Depois de oito anos em coma, o ex-primeiro-ministro de Israel Ariel Sharon morreu hoje aos 85 anos. Acusado de vários crimes de guerra, no fim da vida, Sharon convenceu-se de que a segurança do país só estaria consolidada por um acordo de paz definitivo com os palestinos e a criação de uma Palestina independente.
Pouco antes do acidente vascular cerebral de 4 de janeiro de 2006, que o deixou em coma até hoje, Sharon deixou o partido direitista Likud e fundou o centrista Kadima (Avante) com o objetivo específico de formar um governo com apoio político para negociar a paz.
Com a doença, Sharon foi substituído pelo ex-prefeito de Jerusalém Ehud Olmert. Envolvido em escândalos de corrupção, Olmert foi incapaz de ganhar a eleição. O poder voltou para Benjamin Netanyahu, do Likud, que sempre relutou em fazer as concessões necessárias à paz e só voltou a negociar sob intensa pressão dos Estados Unidos.
Para os israelenses, Sharon foi um dos grandes defensores da nação, com bravatas, bravura e ousadia, o Rei de Israel e o Leão de Deus. Já os palestinos o consideravam um criminoso de guerra envolvido nos piores massacres, um dos maiores símbolos da dor e do sofrimento.
"Um dos maiores generais da História de Israel", na visão do primeiro-ministro linha-dura Benjamin Netanyahu, Sharon tinha 20 anos e comandava um batalhão na guerra da independência do país quando foi baleado e salvo um soldado heróico de 16 anos. Sua estratégia de combate sempre foi usar uma força esmagadora para aterrorizar e submeter o inimigo.
A lista de atrocidades atribuídas a Sharon é longa. Em 14 de outubro de 1953, suas tropas atacaram a cidade de Quíbia, na Cisjordânia, matando pelo menos 69 palestinos; dois terços eram mulheres e crianças. Uma escola, uma mesquita e 45 casas foram destruídas em retaliação a ataques lançados da Jordânia contra o Estado de Israel, criado em 1948.
Na época, havia uma negociação secreta em andamento com o presidente do Egito, Gamal Abdel Nasser, que era o principal líder do mundo árabe. Indignado, Nasser abandonou as negociações. Os EUA cortaram a ajuda a Israel.
Durante a Guerra dos Seis Dias, de 5-10 de junho de 1967, Sharon foi decisivo na conquista da Península do Sinai. Seu momento de maior glória viria na Guerra do Yom Kippur, de 6-25 de outubro de 1973, quando o Egito tentou retomar o Sinai. Contrariando ordens, Sharon cercou o III Exército do Egito e estava prestes a aniquilá-lo quando a União Soviética entrou em alerta nuclear e ameaçou entrar na guerra.
Como ministro da Defesa, em 1982, Ariel Sharon comandou a invasão israelense ao Líbano para expulsar do país os líderes palestinos. Depois de tomar Beirute, em 18 de setembro do mesmo ano, o Exército de Israel acobertou a ação de milícias cristãs libanesas que realizaram um massacre nos campos de refugiados de Sabra e Chatila, matando pelo menos 1,2 mil palestinos.
Testemunhas contam que helicópteros israelenses iluminaram os campos para auxiliar o massacre.
A milícia fundamentalista xiita Hesbolá (Partido de Deus) nasceu como reação à invasão israelense ao Líbano. Com atentados terroristas suicidas, conseguiu expulsar do país as forças dos EUA, da França e de Israel.
Depois de deixar o Exército, Sharon entrou para o partido Likud. Serviu a vários governos direitistas israelenses antes de se tornar líder do partido, em 2000. Como ministro da Habitação, comandou a expansão das colônias israelenses nos territórios ocupados, ocupando pontos estratégicos para tornar a colonização um fato consumado, uma política da direita que foi seguida mesmo em governos mais à esquerda.
Em 2000, contrário à tentativa do presidente americano Bill Clinton em mediar negociações de paz entre o então primeiro-ministro Ehud Barak e o líder palestino Yasser Arafat, Sharon foi até o Monte do Templo, onde fica a Esplanada das Mesquitas, aparentemente apoiando os judeus que defendem a reconstrução do Templo de Jerusalém onde hoje estão as mesquitas.
Sua visita ao Monte do Templo, em 28 de setembro de 2000, deflagrou a Segunda Intifada, uma revolta palestina contra a ocupação israelense, enterrando definitivamente a iniciativa de paz de Clinton.
Em 2001, prometendo segurança, Sharon obteve uma vitória eleitoral esmagadora e se tornou chefe de governo de Israel até o derrame cerebral. No seu governo, foi construída a barreira de 700 quilômetros anexando na prática 8,5% da Cisjordânia ocupada ao território israelense.
Certo de que a segurança de Israel depende de um acordo de paz com os vizinhos e de fronteiras definitivas, em maio de 2003, Sharon aceitou o "roteiro para a paz" proposto pelos EUA, a Rússia e a União Europeia.
Em consequência, contrariando ministros da linha dura, decidiu fazer uma retirada unilateral das forças de Israel da Faixa de Gaza, concluída em 11 de setembro de 2005. Sob pressão de seus antigos aliados direitistas, Sharon deixou o Likud e fundou o Kadima (Avante) em 21 de novembro de 2005. A doença não o deixou levar adiante seu projeto de paz.
Este é o blog do jornalista Nelson Franco Jobim, Mestre em Relações Internacionais pela London School of Economics, ex-correspondente do Jornal do Brasil em Londres, ex-editor internacional do Jornal da Globo e da TV Brasil, ex-professor de jornalismo e de relações internacionais na UniverCidade, no Rio de Janeiro. Todos os comentários, críticas e sugestões são bem-vindos, mas não serão publicadas mensagens discriminatórias, racistas, sexistas ou com ofensas pessoais.
sábado, 11 de janeiro de 2014
Morre Ariel Sharon, criminoso de guerra convertido à paz
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