Sem falar em independência, o enviado especial das Nações Unidas para a antiga província iugoslava do Kossovo, Martti Ahtisaari, propôs ontem ao Grupo de Contato (Estados Unidos, Alemanha, França, Itália, Reino Unido e Rússia) a soberania do Kossovo sob controle internacional, com garantias de ampla autonomia à minoria sérvia.
Os principais pontos da proposta são:
1. O Kossovo continuará indefinidamente a ser patrulhada por uma força internacional, não só para garantir sua soberania, mas também para proteger a minoria sérvia, hoje de cerca de 100 mil pessoas numa população em torno de 2 milhões.
2. A tutela internacional será exercida por um representante da União Européia (UE).
3. O Kossovo poderá firmar acordos internacionais e participar de organizações internacionais como a ONU, o que o aproxima das características de país independente.
4. Será criada uma força militar do Kossovo, com 2,5 mil soldados e armamento leve.
5. Serão criados sete municípios sérvios com ampla autonomia.
6. O legado histórico e cultural sérvio na província será protegido.
Foi na província sérvia do Kossovo que o então líder do Partido Comunista, Slobodan Milosevic, lançou, em 1987, a semente da destruição da Iugoslávia, ao declarar que os sérvios não seriam mais "humilhados". Em 1989, Milosevic cassou a autonomia da província, submetendo-a à Sérvia.
No início dos anos 90, o conflito no Kossovo foi ofuscado pelas guerras de independência da Eslovênia, da Croácia e especialmente da Bósnia-Herzegovina, que mataram 250 mil iugoslavos. Depois da intervenção militar da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), os EUA obrigaram os presidente da Bósnia-Herzegovina, Alija Izetbegovic; da Croácia, Franjo Tudjman; e da Sérvia, Slobodan Milosevic; a assinar o acordo de paz de Dayton, em 1995.
Faltava o Kossovo, onde a tensão aumentava por causa da marginalização da maioria albanesa. Em fevereiro de 1996, nasce o Exército de Libertação do Kossovo. A repressão sérvia torna-se ainda mais violenta até nova intervenção militar da OTAN.
Em 24 de março de 1949, a aliança militar liderada pelos EUA iniciou uma campanha aérea de 78 dias para expulsar as forças sérvias do Kossovo. Desde então, a província é ocupada pela OTAN.
A independência do Kossovo é uma questão delicada porque a província ocupa um espaço especial no principal mito fundador do nacionalismo sérvio. Na Batalha do Kossovo, em 28 de junho de 1389, os turcos do Império Otomano derrotaram a Sérvia, que só iria recuperar sua independência em 1878. É uma derrota que os sérvios festejam até hoje.
No mesmo dia, em 1914, o estudante radical sérvio Gavrilo Princip assassinou em Sarajevo, então parte da Sérvia, o arquiduque Francisco Ferdinando, herdeiro do trono do Império Austro-Húngaro. Foi o estopim da Primeira Guerra Mundial.
O primeiro-ministro sérvio, Vojislav Kostunica, não receberá o enviado da ONU quando ele for a Belgrado. Martti Ahtisaari estará com o presidente Boris Tadic, que exerce funções protocolares mas não detém o poder real.
Este é o blog do jornalista Nelson Franco Jobim, Mestre em Relações Internacionais pela London School of Economics, ex-correspondente do Jornal do Brasil em Londres, ex-editor internacional do Jornal da Globo e da TV Brasil, ex-professor de jornalismo e de relações internacionais na UniverCidade, no Rio de Janeiro. Todos os comentários, críticas e sugestões são bem-vindos, mas não serão publicadas mensagens discriminatórias, racistas, sexistas ou com ofensas pessoais.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário