombardeio aéreo americano contra suas instalações nucleares, por suspeita de que esteja desenvolvendo armas atômicas. No Iraque, o primeiro governo permanente desde a queda de Saddam Hussein, em abril de 2003, assumiu no sábado e agora precisa provar que tem condições de controlar o terrorismo e a violência, num país onde morrem 20 a 30 pessoas por dia. A Arábia Saudita vive sob o risco permanente de ações de fundamentalistas muçulmanos.
Na Rússia, o presidente Vladimir Putin interveio em empresas de energia numa tentativa de restaurar pelo menos parte do poder do Kremlin da era soviética; as ações da empresa estatal Gazprom puxaram a queda de hoje em Moscou, com 12%. O presidente da Venezuela, Hugo Chávez, está numa disputa permanente com os EUA, conta os interesses americanos na América Latina. Na Nigéria, rebeldes fazem atos de sabotagem na região produtora de petróleo no Delta do Rio Níger.
Como a instabilidade nestes países não vai diminuir num momento em que a oferta de petróleo no mercado internacional mal supera a demanda, o preço do petróleo provoca inflação. Para conter os preços, os bancos centrais elevam os juros, desestimulando as atividades econômicas.
Uma das preocupações é que Ben Bernanke, novo presidente do Federal Reserve Board (Fed), o banco central dos EUA, queira afirmar suas credenciais como rigoroso no combate à inflação, comprometendo o crescimento da economia americana, que já dura cinco anos.
Além disso, há o risco de estouro da bolha especulativa nos mercados imobiliários, superaquecidos em vários países do mundo por causa das baixas taxas de juros.
Outra ameaça para os mercados emergentes é uma possível queda nos preços das commodities, os produtos primários que constituem boa parte das exportações destes países. O economista Stephen Roach, do banco Morgan Stanley, um dos mais pessimistas de Wall Street, disse recentemente que "ativos-bolhas dominaram os mercados financeiros nos últimos seis anos. Agora estamos no meio de outra bolha - das commodities. Ela vai estourar. A questão é quando".
Roach entende que os preços das commodities seguem uma curva como a das ações de empresas da Internet no final dos anos 90. O ouro caiu hoje US$ 1,40, para US% 656,30. O preço do cobre também baixou. Ele admite que os bancos centrais estão atentos ao combate à inflação mas acredita que esta "é a batalha de ontem". Os juros nos países ricos ficaram tão baixos durante tanto tempo que criaram um ciclo de bolhas especulativas capaz de minar a luta contra a inflação.
Uma questão importante e se pelo menos alguns mercados emergentes atingiram um grau de maturidade que os emancipa. A China, por exemplo, ainda é um país emergente? Claro que tem miséria e atraso mas nada faz supor que o ritmo de sua economia perca o dinamismo nas próximas décadas.
Na sociedade da informação, com a economia baseada no conhecimento, os dois países com mais de 1 bilhão de habitantes marcham inexoravelmente para se tornarem potências mundiais.
A Índia ainda não chegou lá embora siga com perseverança o caminho da China. Por isso, a Bolsa de Mumbai chegou a cair 10% hoje. O Brasil, a Rússia e a Turquia também não. Mas a China foi menos abalada. É sem dúvida um pólo gerador de crescimento na economia mundial.
Se os EUA entrarem em crise, a economia chinesa, que tem saldo de mais de US$ 200 bilhões por ano vendendo para os americanos, vai sentir. Mas o mercado asiático já é hoje uma alternativa à Europa e aos EUA. Assim como submergiu os emergentes em 1997-98, a Ásia pode ser a locomotiva da economia mundial quando os EUA tiveram de arrumar suas contas e reduzir os déficits comercial e orçamentário.
Este é o blog do jornalista Nelson Franco Jobim, Mestre em Relações Internacionais pela London School of Economics, ex-correspondente do Jornal do Brasil em Londres, ex-editor internacional do Jornal da Globo e da TV Brasil, ex-professor de jornalismo e de relações internacionais na UniverCidade, no Rio de Janeiro. Todos os comentários, críticas e sugestões são bem-vindos, mas não serão publicadas mensagens discriminatórias, racistas, sexistas ou com ofensas pessoais.
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