A inflação mundial de alimentos é uma crise global de caráter estrutural, resultado de muitas mudanças que vieram para ficar na era da globalização.
O Programa Mundial de Alimentos das Nações Unidas adverte que 100 milhões de pessoas a mais devem precisar de ajuda alimentar este ano. A inflação foi de mais de 80% nos últimos três anos, pelos cálculos do Banco Mundial.
Entre as principais causas, estão:
• a urbanização;
• o crescimento de países da Ásia como a China e a Índia, que está tirando centenas de milhões de pessoas da pobreza;
• a mudança do clima, com mais secas e enchentes;
• o aumento nos preços do petróleo; e
• a especulação nas bolsas de mercadorias e futuros.
Mais da metade da população mundial, de 6,7 bilhões, vive em cidades, consumindo alimentos produzidos por 1,3 bilhão de agricultores. No meio, está uma dezena de empresas transacionais que controlam a maior parte do mercado de commodities agrícolas.
Este é um fator estrutural. Com o desenvolvimento da China e da Índia, centenas de milhões de pessoas migraram ou estão migrando para as cidades em busca de empregos com salários melhores na indústria.
A maioria troca uma agricultura de subsistência por empregos industriais. Esses trabalhadores urbanos passam a receber salários e tornam-se consumidores de alimentos que já não produzem mais.
Como a urbanização e a ascensão da Ásia vieram para ficar, a demanda de alimentos tende a aumentar. A ONU calcula que dobre até 2050, o que aumenta a pressão sobre recursos naturais limitados, como terras já esgotadas e a água.
Há uma ameaça ecológica. O aquecimento global pode tornar mais violentos os fenômenos meteorológicos, como secas, enchentes e tempestades, prejudicando a agricultura.
Um dos efeitos previstos para o aquecimento da Terra é uma quebra de safras agrícolas de 20% a 40%. O impacto sobre a agricultura, especialmente dos países pobres com escassez de água, pode ser catastrófico.
No século 21, o clima é um problema e a falta de água um risco para a maioria dos países.
O barril de petróleo custava cerca de US$ 30 há pouco mais de cinco anos, quando o presidente George W. Bush invadiu o Iraque. Quase chegou a US$ 120 na semana passada, mas depois caiu um pouco.
Também é uma mudança estrutural. O petróleo é um recurso escasso. Enquanto continuar o aumento da demanda na China, na Índia e em outros países em desenvolvimento, a oferta estará no limite da procura.
A energia é um componente fundamental no preço da comida. Nenhum exportador de alimentos planta e colhe sem máquinas agrícolas, geralmente movidas a petróleo.
Diante dos preços recordes do trigo, do arroz, da soja e da carne, grandes países exportadores, como Argentina e Rússia, passaram a limitar e taxas as exportações para proteger o mercado interno e evitar a inflação. Na Argentina, houve uma greve no campo contra os impostos sobre exportação.
Essas restrições a vendas externas provocou nova rodada de aumentos de preços no mercado internacional. Há uma especulação no mercado de produtos primários, já que as bolsas de valores e outros instrumentos de aplicações financeiras estão em profunda crise.
O que está dando dinheiro? Comida, energia, produtos primários. São os países em desenvolvimento que crescem enquanto os ricos estão estagnados. Os chineses e indianos não vão parar de comer nem de gastar energia. Pelo contrário. Querem gastar mais ainda, o que aumenta o risco para o meio ambiente e para um agravamento do efeito estufa.
Mas a crise de alimentos também cria oportunidades. The Wall Street Journal já registrou que as empresas americanas de fertilizantes, sementes, equipamentos e máquinas agrícolas estão faturando como nunca.
Para o Brasil e o Mercosul, que na nova divisão internacional do trabalho são superpotências agrícolas, há uma oportunidade. A Argentina é um país de pouco mais de 35 milhões de habitantes com capacidade para alimentar 350 milhões de pessoas.
O Brasil tem luz, sol e terras férteis como nenhum outro país do mundo. É um dos poucos países do mundo que tem condições de aumentar significativamente a produção de alimentos. Tem também uma eficiente Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, a Embrapa, que pode oferecer assistência técnica em agricultura tropical para países menos avançados tecnologicamente.
É o momento de lutar pelo fim das barreiras ao comércio agrícola e também uma campanha mundial contra a fome.
Além dos US$ 2,5 bilhões pedidos pelo secretário-geral da ONU, Ban Ki Moon, haverá uma conferência sobre segurança alimentar da Organização da ONU para Agricultura e Alimentos (FAO), em junho, em Roma, para evitar que a inflação de alimentos provoque fome em massa.
Até agora, o maior risco é de desnutrição, da chamada fome silenciosa, em que as pessoas vão para a cama com fome mas acordam no dia seguinte com força suficiente para se levantar e trabalhar.
Este é o blog do jornalista Nelson Franco Jobim, Mestre em Relações Internacionais pela London School of Economics, ex-correspondente do Jornal do Brasil em Londres, ex-editor internacional do Jornal da Globo e da TV Brasil, ex-professor de jornalismo e de relações internacionais na UniverCidade, no Rio de Janeiro. Todos os comentários, críticas e sugestões são bem-vindos, mas não serão publicadas mensagens discriminatórias, racistas, sexistas ou com ofensas pessoais.
Nenhum comentário:
Postar um comentário