O ditador Saddam Hussein (1979-2003) estava convencido de que o Iraque não seria invadido. Mesmo que fosse, acreditava que ele e seu regime sobreviveriam. Contava com a proteção da França e da Rússia. Sua maior preocupação era com a ameaça interna de um golpe de Estado. As conclusões são de um relatório secreto do Departamento da Defesa dos Estados Unidos revelados na edição de maio/junho da revista Foreign Affairs.
Com a queda de Bagdá, abriu-se um dos regimes mais secretos e repressivos da História recente. O Comando Conjunto das Forças dos EUA aproveitou para fazer um amplo estudo do máquina do Estado e do comportamento do regime iraquiano, valendo-se dos depoimentos de centenas de líderes políticos e militares presos na guerra e de centenas de milhares de documentos oficiais.
No relatório Ilusões de Saddam: a visão interna, Kevin Woods, James Lacey e Williamson Murray, alegam que, “ignorante de história militar, logística e tecnologia, Saddam vivia isolado numa bolha devido à atmosfera de medo que criou em suas burocracias civil e militar”.
O Iraque não tinha armas de destruição em massa mas Saddam cultivava uma ambigüidade em relação ao assunto para atemorizar os países-vizinhos e alimentar sua ambição de liderar o mundo árabe. Em uma reunião do Conselho Revolucionário Iraquiano, teria alegado que, se admitisse que não tinha armas químicas ou biológicas, o país ficaria sujeito a um ataque israelense.
“Saddam tentava convencer uma audiência de que não tinha [armas de destruição em massa], enquanto simultaneamente tentava convencer outra audiência de que tinha”, escrevem os autores.
No final de 2002, Saddam decidiu cooperar integralmente com os inspetores de armas das Nações Unidas. Mas os EUA já estavam determinados a derrubá-lo.
Para o ex-vice-presidente e ex-ministro do Exterior iraquiano Tarik Aziz, Saddam confiava na parceria econômica com duas potências do Conselho de Segurança da ONU: “A França e a Rússia tinham garantido milhões de dólares em contratos de comércio e de serviços no Iraque. Por isso adotariam uma postura pró-Iraque e usariam o veto na ONU para mostrar que ainda tinham poder.”
A maior preocupação de Saddam sempre foi com sua própria sobrevivência política dentro do Iraque. Todo o regime estava organizado para impedir o surgimento de centro alternativos de poder capazes de ameaçá-lo. Ele criou uma série de organizações militares e paramilitares para se proteger, e infiltrou-as com lacaios e apadrinhados. Isto o manteve no poder mas suas forças foram incapazes de enfrentar um inimigo externo.
Antes da guerra, os estrategistas americanos acreditavam que a eficiência e a capacidade de luta das forças de defesa do Iraque aumentavam à medida que elas se aproximavam do círculo mais próximo do ditador. A Guarda Republicana seria a elite das Forças Armadas do Iraque e a Guarda Republicana Especial, a elite da elite. Para isso, seu comandante deveria ser altamente competente.
Mas Saddam nomeou o general Barzan Abdel Ghafur. Depois da guerra, diversos ex-colegas ridicularizaram suas credencias para o cargo. Um general observou que ele tinha todas as características que Saddam mais presa: “Era primo de Saddam e tinha outras duas qualidades que o tornavam o homem ideal para o cargo. Primeiro, não tinha inteligência suficiente para ser uma ameaça ao regime e, segundo, não tinha coragem suficiente para participar de conspirações de outros.”
Sem inteligência nem coragem, não era o general para comandar uma tropa de elite.
O relatório sustenta que Saddam não preparou a atual insurgência contra a ordem imposta pela invasão americana. Mas dispersou equipamento militar, armas e munições no país para uso no futuro e os rebeldes se beneficiam disso. Haveria um plano para resistir à invasão, não uma estratégia de guerrilhas para combater a nova ordem.
Até o final de março de 2003, cercado de áulicos que temiam dizer a verdade, “Saddam aparentemente ainda acreditava que a guerra ia de acordo com o que esperava. Se não estava ganhando, também não estava perdendo ou pelo menos pensava assim. Os americanos podem ter achado graça nas óbvias manipulações do porta-voz oficial iraquiano. Mas os documentos indicam que Saddam e seu círculo íntimo acreditavam em cada palavra de sua máquina de propaganda.”
Em 30 de março, prossegue o relatório, “a principal secretaria de Saddam pediu ao ministro do Exterior que dissesse aos governos da França e da Rússia que o Iraque só aceitaria uma ‘retirada incondicional’ das forças americanos porque ‘o Iraque agora está ganhando... e os EUA afundaram na lama da derrota”.
A centenas de quilômetros de Bagdá, os tanques americanos preparavam-se para a ofensiva final. Saddam caiu em 9 de abril de 2003. Foi preso em 13 de dezembro do mesmo ano. Atualmente responde a processo pelo massacre de 143 pessoas na cidade predominantemente xiita de Dujail, onde foi alvo de uma tentativa de assassinato em 8 de julho de 1982.
Este é o blog do jornalista Nelson Franco Jobim, Mestre em Relações Internacionais pela London School of Economics, ex-correspondente do Jornal do Brasil em Londres, ex-editor internacional do Jornal da Globo e da TV Brasil, ex-professor de jornalismo e de relações internacionais na UniverCidade, no Rio de Janeiro. Todos os comentários, críticas e sugestões são bem-vindos, mas não serão publicadas mensagens discriminatórias, racistas, sexistas ou com ofensas pessoais.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário