A cerimônia, no salão dourado do Grande Palácio do Kremlin, está mais para a coroação de um imperador do que para a posse de um presidente.
Dimitri Anatolievitch Medvedev é o novo czar de todas as Rússias.
Ele entra e desfila por um longo corredor até ser recebido num magnífico pódio, com uma enorme bandeira tricolor da Rússia como pano de fundo, pelo presidente Vladimir Putin (2000-2008), que transfere o cargo, em 7 de maio de 2008. Medvedev jura respeitar a Constituição, mas isso até hoje na Rússia nunca teve muita importância.
No discurso de posse, o novo czar promete "liberdades civis e econômicas", significativamente abaladas nos oito anos de governo Putin. Mas o que faz Medvedev como um dos primeiros atos de governo? Nomeia o ex-presidente como primeiro-ministro, na condição de líder do partido Rússia Unida, amplamente majoritário na Duma do Estado, a Câmara do parlamento russo.
O partido talvez seja um dos primeiros campos de batalha entre o presidente e seu poderoso primeiro-ministro, um conflito que os analistas da política russa consideram inevitável.
Ex-chefe da Casa Civil de Putin e ex-presidente da Gazprom, a poderosa empresa que detém o monopólio estatal do gás na Rússia, Medvedev nunca tinha disputado uma eleição. Ele foi nomeado primeiro vice-primeiro-ministro em 14 de novembro de 2005 e indicado candidato à presidência por Putin em 10 de dezembro de 2007. Ganhou, com 71% dos votos, em 2 de março de 2008.
Sua vitória foi atribuída principalmente à recuperação econômica da Rússia nos anos Putin, depois do colapso da União Soviética em 1991 e da caótica introdução do capitalismo liberal sob Boris Yeltsin (1991-1999). O país quebrou em agosto de 1998, um ano depois do início da crise asiática, exacerbando a crise brasileira que levou à desvalorização do real em janeiro de 1999.
Na Rússia, o dólar passou de cerca de sete para 31 rublos, o que encareceu as importações e abriu mercado para a recuperação da indústria nacional. Mas o impulso definitivo foi a elevação dos preços do barril de petróleo, de menos de US$ 10 para os US$ 123,53 de 7 de maio.
A renda do petróleo, muito mais do que as políticas de Putin, reergueu a economia da Rússia, recuperando um pouco da majestade perdida com o fim do Império Soviético. Putin resgatou vários aspectos do passado para reconstruir o orgulho nacional.
O maior país do mundo está de volta ao círculo das grandes potências como membro pleno. Uma das características históricas de um país enorme e sem fronteiras naturais é um medo de estar cercado por países hostis.
Para os atuais líderes da Rússia, o grande desafio é a expansão da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) até suas fronteiras. Por isso, Putin se opôs totalmente à entrada das ex-repúblicas soviéticas da Geórgia e da Ucrânia à OTAN.
Em resposta ao apoio do Ocidente à independência do Kossovo, o Kremlin prometeu apoiar os movimentos separatistas da Abcásia e da Ossétia do Sul, dois enclaves de maioria russa na Geórgia.
Dias atrás, um avião de espionagem não-tripulado da Geórgia foi derrubado na Abcásia. O governo da Geórgia acusou a Rússia, que por sua vez atribuiu o ataque aos rebeldes. Nos últimos dias, a Rússia reforçou suas forças nas Abcásia alegando que estão em missão de paz. Mas a Geórgia teme que a Rússia esteja se preparando para a guerra.
Medvedev, um advogado de 42, tecnocrata, não foi chefe do serviço secreto como Putin. Precisa carimbar suas credenciais como um homem-forte capaz de proteger a Rússia contra seus múltiplos inimigos e vizinhos incômodos.
No fim do longo ritual da posse na Presidência da Federação Russa, de 89 unidades administrativas, Medvedev recebeu uma maleta com os códigos secretos das armas nucleares do país. Agora, é com ele.
Para terminar, foi abençoado pelo patriarca Alexei II, chefe da Igreja Ortodoxa da Rússia.
A Geórgia é seu primeiro teste. Há uma expectativa de que vai jogar duro.
Este é o blog do jornalista Nelson Franco Jobim, Mestre em Relações Internacionais pela London School of Economics, ex-correspondente do Jornal do Brasil em Londres, ex-editor internacional do Jornal da Globo e da TV Brasil, ex-professor de jornalismo e de relações internacionais na UniverCidade, no Rio de Janeiro. Todos os comentários, críticas e sugestões são bem-vindos, mas não serão publicadas mensagens discriminatórias, racistas, sexistas ou com ofensas pessoais.
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