A Associação Nacional Republicana, mais conhecida como Partido Colorado, que está no poder desde 1947 no Paraguai, com uma breve interrupção, vence mais uma eleição presidencial, a oitava realizada desde a queda do ditador Alfredo Stroessner, em 14 de fevereiro de 1989.
Com 99,82% das urnas apuradas, o candidato governista, Santiago Peña, ganha com mais de 1,2 milhão de votos, 42,74% do total, contra 27,48% de Efraín Alegre, do Partido Liberal Radical Autêntico (PLRA) e da Concertação, uma ampla aliança de 40 partidos da esquerda à centro-direita. O Paraguai é o único país da América do Sul com eleição presidencial em turno único.
Nos últimos 75 anos, o Partido Colorado só não governou o país de 2008 a 2012, da eleição ao impeachment do padre Fernando Lugo, um candidato de esquerda que conseguiu galvanizar a oposição, mas depois foi abandonado, inclusive pelo PLRA, e foi alvo de um processo de impeachment de pouco mais de 24 horas, sem o menor direito de defesa.
Depois da ocupação de uma fazenda de um ex-senador do Partido Colorado por cerca de 100 agricultores sem terra para pedir uma reforma agrária, em maio de 2012, em Curuguaty, a 240 quilômetros de Assunção, a polícia enfrentou os manifestantes para fazer a reintegração de posse. Dezessete pessoas morreram, 11 sem-terra e 6 policiais.
Os policiais alegaram que foram alvos de uma emboscada e acusaram o Exército do Povo Paraguaio, um movimento guerrilheiro, de infiltrar o movimento camponês e o então presidente de apoiar os sem-terra. Em 21 de junho de 2012, o Câmara dos Deputados do Paraguai autorizou a abertura de um julgamento político de Lugo por "mau desempenho de suas funções".
Não houve nenhum inquérito parlamentar sobre o confronto nebuloso na fazenda do ex-senador Blas Riquelme. No dia seguinte, o Senado destituiu Lugo por 39 a 4. Para o ex-ministro da Ação Social Hugo Richert, "o episódio pode ter sido preparado para contar com um motivo perfeito para destituir o presidente."
Então, a grande questão hoje era se o Partido Colorado manteria seu monopólio de poder. Todas as pesquisas recentes previam a vitória de Peña, menos a da AtlasIntel, que dava um empate técnico com pequena vantagem para a Alegre. Era considerada mais confiável porque os outros institutos são de empresários ligados aos colorados.
O presidente eleito, Santiago Peña, de 44 anos, foi ministro da Fazenda no governo de Horácio Cartes (2013-18), o homem mais rico do Paraguai, atualmente presidente do Partido Colorado. Cartes foi acusado pelos Estados Unidos em julho do ano passado de ser "significativamente corrupto".
Durante a campanha, Alegre acusou o grupo de Cartes de governar o país como "uma máfia" e descreveu Peña como seu representante. Cinco empresas de Cartes são alvos de sanções dos EUA, que proibiram sua entrada no país.
Alegre também acenou com a possibilidade de romper com Taiwan e estabelecer relações com a China para atrair comércio e investimentos. O Paraguai é um dos 13 países que ainda reconhecem Taiwan, o único da América do Sul. Não bastou para derrotar os colorados.
Um terceiro candidato, Paraguayo Cubas, de extrema direita, conquistou quase 23% dos votos, esvaziando a candidatura de oposição. O chamado Bolsonaro paraguaio defende ideias ultranacionalistas, mas não tem apoio nas Forças Armadas, fortemente ancoradas ao Partido Colorado. Durante a ditadura do general Stroessner, para entrar na universidade, no serviço público ou nas Forças Armadas, era preciso ser filiado ao partido do governo.
Cubas era senador. Perdeu o mandato em 2019 por agredir um policial. Chegou a defender a morte de "100 mil bandidos brasileiros", de um total de 2 milhões que disse que vivem no Paraguai.
Este número está errado. O país com mais brasileiros é os EUA (1,9 milhões), seguido por Portugal (275 mil) e Paraguai (246 mil). Os números reais podem ser maiores porque muitos imigrantes não se registram nos consulados brasileiros. Só para comparar, na Argentina, há 90 mil residentes brasileiros.
No discurso da vitória, Peña prometeu combater "a pobreza, a corrupção e a impunidade". Ele toma posse em 15 de agosto para um cumprir um mandato de cinco anos sem direito a reeleição. Alegre reconheceu a derrota terceira derrota consecutiva e pediu à oposição que mantenha a unidade para as próximas eleições.
Em relação ao Mercosul, a posição dos dois candidatos é semelhante. Ambos disseram que os governos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva foram bons para o Paraguai.
Por considerar o impeachment de Lugo um golpe, Brasil, Argentina e Uruguai suspenderam a participação do Paraguai no Mercosul. Isto permitiu a entrada da Venezuela sem se adaptar a todas as normas do bloco, que passou a ter caráter mais político do que econômico. A ideia agora é retomar a integração como alavanca para o desenvolvimento.
O Uruguai quer fechar um acordo de livre comércio com a China. Isto não interessa a Brasil e Argentina, que tentam se reindustrializar. Nem ao Paraguai, que também tem a ambição de se industrializar, com a energia abundante das usinas hidrelétricas de Itaipu e Yaciretá, mão de obra barata e um sistema de impostos muito mais simples do que o brasileiro.
Isto tem atraído empresários brasileiros. Inicialmente, eram sobretudo fazendeiros produtores de carne e grãos, os brasiguaios. Hoje há fábricas brasileiras de tecidos e autopeças comparadas às maquiadoras, as empresas norte-americanas instaladas no Norte do México para atuar como montadoras e vender para o mercado dos EUA.
A Tríplice Aliança (Brasil, Argentina e Uruguai) arrasou o país na Guerra do Paraguai (1864-70), que eles chamam de Guerra Grande, quando 90% da população adulta masculina foi morta. A dívida de guerra só foi perdoada em 1943 pelo presidente Getúlio Vargas.
Com população de 7,3 milhões de habitantes e produto interno bruto estimado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) em US$ 42,8 bilhões em 2023, o Paraguai é o 100º país mais rico do mundo. A expectativa do FMI de crescimento para este ano é de 4,5%, acima das médias mundial (2,8%) e latino-americana (1,6%).
Historicamente, o Brasil tinha saldo comercial positivo no comércio bilateral. Em 2022, as exportações brasileiras para o Paraguai somaram US$ 3,519 bilhões e as importações do país vizinho, US$ 3,636 bilhões, numa corrente de comércio de US$ 7,155 bilhões com saldo negativo para o Brasil de US$ 117,2 milhões.
Neste ano, de janeiro a março, as exportações brasileiras somam US$ 797,8 milhões e as paraguaias, US$ 753,3 milhões, com superávit de US$ 44,5 milhões para o Brasil.
A exportação de energia elétrica representa 37% do que o Paraguai vende ao Brasil, seguida por arroz (9,3%), equipamentos para distribuição de energia elétrica (6,4%), milho (5,7%) e soja (5,5%). O Paraguai importa principalmente máquinas agrícolas e peças (10,1%), veículos (5,4%), adubos e fertilizantes (5,3%) e outros produtos industriais (4,8%).
Daí a importância para o Paraguai da energia gerada por grandes hidrelétricas. O acordo de Itaipu, assinado quando os dois países eram ditaduras militares, faz 50 anos neste ano e deve ser renegociado. O Paraguai ficou anos devendo pela obra e tem direito à metade da energia gerada, mas só pode vendê-la para o Brasil.
Em 2009, no governo Lugo, o presidente Lula concordou em triplicar de US$ 120 milhões para US$ 360 milhões a taxa anual paga ao Paraguai pela energia que o país vizinho não utiliza. Na época, o Paraguai consumia apenas 5% da energia a que tinha direito.
Lula cumprimentou o vencedor e prometeu trabalhar em conjunto por uma América do Sul "com mais união e desenvolvimento".