sábado, 11 de março de 2006

Ditador que destruiu a Iugoslávia morre na prisão em Haia

O ex-ditador iugoslavo Slobodan Milosevic, chamado de Carniceiro dos Bálcãs, foi encontrado morto neste sábado em sua cela na prisão no Tribunal de Crimes de Guerra na Iugoslávia, que funciona na Corte Internacional de Justiça das Nações Unidas, em Haia na Holanda, onde respondia a processo por crimes de guerra e contra a humanidade, inclusive genocídio.

Porta-vozes do tribunal disseram no domingo que ele teve um enfarto do miocárdio. Milosevic tinha 64 anos, sofria de hipertensão e problemas do coração. Um médico-legista disse ter encontrado traços de um antibiótico chamado rifampicina, capaz de neutralizar o efeito de outros remédios que ele tomava. A procuradora do tribunal, Carla Ponti, não descarta a possibilidade de suicídio mas seus advogados disseram que ele temia ser envenenado.

Em Moscou, sua viúva, Mira Markovic, acusou o tribunal de Haia pela morte do marido, que tinha pedido para fazer tratamento médico em Moscou. Como a Rússia era sua aliada, isto equivaleria a uma libertação. A família exigia a participação de especialistas russos na necrópsia. Já o Partido Socialista Sérvio denuncia assassinato e quer que Milosevic seja enterrado com honras de chefe de Estado. O presidente sérvio, Boris Tadic, autorizou o enterro em Belgrado mas sem honrarias.

Quando assumiu o controle do Partido Comunista da Iugoslávia, em 1987, Milosevic foi apontado como um novo marechal Josip Broz Tito, o líder dos partisans que lutaram contra a invasão nazista na Segunda Guerra Mundial e fundador da Iugoslávia pós-1945. Tito, um croata, conseguiu manter unida uma federação de seis repúblicas com um longo passado de conflitos sufocando os nacionalismos até sua morte, em 1980. Milosevic acabou sendo o anti-Tito.

DO STALINISMO AO NACIONALISMO
No final dos anos 80, com a abertura política no bloco soviético e o declínio da ideologia comunista, para manter o poder, Milosevic fez uma transição do stalinismo para o nacionalismo sérvio. Ao intervir num conflito na província do Kosovo, de maioria albanesa, em 1989, declarou que “nunca mais os sérvios deveriam ser humilhados em sua própria terra”.

Este verdadeiro grito de guerra foi a senha que liberou os ferozes nacionalismos iugoslavos adormecidos sob Tito. Milosevic foi eleito presidente da Sérvia pela Assembléia Nacional e reeleito pelo voto direto em dezembro de 1990.

Em março de 1991, uma onda de manifestações de massa contestou o resultado das eleições e o amplo domínio de Milosevic sobre a máquina do Estado e os meios de comunicação. Numa manobra para desviar a atenção dos problemas internos da Sérvia, ele incentivou uma rebelião da minoria sérvia na província croata de Krajina.

Como o Exército Federal da Iugoslávia era dominado pelos sérvios, foi uma luta desigual. Em 25 de junho de 1991, as repúblicas da Croácia e da Eslovênia declararam independência com base na Constituição de 1974, que garantia este direito pelo menos no papel. O Exército iugoslavo invadiu estas duas repúblicas.

A guerra foi especialmente violenta na Croácia. Mas como se tratava de um conflito interno, de uma guerra civil, a sociedade internacional não tinha o direito de intervir. O então presidente dos Estados Unidos, George Bush, pai, preocupado com a disputa da reeleição em 1992, deixou a crise a cargo dos europeus. Mas logo depois da reunião de cúpula européia que aprovou o Tratado de Maastricht, em dezembro de 1991, criando a União Européia e a política de segurança e externa comum, a Europa se dividiu quanto à Iugoslávia.

Aliada histórica da Croácia, a Alemanha reconheceu as independências da Croácia e da Eslovênia, enquanto França, Grã-Bretanha e EUA preferiam manter a unidade da Iugoslávia.

IMPLOSÃO DA BÓSNIA
Em março de 1992, um plebiscito aprovou a independência da Bósnia-Herzegovina, a mais dividida etnicamente das repúblicas iugoslavas, com populações sérvia, croata e muçulmana. Em abril, começou a mais violenta das guerras que dividiram a Iugoslávia, com massacres, tortura, violações sexuais em massa e campos de concentração que lembraram os horrores da Segunda Guerra Mundial.

Até 1995, calcula-se que 250 mil pessoas foram mortas e 5 milhões fugiram de suas casas. Sarajevo, a capital sérvia, onde houve o incidente que provocou o início da Primeira Guerra Mundial, em 28 de junho de 1914 (um estudante radical sérvio, Gravilo Princip, matou o arquiduque Francisco Ferdinando, herdeiro do trono do Império Austro Húngaro), foi cercada e duramente bombardeada pelos sérvios.

Inicialmente relutante em intervir num conflito europeu, o presidente americano Bill Clinton decidiu usar a Força Aérea da Organização do Tratato do Atlântico Norte (OTAN), a aliança militar liderada pelos EUA, para bombardear posições sérvias. Isto não impediu o assassinato coletivo de 8 mil homens em Srebrenica em julho de 1995, cidade que estava sob a proteção da ONU, no pior massacre cometido na Europa depois da Segunda Guerra Mundial.

Em agosto do mesmo ano, o Exército da Croácia, treinado e armado sigilosamente pelos EUA, iniciou uma grande ofensiva e retomou a província de Krajina, derrubando o mito da invencibilidade sérvia. Cerca de 200 mil sérvios foram expulsos da região onde este povo estava desde sua derrota para os turcos do Império Otomano na Batalha do Kosovo, em 28 de junho de 1839. Por isso o tiro que iniciou a Primeira Guerra Mundial foi desferido em 28 de junho.

Os EUA levaram então os presidentes sérvio, Milosevic, bósnio, Alija Izetbegovic, e croata, Franjo Tudiman, para a cidade de Dayton, no estado de Ohio, e impuseram um acordo de paz. Na época, os americanos sabiam que precisavam de Milosevic.

GUERRA DO KOSOVO
O conflito deslocou-se então para a província do Kosovo, de maioria albanesa e muçulmana. Esta província tem um significado especial na mitologia sérvia por causa da batalha de 28 de junho de 1389, uma derrota que eles festejam até hoje.

Um movimento democrático liderado por Ibrahim Rugova tentava resgatar os direitos da maioria albanesa, suprimidos por Milosevic desde 1989. Sem sucesso diante da repressão iugoslava, surgiu um movimento guerrilheiro, o Exército de Libertação do Kosovo.

Milosevic iniciou então, em 1998, uma campanha de ‘purificação étnica’ que levou a uma intervenção militar da OTAN. De 24 de março a 10 de junho de 1999, sem autorização das Nações Unidas porque seria vetada pela Rússia, a OTAN bombardeou duramente a Sérvia e o Kosovo, e os sérvios aceleraram o processo de expulsão dos albaneses.

Durante a guerra, em 27 de maio de 1999, Milosevic foi denunciado ao Tribunal de Crimes de Guerra da Iugoslávia por 66 crimes de guerra e crimes contra a humanidade, inclusive genocídio.

A QUEDA
Sua queda veio com uma revolução popular que tomou as ruas de Belgrado em 5 de outubro de 2000, depois de fraude na eleição presidencial. No dia seguinte, Milosevic renunciou, assumindo o presidente realmente eleito, Vojislav Kostanica. Preso pelo novo regime em 31 de março de 2001, em 28 de junho do mesmo ano ele foi entregue pelo então primeiro-ministro sérvio, Zoran Djindjic, ao tribunal de Haia.

Djinjic pagaria com sua vida. Foi assassinado em 12 de março de 2003, supostamente por mafiosos ligados ao antigo regime. Como a Sérvia foi alvo de um boicote econômico e militar desde o início dos anos 90, floresceu sob Milosevic uma máfia que se beneficiava do embargo. A Sérvia enfrentou a mais longa hiperinflação da história e ficou destroçada e desmoralizada internacionalmente.

Em Haia, inicialmente Milosevic negou-se a reconhecer a legitimidade do Tribunal. Advogado, preferiu fazer sua própria defesa. Participando ativamente do processo, questionou testemunhas e brigou com os juízes, usando o julgamento como uma tribuna para atacar seus inimigos na Sérvia.

Milosevic morre antes da conclusão do processo. É quase certo que seria condenado à prisão perpétua, já que o Tribunal de Haia não aplica a pena de morte.

Até hoje a Sérvia não apagou sua imagem de pais-pária. Da antiga federação iugoslava, restou uma frágil união entre a Sérvia e Montenegro. Os responsáveis pelo massacre de Srebrenica, o líder político Radovan Karadzic e o general Ratko Mladic, continuam soltos sob a proteção seus aliados sérvios. A UE exige que eles sejam entregues ao tribunal de Haia para iniciar negociações para a adesão da Sérvia à comunidade européia, onde até o momento só foi admitida uma ex-república iugoslava, a Eslovênia.

Agora, as autoridades sérvias temem que os funerais de Milosevic sejam convertido numa ampla mobilização de seus aliados, dos ultranacionalistas sérvios e das máfias que se beneficiaram de sua ditadura, abalando a frágil estabilidade do mais conturbado país na história recente da Europa. Ele poderia se tornar em mais um símbolo da autovitimização sérvia

Um comentário:

Anônimo disse...

Ele queria ficar doente para fugir para Rússia.