Tiros e explosões abalam Cartum, a capital do Sudão, desde sábado, quando a maior força paramilitar do país, as Forças de Apoio Rápido (FAR), lideradas pelo vice-presidente, general Mohamed Hamdan Dagalo, conhecido popularmente como Hemedti, atacou o Exército, chefiado pelo general Abdel Fattah al-Burhan, num golpe dentro do golpe que os dois deram em 2021.
Pelo menos 97 pessoas foram mortas. O Programa Mundial de Alimentos das Nações Unidas suspendeu temporariamente as atividades no país, onde um terço dos 45,66 milhões de habitantes precisam de ajuda para não passar fome. O Sudão é o 23º país mais pobre do mundo em renda média por habitante. A União Africana e os presidentes do Quênia, de Djibúti e do Sudão do Sul tentam mediar a paz.
A tentativa de golpe adia indefinidamente a promessa de devolver o poder aos civis. Há quatro anos, em 11 de abril de 2019, uma revolta popular provocou a queda do ditador Omar Bachir, que estava no poder há quase 30 anos e chegou a ter a prisão decretada pelo Tribunal Penal Internacional por causa do Genocídio de Darfur (2003-20). Cerca de 400 mil pessoas morreram no genocídio. As FAR participaram dos massacres.
Os protestos acabaram em julho de 2019, quando as Forças pela Liberdade e a Mudança, a aliança dos grupos que organizavam as manifestações, fizeram um acordo com o Conselho Militar de Transição para criar o Conselho da Soberania do Sudão. Em 21 de agosto daquele ano, depois de uma declaração constitucional, assume um governo liderado pelo primeiro-ministro Abdalla Hamdok, um economista de 61 anos que trabalhara na Comissão Econômica da ONU para a África.
Depois de um golpe fracassado em 21 de setembro de 2021, o general Burhan, comandante do Exército e presidente do Conselho Soberano de Transição, tomou o poder, dissolveu o conselho e impôs estado de emergência. O primeiro-ministro e outros ministros foram presos.
Sob pressão dos Estados Unidos, da União Europeia e da União Africana, Hamdok voltou à chefia do governo em 21 de novembro de 2021, mas pediu demissão em 2 de janeiro de 2022 por causa do domínio total dos militares.
Ontem, segundo dia de hostilidades do novo golpe, a ONU anunciou um cessar-fogo a partir das 16 h (11h em Brasília), mas a trégua durou pouco mais de uma hora.
O Sudão tem a mais longa história de guerras civis da África independente. A Primeira Guerra Civil Sudanesa (1955-72) começou antes da independência do Império Britânico, em 1956. Opôs o governo dominado por muçulmanos do Norte do país a grupos cristãos e animistas do Sul que exigiam autonomia regional. Pelo menos 500 mil pessoas foram mortas, talvez 1 milhão.
A mesma divisão do país levou à Segunda Guerra Civil Sudanesa (1983-2005), travada pelo Exército Popular de Libertação do Sudão do Sul contra o Exército do Sudão. Cerca de 2 milhões de pessoas morreram, somando mortos em combate, fome e doenças causadas pela guerra.
O principal resultado foi a independência do Sudão do Sul, o mais novo país do mundo, em julho de 2011, depois de um referendo realizado em janeiro daquele ano. Assim, o Sudão deixou de ser o maior país da África.
O novo país também caiu em guerra civil, em 15 de dezembro de 2013, quando o presidente Salva Kiir Mayardit, do povo dinka, a maior das 64 tribos do Sudão do Sul, acusou o ex-vice-presidente Riek Machar, do povo nuer, o segundo maior, de tramar um golpe de Estado. A Guerra Civil Sul-Sudanesa foi até 22 de fevereiro de 2020, quando os dois líderes políticos chegaram a um acordo para formar um governo de unidade nacional. Cerca de 400 mil pessoas morreram.
Nenhum comentário:
Postar um comentário