quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Novo papa deve tirar Igreja da Idade Média, diz teólogo

A renúncia de Bento XVI, que entra em vigor hoje, abre espaço para uma Primavera Vaticana, uma revolução modernizadora como a chamada Primavera Árabe. Mas, como a Igreja Católica está mais para Arábia Saudita do que para Egito ou Tunísia, isto só vai acontecer se um grupo de cardeais corajosos e progressistas enfrentar o conservadorismo da linha dura e da Cúria Romana, que governa a Santa Sé, adverte o teólogo rebelde Hans Küng.

Professor de Teologia na Universidade de Tübingen, na Alemanha, Küng foi silenciado e teve sua licença eclesiástica para lecionar cassada pela Sagrada Congregação da Doutrina da Fé, a antiga Inquisição ou Santo Ofício, por questionar o dogma da infalibilidade dos papas.

Em artigo publicado no jornal The New York Times, o teólogo cita pesquisas realizadas em seu país para dizer que 85% dos católicos alemães são a favor do fim do celibato dos padres, 79% querem que divorciados possam se casar de novo na Igreja e 75% defendem a ordenação de mulheres.

"Ninguém deve se enganar com a badalação da mídia em torno de grandes eventos como as missas campais rezadas pelo papa nem pelo aplauso entusiasmado de grupos de jovens católicos conservadores", alerta o professor alemão, conterrâneo de Bento XVI. "Atrás da fachada, a casa inteira está caindo."

Küng alega que a atual estrutura monárquica e absolutista do Vaticano foi introduzida por Gregório VII no século 11. Na visão do teólogo, aquele papa impôs o centralismo do papado, o clericalismo (só o clero representa a Igreja) e proibiu os padres e outros ministros da Igreja de se casar.

Desde então, as tentativas de uma mudança profunda resistiram à Reforma Protestante, ao Iluminismo, à Revolução Francesa e ao liberalismo do século 19, observa o teólogo. Durante o Concílio Vaticano II (1962-65), a Cúria Romana bloqueou avanços maiores, acrescenta Küng. Ele e Bento XVI são os únicos teólogos participantes do concílio que ainda estão vivos.

A Cúria, fruto da reforma absolutista do século 11, é apontada pelo professor como maior obstáculo à modernização da Igreja e para "um entendimento honesto" com as outras igrejas cristãs e outras religiões.

Entre os erros de Bento XVI, Küng lista o reconhecimento da arquiconservadora Sociedade São Pio X, do arcebispo Marcel Lefèbvre, um dos maiores opositores ao Concílio Vaticano II, declarações que irritaram protestantes, muçulmanos, judeus, mulheres, católicos reformistas e os índios latino-americanos, e a explosão dos escândalos sexuais no seio da Igreja. Ele acusa Bento XVI, na época apenas cardeal Joseph Ratzinger, de acobertar os escândalos quando dirigia a Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé.

Por fim, o vazamento de informações no chamado Vatileaks revelou uma rede de intrigas, luta pelo poder, corrupção e abusos sexuais na Cúria Romana. Teria sido a principal razão da renúncia do papa, a primeira em quase 600 anos.

Com o avanço das igrejas protestantes que às vezes estão abertas o dia inteiro para acolher os fiéis, o afastamento de jovens e mulheres, e a desmoralização de padres e bispos diante da série de escândalos sexuais, a Igreja Católica vive, na opinião de Küng, um momento decisivo.

"Nesta situação dramática, a Igreja precisa de um papa que não viva intelectualmente na Idade Média, que não seja o campeão de nenhum tipo de teologia, liturgia ou constituição da Igreja medievais. Precisa de um papa que esteja aberto às preocupações da Reforma e da modernidade. Um papa que se levante pela liberdade da Igreja no mundo não apenas fazendo sermões, mas defendendo com palavras e atos a liberdade e os direitos humanos dentro da Igreja para teólogos, mulheres e todos católicos dispostos a falar a verdade abertamente. Um papa que não mais force os bispos a seguir uma orientação partidária reacionária, que ponha em prática uma democracia apropriada dentro da Igreja, forjada no modelo do cristianismo primitivo. Um papa que não se deixe influenciar por um 'papa paralelo' como Bento e seus leais seguidores", aconselha o teólogo rebelde.

A possibilidade de que o Conclave do Sacro Colégio Cardinalício siga estas recomendações é praticamente nula, sugere o artigo. Desde o papado de João Paulo II, conta Küng, os cardeais são obrigados a preencher questionários usados para impor a doutrina oficial da Igreja em quaisquer controvérsias. Isso explicaria a ausência de bispos dissidentes.

"Se o próximo Conclave eleger um papa que siga pela mesma velha estrada", questiona o teólogo, "a Igreja nunca vai experimentar uma nova primavera, mas vai cair numa era glacial e corre o perigo de encolher até se transformar numa seita cada vez mais irrelevante".

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