A absolvição de Renan Calheiros fede. Ele merecia estar na cadeia mas vai continuar presidindo o Senado, o que o torna substituto do presidente da República, no impedimento do vice-presidente e do presidente da Câmara. Isto faz do Brasil uma república de bananas no pior estilo, daquelas do clichê do cinema hollywoodiano onde canalhas e corruptos ocupam os mais altos cargos de uma nação qualquer perdida ao Sul do Rio Grande.
É inacreditável a que ponto decaiu a vida pública no Brasil. A corrupção é histórica e endêmica na política brasileira, mas o Senado foi palco de grandes debates, por exemplo, quando Jarbas Passarinho defedia o regime militar e Paulo Brossard o atacava.
Em 1974, no início do governo do general Ernesto Geisel (1974-78), quando a crise do petróleo acabou com o "milagre econômico brasileiro", a oposição, representada pelo Movimento Democrático Brasileiro (MDB), ganhou as eleições em 16 dos 22 estados. Como os governadores eram nomeados pelo ditador de plantão, a eleição majoritária era para o Senado.
Elegeram-se Paulo Brossard, Franco Montoro, Roberto Saturnino, Marcos Freire, nomes que honraram os mandatos que lhes foram conferidos pelo povo brasileiro. Daquele velho MDB, sobram hoje, no Senado, Jarbas Vasconcelos e Pedro Simon. O resto do PMDB e o governo Lula trabalharam ativamente pela absolvição de Renan Calheiros.
Desde que se descobriu que o lobista de uma empreiteira pagava as contas de Calheiros com uma ex-namorada com quem tem uma filha, o senador apresentou notas frias, foi acusado de fazer lobby para a tal empreiteira e para uma cervejaria, forjou negócios com gado. Mentiu descaradamente, ameaçou colegas e usou a máquina do Senado a ponto de seguranças terem trocado socos com deputados que queriam assistir à sessão secreta, manobra mafiosa para encobrir a traição aos eleitores.
Renan tem fazendas em nome de laranjas, onde seu gado precisaria ter uma produtividade superior à da chamada Califórnia paulista para justificar seus gastos, embora fosse mais do que evidente que os açougues do interior de Alagoas usados na defesa do presidente do Senado não tinham capacidade de comprar e revender a quantidade de carne alegada.
Mas 40 bananões devem considerar tudo isso absolutamente normal, porque votaram pela sua absolvição. Como 35 senadores que merecem essa denominação votaram a favor, os votos decisivos foram as seis abstenções, que incluem - pasmem - Aloizio Mercadante, que um dia foi um homem honrado mas alegou falta de provas para fazer o jogo sujo do Palácio do Planalto.
Será uma vitória de Pirro (general que venceu Roma duas vezes mas sofreu tantas perdas que foi derrotado na terceira batalha), mas dá uma sobrevida a um político totalmente desmoralizado que, num país decente, iria para a cadeia ou estaria negociando com a Justiça uma confissão de culpa em troca de uma pena menor.
Aliás, as Filipinas acabam de condenar o ex-presidente Joseph Estrada à prisão perpétua por corrupção e desvio de dinheiro público, cerca de US$ 80 milhões, provavelmente muito menos do que girou nos recentes escândalos políticos brasileiros.
Mais impressionante é o governo Lula, de onde saiu a maioria dos processados por "formação de quadrilha" no escândalo do mensalão, apoiar um cadáver político como Renan. Só adia seu funeral e o fim da crise. Não aprendeu nada. Considera-se absolvido pelas urnas, como tantos mensaleiros. Não ouviu a voz das ruas.
Em nome da governabilidade - ah, governabilidade!, quantos crimes se cometem em teu nome -, o governo teria negociado a absolvição em troca de uma possível renúncia à Presidência do Senado. Renan preservaria o mandato e a bufunfa de senador. Mas a luta para cassar este político oportunista, que foi líder do governo Fernando Collor mas o traiu assim que o vento mudou, em nome de uma ética que nunca teve, continua.
A queixa mais grave contra Renan em tramitação na Comissão de Ética do Senado o acusa de ter comprado empresas de comunicação, um jornal e uma rádio, por meio de laranjas.
Isso significa que ele comprou fazendas e outras empresas não-declaradas à Receita Federal, o que é crime de sonegação fiscal, aumentando seu patrimônio de forma incompatível com seus proventos como senador desta triste república bananeira. Mas o charme das repúblicas bananeiras é que os grandes macacos podem se locupletar e pretextar a inocência de uma vestal.
Agora os senhores senadores podem rasgar as vestes e sair por aí em folhas de parreira distribuindo bananas para a plebe rude porque foi isso que Renan e seus cúmplices fizeram neste 12 de setembro: deram bananas para o povo, perdendo a oportunidade de fortalecer a instituição e mostrar que o país marcha para o desenvolvimento e para se tornar um dos líderes do século 21.
O Senado está nu.
Yes, nós somos bananas!
Este é o blog do jornalista Nelson Franco Jobim, Mestre em Relações Internacionais pela London School of Economics, ex-correspondente do Jornal do Brasil em Londres, ex-editor internacional do Jornal da Globo e da TV Brasil, ex-professor de jornalismo e de relações internacionais na UniverCidade, no Rio de Janeiro. Todos os comentários, críticas e sugestões são bem-vindos, mas não serão publicadas mensagens discriminatórias, racistas, sexistas ou com ofensas pessoais.
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